Problemas na oferta, sobretudo na Argentina, em tempos de demanda aquecida no exterior e dólar valorizado em relação ao real levaram as cotações da soja em grão a patamares recorde nos últimos dias no Brasil, segundo maior país produtor e principal exportador global da commodity
Analistas realçam que a disparada, também contaminada pela crise política que resultou no afastamento da presidente Dilma Rousseff, causou um relativo “descolamento” dos preços domésticos das oscilações internacionais, num comportamento poucas vezes visto nesta época do ano, quando o escoamento da safra brasileira está a pleno vapor.
Levantamento publicado diariamente no Valor PRO mostra que a saca de 60 quilos do grão já é negociada por cerca de R$ 80 em diversas cooperativas do Paraná, com alta nominal superior a 30%, em termos absolutos, na comparação com o mesmo período de 2015. Mesmo em relação ao nível verificado antes do feriado de Corpus Christi, a valorização chega a 4,5%.
Em polos de Mato Grosso, como Sinop, Sorriso e Lucas do Rio Verde, a saca é negociada entre R$ 82 e R$ 84, o que significa um ágio de 12% sobre a paridade de exportação, conforme Francisco Peres, sócio da corretora Labhoro, de Curitiba. Sem dúvida uma boa notícia para os exportadores, mas um problema para integrações de aves e suínos, cujas margens também estão apertadas pela alta do milho, e foco de pressão sobre a inflação, que continua a preocupar.
“Trabalho nesse mercado há 35 anos e nunca vi algo semelhante acontecer no primeiro semestre. Tradicionalmente, um ágio tão grande só ocorre entre outubro e novembro, quando não há soja no país”. Nas contas de Peres, levados em consideração o câmbio, as cotações na bolsa de Chicago e a demanda, que é liderada pela China, a saca de 60 quilos deveria estar custando de R$ 73 a R$ 74 nos polos mato-grossenses.
No Rio Grande do Sul, o preço de referência atingiu, em média, R$ 84, e no porto de Rio Grande, principal porta de saída das exportações do Estado, chegou a R$ 88, segundo Adelson Gasparin, analista da XPF Agro. No porto de Paranaguá, no Paraná, a soja para pagamento em 30 de junho vale R$ 91, e no porto paulista de Santos está em R$ 89. “O prêmio nos portos está acima de R$ 0,50, em média, o que é histórico para esta época do ano”, diz Gasparin.
“O volume das exportações brasileiras de soja deverá bater um novo recorde e as tradings, com medo, estão antecipando as compras”, diz Peres. Segundo ele, as grandes tradings aceleraram suas compras também porque o preço do farelo está muito competitivo. Na semana passada, a tonelada do farelo superou US$ 400 em Chicago, o que não acontecia desde julho de 2015, como destacou a consultoria Safras&Mercado.
Segundo a Abiove, entidade que representa as principais indústrias de óleos vegetais que atuam no Brasil, os embarques de soja em grão do país somarão 55,3 milhões de toneladas em 2016, 1 milhão a mais que em 2015 e pico da série histórica.
Para a receita dos embarques, a Abiove ainda prevê queda na comparação – de 8%, para US$ 19,4 bilhões -, mas especialistas acreditam que o número poderá ser revisto para cima nas projeções que a associação divulgará nos próximos meses. Segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, até abril o Brasil exportou 20,9 milhões de toneladas do grão, 60% mais que no primeiro quadrimestre de 2015.
Em boa medida, a duração desse período de bonança para os produtores e exportadores brasileiros, e de pressão “altista” sobre os preços ao consumidor de itens como carnes e óleos vegetais, dependerá das condições da safra que está sendo plantada nos EUA (2016/17). E, depois dos problemas climáticos enfrentados pela Argentina, essa incerteza também alimenta muita especulação, o que ajuda a inflar os preços internacionais – e, por tabela, os nacionais.
Glauco Monte, diretor de commodities da consultoria FCStone, diz que as indicações são de alta na bolsa de Chicago. “A única dúvida fica por conta do câmbio, devido às incertezas políticas no país. Em Chicago, os preços só vão se estabilizar com a consolidação da safra americana. Por enquanto, os gestores fundos estão comprados [apostando na alta] em volumes que quase se igualam aos recordes de 2012”. Ele afirma que a saca de soja no Brasil poderá alcançar o patamar de R$ 100 no porto de Paranaguá se a combinação entre preços em Chicago, prêmio e câmbio continuar favorável.
Afora os reflexos sobre as cotações do grão, a quebra da safra da Argentina, terceiro maior país exportador da matéria-prima, provocada pelo excesso de chuvas, ajudou a impulsionar as cotações do farelo, já que o país sul-americano lidera os embarques globais do derivado.
Assim, afirma Peres, da Labhoro, muitas empresas correram para comprar no Brasil mais grãos destinados ao esmagamento, para tentar preencher a lacuna deixada pelo vizinho. “Uma trading começou a antecipar as compras de soja para esmagar e exportar, e as outras foram atrás”. Gasparin, da XPF Agro, reforça: “Geralmente, aqui no Rio Grande do Sul, as indústrias não são tão atuantes durante a janela de exportação do Estado [entre abril a julho]. Mas, neste ano, estão disputando lotes com a exportação ‘no tapa'”.