Economistas reunidos na Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), na última sexta-feira, 11 de novembro, discutiram o cenário econômico mundial e analisaram os reflexos da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.
No início do encontro, Paulo Guedes, economista Ph.D. pela Universidade de Chicago, discordou da existência de uma “crise contemporânea” ou “crise do capitalismo”. “A verdade é que existe um sistema ocidental com seus excessos. No caso dos EUA, houve um excesso de liquidez que ocasionou ‘bolhas’ em série, e em relação à Europa, tivemos problemas de ordem fiscal”, disse.
Guedes acredita que atualmente vivemos em um mundo onde “a pressão do excesso de mão-de-obra e do excesso de capital colocou os juros a zero e travou toda a inflação. Houve uma pressão deflacionária”, explicou. “De um lado, temos o mercado de trabalho e de bens e serviços sofrendo essa pressão, e de outro, os governos tentando sobreviver com liquidez (compra de ativos, juros zero etc.), jogando dinheiro no mercado.”
QUADRO ATUAL
De acordo com o economista, além dos excessos financeiros, “a classe média ocidental está travada, ou em movimento descendente; os ganhos estão travados, com diminuição do poder de compra, e os grandes proprietários, com juros altos, estão com muito dinheiro”, acrescentou, também chamando a atenção para o fato de que “milhares de pessoas estão saindo do estado de miséria e ingressando nos mercados globais”. E citou como exemplo a China: “Quase um bilhão de chineses deixaram as áreas rurais em direção às áreas urbanas e se integraram a esses mercados”.
Em busca da melhor saída para esse quadro, Guedes espera uma atitude mais eficaz por parte das lideranças. “O governo não precisa tirar dos ricos, basta não salvá-los. Mas deve haver liderança política para dizer: ‘Você perdeu. O mercado é assim’. No entanto, é mais fácil fazer o jogo do empurra-empurra, mas que não resolve, porque os problemas são globais”, ressaltou o economista, sinalizando: “Não posso dizer que as economias de mercado não resolvam, mas levam tempo para serem digeridas”.
Por outro lado, Guedes lembra que a distribuição de renda no mundo “nunca melhorou de modo tão extraordinário”. Para ele, “a melhor forma de inclusão social que existe são os mecanismos de mercado”.
TRUMP E TEMER
Quanto à eleição de Trump e seus possíveis reflexos na economia brasileira, Guedes disse que, apesar do resultado ter surpreendido, o Brasil não deve se preocupar. “Temos uma economia continental e estamos sabendo o que fazer. Quem manda somos nós. A alta do dólar favorece nossas exportações. Não podemos ficar preocupados com a economia dos EUA. Temos de olhar mais para nosso contexto”, enfatizou.
“O Brasil é uma sociedade aberta. Não somos suicidas, temos massa crítica. Se algo dá errado, alguma coisa vai acontecer. Temos capacidade de resiliência. Achamos nossos caminhos e cada um faz sua parte. O presidente Michel Temer é herdeiro natural desse processo de resiliência”.
Em recente artigo publicado este mês no jornal O Globo, o economista declarou: “Um país de dimensões continentais como o Brasil não pode se comportar como uma folha aos ventos da economia global e sua geopolítica. Nosso maior problema é o desajuste fiscal interno, e não o Trump”.
INSATISFAÇÃO
Considerando os aspectos apontados por Guedes, o coordenador do encontro na SNA, Rubem Novaes, afirmou que, atualmente, existem “três tendências indiscutíveis no mundo: o fortalecimento dos partidos de direita; o protecionismo crescente e o isolacionismo dos países, provocado por movimentos migratórios que não são bem aceitos”.
Para o diplomata e membro da Academia Nacional de Agricultura Flávio Perri, a insatisfação “é o motor dos acontecimentos políticos do mundo de hoje”, e a Internet tem sua parcela de ‘culpa’ nesse processo.
“Nada acontece sem que se considere a opinião multiplicada na Internet. Estamos produzindo opiniões que não são de um conjunto de partidos ou de populações organizadas. Estamos trabalhando sobre incógnitas que surgem a cada instante no mundo virtual, e isso nos deixa um pouco à míngua de análises verdadeiras”, admitiu Perri.
“Tenho muito medo dessa ideia de liberdade absoluta que a Internet trouxe, porque eu não sei qual será a reação dos interlocutores e de cada um daqueles que expressam suas opiniões na Internet. Tenho receio também das organizações que expõem suas ideias e doutrinas por essa via”, salientou.
MUDANÇA RADICAL
Quanto ao momento atual do Brasil, o acadêmico disse que o país está diante de um desafio e de uma mudança radical na perspectiva de governo: “A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos é uma das questões principais da atualidade, que nos mostrará uma hipótese de economia controlada, mas eu não vejo uma solução para os próximos dois anos. Tenho receio do que pode vir depois, porque a população não está satisfeita, está descrente”.
A insatisfação, de acordo com Perri, também está orientando o resultado da eleição americana. “Trump é um performer, que é capaz de se adequar às instituições americanas. Vejo seu discurso com ceticismo. Ele ganhou a eleição porque soube explorar esse nervo exposto da insatisfação americana, e soube ocupar e representar os estados onde predominava a miséria e o desencanto”.
Segundo o diplomata, “Trump não tem propostas, tem ‘slogans’ de fácil impacto entre os desguarnecidos pela nova geografia da redistribuição da produção de bens e serviços no mundo, em busca da maior produtividade e do menor custo”.
Perri considerou que Trump, a partir de agora, irá trabalhar na linha do discurso de seu reconhecimento da vitória, “quando afirmou que iria aprender com o Obama o que é o governo”, pontuou. “Talvez ele brigue por questões importantes dos EUA, mas vai brigar pouco, porque irá envolver interesses empresariais e de outras esferas que farão seu próprio lobby”, complementou.
“Perderam com Trump os liberais, quando acreditaram que as conquistas comportamentais de sua agenda seriam definitivas, em temas como a igualdade do homem e da mulher, a homossexualidade, o aborto liberado como opção, os casamentos entre pessoas, independente do sexo, etc. É a América dos conservadores de outras épocas, dos desprovidos, dos esquecidos, do atraso e do passado que ressurgiu com Trump”, declarou Perri em recente artigo para o AgriForum.
Ainda de acordo com o diplomata, o novo presidente americano terá muitos desafios: “Trump será presidente dos EUA inescapável de uma crise na Otan (Tratado do Atlântico Norte), do qual têm sido o principal garante. Trump não poderá isolar-se e ignorar acontecimentos em uma Europa em crise; seu Governo não se desgarrará da crise da Síria, a despeito de sua empatia com Putin; seu “namoro” com o presidente russo não passará das crises ucranianas, inclusive a da Criméia”.
‘OUTSIDER’
Na opinião do secretário executivo do Conselho Empresarial Brasil-China Roberto Fendt, o presidente eleito é um ‘outsider’ que tem um discurso dirigido para a classe média.
“Quem gosta de democracia deve ter ficado satisfeito com a sua vitória. Ele é desvinculado da cúpula do Partido Republicano, mas será profundamente limitado pelo Congresso americano, dependendo de suas ações. Além disso, ele dificilmente irá prejudicar o Brasil. Nós temos é que nos concentrar em nossos ajustes fiscais. Estamos atravessando um período complicado”, disse Fendt.
CHINA E ÍNDIA
Ele acredita que Trump poderá tomar decisões para beneficiar a China, e lembrou que a China e a Índia contribuíram para melhorar a distribuição de renda do mundo. O secretário disse ainda que ambos os países favoreceram o aumento da produtividade marginal de trabalho em seus mercados, e que a China deverá se tornar um país líder em tecnologia. “O crescimento do mundo vai depender do que acontece na China e na Índia. É por aí que o mundo vai crescer.”
O avanço tecnológico também foi ressaltado pelo vice-presidente da SNA Tito Ryff: “As novas tecnologias que surgem favorecem a geração de emprego de modo satisfatório. A robótica pode ser aproveitada em mais de 40% das atividades urbanas. A inteligência artificial é outra realidade. Haverá um choque tão forte de tecnologia nas economias de mercado que esse impacto deverá ser absorvido de alguma forma para reorganizar o mercado de trabalho”.
NOVA ORDEM
Na opinião do economista Paulo Guedes, o eixo de crescimento do mundo mudou. “Índia e China estão saindo da miséria. Há uma dificuldade nossa de processar essa mudança de eixo. Se há tecnologias maravilhosas que vão criar riquezas, há também indústrias novas crescendo. Não podemos temer essas mudanças. Existe uma nova ordem em formação, mas nós ainda não estamos no centro disso”, enfatizou.
Já Thomas Tosta de Sá, presidente executivo do Instituto Ibmec, prevê um movimento de dispersão, contrário à procura pela unidade e entendimento entre os países, e confessa sua descrença no governo Trump.
“Ainda é cedo para saber qual será a nova estrutura mundial. Os EUA parecem estar fugindo da liderança que exerciam. Não vejo Trump mudando os acordos que já foram consolidados no âmbito do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) e do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e nem modificando a realidade asiática. Também acredito que ele não irá criar relações internacionais inovadoras”, comentou Sá.
Para Cezar Vasquez, diretor superintendente do Sebrae, Trump não irá se enquadrar ao estabilishment. “Outsiders me preocupam. A possibilidade de falhas é maior”. Por sua vez, Carlos Von Doellinger vê com bons olhos alguns aspectos do governo americano. “A aproximação com a Rússia é bastante favorável, porque representa a revisão de uma disputa que pode ser neutralizada. Outro aspecto positivo é o apoio explícito à Israel”, disse.
Também estiveram presentes à reunião o presidente da Sociedade Nacional de Agricultura Antonio Alvarenga; o vice-presidente Hélio Sirimarco; os diretores Antonio Freitas, Rony Oliveira, Túlio Arvelo Duran e Francisco Villela; e os economistas Arnim Lore, Arthur Rios, Helio Portocarrero, Ney Brito, Paulo de Tarso Medeiros, Ralph Zerkowski, Roberto Levy e Sérgio Gabizo.
Por: SNA