O Mercosul vai advertir a União Europeia (UE) hoje, em Brasília, que uma oferta insuficiente europeia na área agrícola descumpre o que foi acertado e coloca um alto risco de não se concluir o acordo de livre comércio em dezembro
O ambiente à véspera das discussões era de incerteza. O Mercosul não recebeu sequer indicação de que a UE apresentará as concessões, mesmo modestas, para os dois produtos sensíveis que faltam na oferta agrícola, que são carne bovina e etanol. O porta-voz de comércio da UE não respondeu às questões sobre o tema, algo inusual.
A UE receberá um rechaço do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se apostar que vai fechar um acordo oferecendo cotas de 70 mil toneladas para carne bovina e de 600 mil toneladas para etanol, livre de tarifas – cifras mínimas e que, ainda assim, provocam revolta de protecionistas, em Bruxelas. Negociadores do Mercosul vão cobrar dos europeus que o combinado entre os dois blocos, na retomada da negociação, em 2010, foi de que fariam ofertas de acesso ao mercado melhores que aquelas apresentadas em 2004, quando quase foi fechada a barganha final. Significa que, para a carne bovina, o Brasil e seus sócios do Mercosul esperavam cota de mais de 100 mil toneladas, e para etanol de mais de 1 milhão – muito além do que Bruxelas quer propor agora.
A concessão que a Comissão Europeia, braço executivo da UE, preparou para a carne bovina do Mercosul, além de insuficiente, é um exemplo de como os detalhes escondem ganhos ainda menores. A cota seria de 70 mil toneladas para a carne bovina, mas o volume é dividido em duas subcotas: uma para carne congelada, com valor comercial bem menor, e outra para carne fresca. Essas duas subcotas são divididas ainda em outras categorias de cortes. Assim, naquela de carne fresca, só uma parte é para a Cota Hilton, composta por produto de maior qualidade e melhor preço. E na outra, deve ter uma parte de carne cozida, de menor valor.
Para se ter uma ideia, o Brasil exportou para a UE em 2016 cerca de 27 mil toneladas de carne bovina fresca, pelo valor de US$ 260 milhões. Já a carne congelada teve volume bem maior, de 37 mil toneladas, mas valor menor, US$ 228 milhões. Foram exportadas 42 mil toneladas de carne para maior uso industrial, valendo US$ 197 milhões. São detalhes que vão pesar na barganha final, se é que a Comissão Europeia terá condições de ir adiante, considerando a mobilização dos protecionistas. Amanhã, negociadores vão dar entrevista coletiva em Brasília.
O representante da União Europeia no Brasil, embaixador João Cravinho, ponderou que a rodada começa hoje, e portanto, neste não faria sentido antecipar-se ao processo negocial. Mas admitiu que é preciso avançar mais: “Também do lado europeu temos a ideia de que o progresso é insuficiente, mas é por isso mesmo que vamos sentar juntos ao longo desta semana para ver se podemos aproximar posições”, disse.
Na avaliação dentro do Mercosul, ao desenhar oferta bastante piorada para dois produtos-chave, e em cima da hora, a UE coloca em risco o que está mesmo propôs, que é anunciar um pré-acordo à margem da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro, em Buenos Aires.
Na sexta-feira, o grupo protecionista de 11 países liderados pela França avisou a Comissão Europeia que não estavam em condições de autorizar a apresentação da oferta com as cotas para produtos sensíveis como carne bovina e etanol.
Já o grupo de oito países favoráveis ao acordo, incluindo Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Reino Unido, Dinamarca, Suécia e República Checa, insistiu que a Europa não pode perder a oportunidade de fechar a negociação birregional até o fim do ano e deve apresentar a oferta ao Mercosul, em troca de ganhos em outros setores. Para negociadores, é ridículo o que está acontecendo. O valor das duas concessões agrícolas não tem comparação com o que empresas europeias vão ganhar com maior acesso ao Mercosul.
Normalmente, a rodada de discussões a partir de hoje deveria ser a largada das barganhas finais. Ou seja, é preciso haver margem para aumentar as ofertas. Mas a UE deve alergar que tem margem de manobra muito curta. Apesar da percepção na Europa de que o Brasil, sobretudo, quer fechar o acordo a qualquer preço, negociadores dizem que dentro do bloco a decisão é de continuar negociando até obter concessões satisfatórias. No ano passado, quando os dois blocos voltaram a trocar ofertas, o Mercosul aumentou a abertura do mercado para produtos industriais, serviços e em outros setores para os europeus.
A UE por sua vez tirou da mesa concessões para carne bovina e etanol, enquanto ofereceu melhora na cota para carne de frango – de 75 mil toneladas em 2004 para 78 mil toneladas. Para carne suína, que o Brasil não consegue exportar hoje para a Europa, também houve acerto de uma cota pequena com alíquota menor. Os europeus prometeram eliminar uma série de tarifas de importação principalmente para produtos industriais. Um ganho vem com a restituição parcial da redução tarifária que o Brasil tinha perdido com o novo Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu.
(colaborou Cristiano Zaia, de Brasília)
Fonte: Valor Econômico