O vice-presidente do Paraguai, Hugo Velázquez, depôs hoje (12) a promotores do Ministério Público sobre a assinatura de um acordo com o Brasil para a negociação de energia produzida pela Usina Hidrelétrica de Itaipu, na fronteira entre os dois países. O presidente Mario Abdo Benítez foi ouvido ontem (11), no mesmo inquérito.
O depoimento de Velázquez aos promotores Marcelo Pecci, Sussy Riquelme e Liliana Alcaraz durou cerca de seis horas e o de Abdo, quase sete horas. Em nota, o Ministério Público (MP) revelou que, durante seu depoimento, ontem, o presidente Mario Abdo entregou um aparelho celular pessoal para que seja periciado e eventuais mensagens de texto sejam confrontadas com o material entregue por outras pessoas já ouvidas no mesmo inquérito. De acordo com o MP, Abdo confirmou que a possibilidade de a agência estatal de Administração Nacional de Eletricidade (Ande) vender parte da energia adquirida a outras empresas chegou a ser discutida em reuniões, por sugestão do vice-presidente, Hugo Velázquez.
O Ministério Público paraguaio apura a suspeita de irregularidades na renegociação do contrato de compra e venda, pelos dois países, da energia de Itaipu, pelos próximos quatro anos. As suspeitas vieram a público em 24 de junho, quando o então presidente da Ande, Pedro Ferreira, renunciou ao cargo. Inicialmente, Ferreira disse deixar à presidência da Ande por “desentendimentos” em questões envolvendo as negociações sobre a compra, pelo Paraguai, de energia de Itaipu. Posteriormente, o próprio Ferreira disse a jornalistas que o acordo não convinha a seu país, pois, entre outras coisas, levaria o Paraguai a pagar mais pela energia.
Com a saída de Ferreira do cargo, a imprensa paraguaia teve acesso a uma ata assinada em 24 de maio, pelo embaixador do Brasil no Paraguai, Carlos Simas Magalhães, e pelo embaixador paraguaio no Brasil, Federico González. Considerado prejudicial aos interesses paraguaios, o documento foi anulado no dia 1º de agosto.
Jornais e sites do país vizinho afirmam que, se tivesse sido levado a cabo, o acordo poderia causar um potencial prejuízo da ordem de US$ 200 milhões para o Estado paraguaio. De acordo com o jornal paraguaio ABC Color, desde o início das negociações, em março deste ano, a delegação brasileira apresentou os pontos do acordo que esperava rever, “superando atuais divergências entre a estatal paraguaia Ande e a Eletrobras”.
A revelação da existência do acordo ameaça mergulhar o país vizinho em uma crise política. Manifestações populares em algumas das principais cidades paraguaias motivaram deputados dos partidos de oposição Liberal Radical Autêntico (PLRA) e Encuentro Nacional (PEN), e do movimento Hagamos, a protocolar um pedido de impeachment do presidente Mario Abdo Benítez; do vice-presidente Hugo Velázques e do ministro da Fazenda, Benigno López. Além disso, ocupantes de cargos públicos, como o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Luis Castiglioni, renunciaram a seus cargos ou foram exonerados.
Na última sexta-feira (9), Abdo e Velázquez usaram suas contas pessoais no Twitter para garantir que estão à disposição do Ministério Público. “Como sempre disse, nosso compromisso é com a transparência. Estamos à disposição da promotoria para colaborar com a investigação e com a busca da verdade”, escreveu Marito, como é conhecido nacionalmente o presidente. “Ponho-me à disposição do Ministério Público. A verdade sairá à luz”, assegurou Velázques no mesmo dia.
Em nota divulgada após Mario Abdo prestar depoimento, o Ministério Público do Paraguai reproduziu uma declaração atribuída à promotora Liliana Alcaraz. “Vamos coletar todas as evidências que confiram contexto à situação. O presidente [Abdo] colocou à disposição do Ministério Público todas as mensagens [trocadas com outras autoridades sobre o assunto]. E já temos em nosso poder as mensagens fornecidas pelo [ex-presidente da Ande] Pedro Ferreira. Vamos compará-las a todas as mensagens trocadas”, afirmou a promotora.
Pela manhã, o novo ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Antonio Rivas Palacios, afirmou que o presidente Mario Abdo lhe instruiu a criar uma comissão de especialistas “de alto nível, plural e multidisciplinar” que “contribua para preparar, com solidez, a posição paraguaia” nas futuras negociações para revisão do chamado Anexo C do Tratado de Itaipu.
“Estamos conscientes de que se trata de um tema crucial para o Paraguai”, declarou Palacios ao participar de audiência pública sobre a importância da renegociação do Anexo C do tratado, realizada pela Comissão Especial de Entes Binacionais e de Desenvolvimento do Sistema Elétrico, do Senado paraguaio. “O Poder Executivo paraguaio entende a importância da negociação que encararemos, compreendendo que devemos apoiar-nos em estudos sérios e completos, enquadrando-a em nossa visão mais ampla e em nossos planos de desenvolvimento econômico e social do país”, acrescentou o ministro.
O Anexo C trata das bases para comercialização de energia estabelecidas no acordo que os dois países assinaram em 1973, para construção da usina e aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná. Sua revisão, em 2023, quando o tratado completa 50 anos, visa, entre outros pontos, à atualização dos valores de compra e venda da energia elétrica gerada por Itaipu.
Com vistas à futura negociação, o governo brasileiro também já criou um grupo de trabalho (GT) responsável por coordenar os estudos técnicos que deverão embasar a posição brasileira quando chegar o momento de rediscutir os termos do Anexo C. O GT foi constituído em fevereiro, por meio da Portaria nº 124, do Ministério de Minas e Energia. Coordenado pela Secretaria Executiva do ministério, o grupo de trabalho poderá convidar especialistas de outros órgãos e entidades, bem como representantes da sociedade civil e associações, para participar das reuniões e dos trabalhos a serem desenvolvidos.
Na sexta-feira (9), o Ministério de Minas e Energia do Brasil negou que o processo de negociação que resultou na assinatura da ata bilateral já anulada tenha ocorrido em sigilo. Segundo a pasta, os representantes dos ministérios das Relações Exteriores dos dois países, da Ande, da Eletrobras e da Itaipu Binacional negociaram meios de garantir os recursos necessários para o funcionamento da usina; a estabilidade no fornecimento de energia elétrica para Brasil e Paraguai e de “corrigir uma defasagem histórica na contratação da energia de Itaipu por parte da Ande”, já que, segundo a pasta, o volume contratado pela estatal paraguaia “não tem acompanhado o alto crescimento de sua demanda de energia”.