Além de ser retirado da pauta, PL da “Soja no Pantanal” revelou outros impactos para o setor produtivo com a necessidade de compensação ambiental para atividades que são praticadas há mais de 300 anos
Projeto de Lei que equivocadamente foi entendido como uma autorização para o plantio de soja no Pantanal chegou a ir a plenário, mas pelo entendimento confuso, Comissão de Meio Ambiente pediu sobrestamento da proposta que volta para análise e adequações.
O AGRONEWS® acompanhou a discussão na Sessão Extraordinária e você confere todos os detalhes nesta matéria. Aperte o Play!
Projeto de Lei 03/2022
Aconteceu na manhã desta terça-feira(1º), a 1ª Sessão Extraordinária da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Entre as pautas apresentadas, está o Projeto de Lei 03/2022 da autoria de Lideranças Partidárias e que altera o dispositivo da Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, que dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai. Projeto ficou conhecido como PL da “Soja no Pantanal“, devido a sua interpretação equivocada. (para mais detalhes acesse a matéria completa clicando aqui)
Em síntese, o objetivo do Projeto é fomentar as atividades econômicas (que não ficaram claras no Projeto) em áreas da Bacia do Alto Paraguai – região do Pantanal, desde que cumpridas todas as exigências legais, inclusive ambientais, havendo a necessidade de compensação das áreas exploradas. Isso pegou de surpresa o setor produtivo da região pantaneira e causou confusão no legislativo.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente, Deputado Carlos Avalone, esclareceu ao AGRONEWS® a inviabilidade do plantio de soja no Pantanal e enfatizou a importância da avaliação criteriosa do Projeto de Lei com a participação de representantes do setor produtivo.
“Fica claro pra mim que todas as vezes que a gente (Parlamento) não houve direito o homem pantaneiro, a gente tem uma chance maior de errar. Aqui claramente foi isso que aconteceu, houve pouca conversa com o homem pantaneiro. A proposta foi feita na primeira Sessão deste ano, uma Sessão Extraordinária e precisava de mais discussões. Agora a comissão pede o sobrestamento da votação, nós vamos consultar isso com a própria mesa diretora e vamos aguardar a apresentação de um projeto que nós contratamos da Embrapa, junto com a Sema, para que possamos ter mais informações sobre o Pantanal e a partir daí possamos voltar a discutir o PL 03/2022.“, explica Avalone.
O deputado relembra o episódio interpretado como liberação do plantio de soja na região do Pantanal e reafirma a impossibilidade prevista na Lei vigente. “Nunca pôde, continua não podendo e esta Lei não permite. Então para ficar claro, na área alegada do Pantanal não é permitido plantar soja e nem outra coisa a não ser a vegetação nativa do Pantanal.”, enfatiza o presidente da Comissão do Meio Ambiente.
Erros técnicos no Projeto de Lei
A Gestora do Núcleo Técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso – Famato, Lucélia Avi, foi convidada pela Comissão para prestar esclarecimentos e avaliar os impactos para o setor produtivo da região com a aprovação do Projeto de Lei.
Lucélia apresentou de maneira bem clara e didática os equívocos da proposta, dentre elas a impossibilidade do plantio de soja no Pantanal conforme descreve o Art. 9º, inciso II da Lei ordinária 8830/2008 que determina que são vedadas nos limites da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso a implantação de projetos agrícolas, exceto a atividade agrícola de subsistência e a pecuária extensiva. “O Projeto de Lei não traz esta alteração e o pantaneiro também não vai fazer um projeto agrícola dentro da planície porque não é viável pra ele, esse é o nosso entendimento da Famato.“, afirma a especialista.
A gestora técnica da Famato chamou a atenção para um ponto mais importante ainda, e que estava passando desapercebido por todos, a exigência de compensação ambiental para as demais atividades de exploração, não ficando claro quais seriam estas atividades. “É onde a gente vê o equívoco, pois o projeto está onerando as demais atividades que já são permitidas hoje para fazer dentro da planície. Então como exemplo, a pecuária extensiva que é o carro chefe hoje do Pantanal, a gente sabe o que Pantanal precisa da pecuária, nos vimos isso nos últimos incêndios. Então a pecuária teria que pagar compensação ambiental para ter a atividade de pecuária lá dentro (Pantanal).“, explica Lucélia.
A especialista enfatiza a preservação do bioma e o exagero na cobrança ambiental para a realização da atividade de pecuária dentro da planície. “Seria o produtor pagar para alguém fazer essa compensação ou ele mesmo fazer dentro da propriedade. Não tem lógica, nós estamos falando do bioma Pantanal que tem 85% preservado – conservado e fazer compensação ambiental pra que? pra exercer atividade de pecuária, sendo que a maior parte da pecuária hoje é em áreas nativas.” complementa.
Na análise da gestora técnica da Famato, não seria somente a pecuária afetada com a alteração proposta do PL 03/2022, outros setores como turismo e até mesmo atividades urbanas seriam afetadas, pois existem cidades dentro do perímetro compreendido na planície do Pantanal. “Um posto de combustível, um lava jato, um hospital ou qualquer coisa que fosse feita precisaria fazer uma compensação ambiental. Então é um equívoco muito grande de um Projeto que coloca a necessidade de se fazer compensação, sem determinar qual atividade teria que fazer essa compensação. Isso traria mais perdas do que ganho na planície alagada. “, finaliza Lucélia Avi.
Produtores acreditam que PL é “péssimo” e tornará inviável atividades já estabelecidas
O presidente do Sindicato Rural de Poconé, Raul Santos, que também esteve presente na Sessão, comentou da insatisfação dos produtores e empresários da região, com a possibilidade da exigência de compensação ambiental das atividades que já estão estabelecidas. “A pecuária extensiva, por exemplo, que já acontece há mais de 300 anos dentro do Pantanal e atividades novas como o turismo e outras afins, terão que fazer algum tipo de compensação. Então essa Lei torna-se inviável para o produtor que está ali. O objetivo real nós ainda não conseguimos saber o que é, mas pra nós isso é péssimo.“, afirma Raul.
O deputado Allan Kardec, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e defensor do povo pantaneiro, acredita que a confusão gerada e a insatisfação do produtor pantaneiro foi devido a proposta ter sido apresentada sem os devidos estudos do bioma e também das atividades existentes. “Hoje aqui o debate foi amplo, a representante da Famato fez uma explicação bastante técnica, inclusive criticando o projeto. Porque você coloca alguns empreendimentos e deixa outros descobertos de proteção da legislação, como por exemplo quem já tem sua pousada, que já está estabelecido lá com seu comércio, com seu posto de gasolina e a gente que conhece o Pantanal sabe que tem postos de gasolina que são até em cima de balsas. Então estas atividades ficaram fora de tudo isso, mas já estão lá.“, avalia o parlamentar.
Allan, reiterou a sua atitude em pedir vistas ao projeto para que se possa fazer um amplo debate para encontrar a verdadeira vocação do Pantanal. “Nós já sabemos que é turismo, ecoturismo, turismo de pesca e a pecuária. Hoje nós precisamos avançar junto com o pantaneiro, pra ver como nós podemos melhorar a qualidade de vida da população que vive lá, melhorando o processo do manejo do gado, que está lá há 300 anos.“.
Ainda sobre a pecuária na região do Pantanal, o deputado aproveitou para esclarecer sobre a possibilidade de projetos de incentivo da cadeia produtiva com a implantação de frigoríficos locais. “Esse é um projeto que eu defendo, pequenos frigoríficos em pontos localizados onde o produtor pantaneiro tenha facilidade com a logística para abater o seu gado. O Pantanal trabalha com cria e recria, quase nenhum pantaneiro trabalha com engorda ou abate, os abates são feitos nas grandes cidades. E aí o imposto é colocado nestas grandes cidades, o que as cidades pantaneiras recebem é uma pequena porcentagem do transporte deste animal referente ao GTA. Mas é o município que abate, é que gera emprego e que gera receita.“, conclui Allan Kardec.
Menos Estado, mais produção
Outro representante do setor produtivo no parlamento, o deputado Gilberto Cattani, considerou que o projeto atrapalha os trabalhos que são já realizados pelos produtores rurais e por isso o pedido para a retirada da pauta de discussões. “São produtores que estão ali na terceira, quarta ou quinta geração de produtores que estão produzindo no Pantanal, que é o berço do bezerro no Mato Grosso e até do país, podemos assim dizer, então dizer que vai ter uma compensação ambiental implicaria naquelas pessoas que estão ali protegendo o meio ambiente durante todo esse tempo (mais de 300 anos) e isso ficou muito claro nas ações dos produtores neste último ano, em que tivemos uma seca terrível aí e que os produtores foram magníficos no controle e ensinando inclusive ao governo como se combate realmente o incêndio, defendendo de fato o meio ambiente.“, enaltece Cattani.
O deputado completou dizendo que é preciso menos intervenção do Estado nas atividades costumeiras do produtor rural. “Para nós produtores produzirmos, nós precisamos de uma coisa muita simples, que o estado retire sua ‘mão’ sobre nós. O estado tem que se retirar, tem que deixar o produtor produzir e nós sabemos como produzir“. Finaliza Gilberto Cattani.
O Projeto de Lei 03/2022 agora passa por vistas dos parlamentares para as adequações e voltará para votação em nova data que ainda não foi definida.
Por Vicente Delgado – AGRONEWS®
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