O desafio da efetiva adoção de boas práticas e a identificação de atributos representam acesso a mercados, ganhos de competitividade e melhores resultados.
Por: José Carlos Pedreira de Freitas*
Acompanhamos há muitos anos a evolução e modernização de algumas empresas e entidades de ponta do agro brasileiro. Mais recentemente, aprofundamo-nos no exame de modelos de inserção da sustentabilidade no core business de suas estratégias de negócios. O acolhimento inteligente deste conceito representa, cada vez mais, importante estratégia de geração de valor e vantagem competitiva no setor.
O desafio da efetiva adoção de boas práticas e a identificação de atributos representam acesso a mercados, ganhos de competitividade e melhores resultados. Isso significa transferir a sustentabilidade da coluna do passivo para a coluna do ativo.
Constatamos de forma crescente uma clara percepção das aceleradas mudanças na sociedade e nos mercados, no sentido de olhar as dimensões social e ambiental nos modelos de negócios dos empreendimentos da cadeia do agro.
Trata-se, como nos lembra Michael Porter, de Harvard Business School, de juntar a estratégia econômica com a estratégia de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa.
Assim, apesar de ser um processo vagaroso, deixamos de produzir itens como a carne, o café e o cacau e o açúcar, dentre outros, na forma de commodities, para buscar produtos diferenciados e de alto valor agregado. Como exemplo prático, podemos citar o café gourmet, considerado especial, produzido a partir da adoção de boas práticas, colhido à mão ou mecanicamente, processado e vendido de forma diferenciada. Na carne, aos quesitos de qualidade (maciez, suculência e sabor) adiciona-se aqueles de sustentabilidade relacionados às boas práticas de produção como bem estar animal e manejo adequado das pastagens.
Casos emblemáticos no nosso agro tropical são os modelos desenvolvidos ou apenas aprimorados aqui como o Plantio Direto na Palha (65 milhões de hectares anuais, com sequestro de mais do que o total de emissões causadas pelo sistema Petrobras) e a integração lavoura-pecuária-floresta (12 milhões de hectares).
Tudo isso envolve mais tecnologia e estudos para tornar essas práticas viáveis do ponto de vista econômico. Considerando que nossos indicadores econômico-financeiros não consideram os impactos ambientais e sociais (também chamados, externalidades), esses processos são aparentemente mais caros, apesar de causarem menores impactos. No longo prazo, no entanto, a taxa de retorno é compensatória, à medida que esses mercados se desenvolvem e reconhecem os benefícios sociais e ambientais desses novos modelos de produção.
Importa destacar a máxima de que não se pode gerenciar o que não é mensurável. E que a mudança aqui preconizada requer um sistema de gestão que incorpore indicadores que exprimam e quantifiquem essas externalidades positivas, permitindo o permanente monitoramento, verificação e relato (MVR).
Por outro lado, não faz sentido demonizar a agricultura convencional já que tudo é parte de um mesmo agro. Devemos reconhecer seus enormes avanços nas últimas décadas, alterando nossa condição inicial de importadores de insumos, máquinas e alimentos para a atual posição de terceiro maior exportador líquido de alimentos.
Fizemos uma verdadeira revolução agrícola, inédita no mundo tropical. Temos, agora, de incorporar novos paradigmas em nossos modelos de produção.
Para finalizar, quais seriam os ganhos das empresas e organizações do agro na adoção de modelos sustentáveis de negócio?
- Reduzir riscos e custos de capital;
- Acessar novas fontes de financiamento;
- Acessar e manter novos mercados;
- Responder às pressões externas e validar sempre sua “licença para operar”;
- Equilibrar interesses divergentes (acionistas e demais stakeholders);
- Assegurar perpetuidade, ganhos de marca, reputação e retenção de talentos;
- Alavancar o valor das empresas;
- Alcançar melhores resultados.
Lembrando sempre que não basta fazer, mas é preciso ter a intenção de fazer, será sustentável se for “para todos” e “para sempre”. Abaixo, nos quadros, nosso projeto Liga do Araguaia, em parceria com o Grupo Roncador, no Mato Grosso:
LIGA DO ARAGUAIA
Movimento iniciado em novembro de 2014 por pecuaristas do Médio Vale do Araguaia, liderados pelo s pelo Grupo Roncador em parceria com organizações públicas e privadas, tem por objetivo:
- Promover a intensificação sustentável da pecuária de corte da região a partir da recuperação de pastagens degradadas e da redução da pressão pela abertura de novas áreas;
- Replicar práticas de pecuária sustentável com atividades de fomento e capacitação (dias de campo e oficinas);
- Adotar e monitorar a adoção de práticas para redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GHG);
- Conservar e restaurar APPs e Reservas Legais, com a interligação de fragmentos florestais;
- Diferenciar e agregar valor aos produtos e serviços das atividades pecuárias da região.
Projeto Carbono Araguaia (parceria Dow/Corteva)
Voltado ao monitoramento da redução de emissões de GHG resultantes da adoção de práticas de intensificação sustentável na pecuária, em 24 fazendas (82 mil ha).
Projeto Campos do Araguaia (parceria TNC, com o apoio do IDH)
Apoio às atividades de intensificação sustentável e regularização ambiental num conjunto de 33 produtores (50 propriedades) para:
- Restauração e reforma de pastagens em 47 mil hectares até 2022;
- Conservação de 10 mil ha de APP e restauração de 2 mil de APPs degradadas;
- Conservação de 54 mil ha de RL e 10 mil ha de excedentes de RL, totalizando 74 mil ha destinados para a conservação;
- Regularização de 2 mil ha de RL faltante nos imóveis rurais.
Projeto Garantia Araguaia (parceria Imaflora)
Desenvolvimento de ferramentas de Monitoramento, Reporte e Verificação (MRV) relacionada às práticas produtivas e socioambientais de produtores rurais para futura conformidade e certificação.
Projeto CBC Araguaia (parceria Embrapa)
Acordo de Cooperação com o CNPGC/Embrapa Gado de Corte, de Campo Grande, MS, para examinar a viabilidade técnica dos sistemas de “intensificação” e de “integração lavoura-pecuária” para a mitigação de gases de efeito estufa, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela Embrapa para o selo Carne Baixo Carbono (CBC), para validação e futura certificação.
*Consultor e Sócio-Gerente da HECTA.
Este artigo foi publicado originalmente na revista Agroanalysis, da FGV-Agro.