O Ministério Público Federal (MPF) requereu que cesse imediatamente a criação de búfalos mantida em área indígena de grande relevância para o bioma Mata Atlântica, no entorno do Parque Estadual da Serra do Mar, em São Sebastião (SP). Na ação, movida contra a empresa Alemoa S.A., o MPF pede a retirada dos animais e das construções existentes em até 60 dias, bem como a apresentação de projeto de recuperação da área degradada.
O território, de mais de 170 mil m², utilizado para pecuária, tem importância estratégica na proteção e recuperação dos remanescentes florestais, da biodiversidade e dos recursos hídricos, além de integrar terra tradicionalmente ocupada pelos indígenas Guarani. A ação requer ainda o pagamento de indenizações pelos danos morais coletivos ao meio ambiente, em montante não inferior a R$ 1 milhão, e pelos prejuízos causados à comunidade indígena, no valor de R$ 500 mil.
A criação de búfalos desenvolvida pela empresa na região já causou desmatamento e perda de espécies vegetais da Mata Atlântica. A abertura de estradas e de clareiras para pastagens impede a regeneração natural do ambiente, em virtude da compactação do solo após a retirada da vegetação original e pisoteio constante. Além de permitir o surgimento de plantas invasoras que se sobrepõe às nativas, as intervenções humanas, afetam drasticamente os recursos hídricos. A supressão total de matas ciliares nos cursos d’água e o uso dessas fontes pelos animais têm provocado erosão em estágio avançado, assoreamento e alterações nas condições físico-químicas do lençol freático e corpos hídricos da região. Tal desequilíbrio provoca danos a mamíferos, aves e à fauna aquática, com redução populacional ou mesmo desaparecimento de espécies, inclusive ameaçadas de extinção.
A manutenção da atividade pecuária na área é ilegal, por se tratar de Zona de Amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar, a qual tem por objetivo proteger e recuperar as nascentes, os remanescentes florestais e a integridade da paisagem na região do entorno da unidade de conservação. A criação dos animais fere não só a Constituição, como a legislação ambiental, incluindo o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica.
A ação ilícita também vai de encontro à recomendação da Fundação Florestal e orientações da Fundação Nacional do Índio (Funai), sendo ainda considerada irregular pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), por se encontrar em área de tombamento. Além disso, a atividade já foi reconhecida como irregular pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e pelo município de São Sebastião, tendo em vista a proibição prevista no Zoneamento Ecológico-Econômico do litoral norte de São Paulo.
Responsável pela prática poluidora há décadas, a Alemoa S.A. foi denunciada pelo MPF em 2014, para que respondesse criminalmente pelos danos causados ao meio ambiente. O processo chegou a ser interrompido depois que a empresa se comprometeu a cumprir exigências ambientais e recuperar a área degradada. Contudo, tais promessas se mostraram uma manobra para manter os animais no local e evitar a condenação penal. Após quase cinco anos, a ré não cumpriu os compromissos assumidos, impossibilitando a recuperação do território.
“A criação de búfalos tem sido usada como estratégia para impedir a regeneração da vegetação da Mata Atlântica e manter a área ‘limpa’ para futura instalação de empreendimento imobiliário, por ora inviabilizado em razão de o imóvel se encontrar em área cujo loteamento é proibido pelo Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Norte”, lembra a procuradora da República Walquiria Imamura Picoli, autora da ação.
Terra Indígena
Além da lesão direta e indireta à fauna e à flora, as intervenções da empresa também geram consequências negativas ao povo Guarani que habita a Terra Indígena Ribeirão Silveira, comprometendo o modo de vida tradicional dos grupos Mbyá e Nhandeva. As pastagens e o local onde foram erguidos curral, depósito e ponto de alimentação para os búfalos estão a apenas 1.400 metros do cemitério indígena, local sagrado para a comunidade. “Por se tratar de atividade pastoril sem nenhuma delimitação, tal distância põe em risco a área de interesse cultural e cosmológico indígena, causando desassossego em toda a comunidade Guarani”, destaca a procuradora.
As ações ilegais praticadas pela Alemoa S.A. não só impedem o livre trânsito da população indígena em seu já reconhecido território tradicional, como também colocam em risco a sobrevivência do grupo, segundo seus costumes e tradições. Isso porque os Guarani tiram da mata grande parte dos recursos para sua subsistência, sendo a coleta, a caça e a pesca fontes importantíssimas para manutenção física e cultural desse povo. Paralelamente, a atividade pecuária corrompe o equilíbrio ecológico da área, que deixa então de fornecer espécimes vegetais e animais para a comunidade indígena.
Pedidos
A ação do MPF pede, em caráter liminar, que sejam determinadas à empresa a remoção dos búfalos da área em 60 dias, bem como a proibição de outras práticas que possam causar novos danos ou impedir a regeneração natural da vegetação. A companhia deverá apresentar cronograma para a total retirada dos animais e de todas as benfeitorias e construções existentes no local. Ao final do processo, a Procuradoria requer que a Alemoa S.A. apresente um projeto de recuperação da área degradada, ou ainda, no caso de a regeneração do território ser inviável, pague indenização patrimonial pelos danos materiais causados ao meio ambiente. A ação solicita que a empresa pague multa diária de R$ 10 mil na hipótese de descumprimento das determinações judiciais.
Leia a íntegra da ação civil pública. O número do processo criminal é 5000052-13.2020.4.03.6135. Para consultar a tramitação, acesse o site da Justiça Federal.
Por: Assessoria de Comunicação – Procuradoria da República no Estado de São Paulo