Trabalho iniciado há quatro anos busca reinserir a cultura no agronegócio paranaense
No último verão, o produtor rural e engenheiro agrônomo Edson Hirata, de Rolândia, na região Norte do Paraná, enfrentou o assédio de diversas pessoas que procuravam sua lavoura para tirar fotos. O motivo: a bela paisagem repleta de plumas de algodão criava um cenário incomum que chamava a atenção de quem passava pelo local, sendo que muitos nunca haviam visto uma lavoura igual aquela.
Hirata faz parte de um time de produtores, que decidiu apostar em uma cultura que estava em declínio no Estado nas últimas décadas, mas que guarda grande potencial de ganhos. Desde 2015, a Associação dos Cotonicultores Paranaenses (Acopar) realiza um projeto, com apoio financeiro do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) e colaboração de diversas entidades estaduais como o Instituto de Agronomia do Paraná (Iapar), Embrapa, cooperativas e empresas, para reinserir a cultura no agronegócio paranaense.
A estratégia é interessante, uma vez que o algodão já teve grande importância na economia do Estado. Segundo dados da Acopar, há 20 anos, o Paraná respondia por metade da produção brasileira (leia mais no quadro da página 16), mas questões climáticas e comerciais, somadas à incidência de uma praga de difícil controle, o bicudo, jogaram os cotonicultores paranaenses na lona.
Hoje, o cenário é diferente, de modo que a cultura pode ressurgir em um novo contexto técnico e tecnológico, mais propício para o sucesso. “Acompanho [essa retomada da cultura do algodão] há três anos este esforço épico de buscar novos materiais. Os cerca de 700 hectares cultivados este ano demonstraram bons desempenho, produtividade e qualidade de fibra”, observa o secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento, Norberto Ortigara, que acredita na possibilidade do algodão vingar como cultura. “Mas ainda não dá para afirmar que será este o modelo. Ainda não atingimos o padrão de produtividade que gostaríamos de ter”, observa.
No caso do produtor de Rolândia, o resultado alcançado já na primeira safra (2017/18) foi positivo, 291 arrobas por hectare. A produção, por intermédio da Acopar, comercializada junto a uma indústria de beneficiamento no Estado de São Paulo. Na época, Hirata vendeu o algodão com caroço por R$ 34,50 a arroba. “Constatei que a rentabilidade é boa mesmo. O resultado final deu duas vezes mais que a soja”, ressalta.
Engenheiro agrônomo, Hirata utiliza o algodão na rotação de cultura da sua propriedade. Em uma área de 24 hectares, ele destina um terço para o algodão e dois terços para a oleaginosa. Na safra seguinte, alterna a área que destinou ao algodão. “Estava procurando uma opção de cultura para rotação no verão que não fosse o milho. O algodão é uma boa opção porque quebra o ciclo de pragas e doenças”, observa.
Embora o lucro seja maior, a implementação da cultura também é mais cara que a soja. Na avaliação de Hirata, o custo da fibra foi o dobro da oleaginosa. “O adubo e as sementes são as partes mais caras”, avalia. O custo para implementação de algodão, segundo o produtor, ficou em R$ 5,1 mil por hectare. Para efeito de comparação, o produtor gastou R$ 3 mil por hectare de soja no mesmo período.
Uma das etapas mais onerosas da produção algodoeira também passou a ser otimizada. A colheita, manual no passado, hoje é mecanizada. Desta forma, é importante observar a declividade da área onde se pretende cultivar o algodão. “Não pode ser muito ‘dobrada’ senão a máquina não entra”, aconselha o produtor de Rolândia.
A tecnologia utilizada no manejo da fibra também está consolidada. Ela envolve o uso de reguladores do crescimento das plantas para que fiquem na altura certa para a colheita mecanizada. “Tem que ir monitorando. A cultura do algodão é mais técnica. O produtor precisa entrar mais vezes na lavoura, mas não é mais frágil”, pontua Hirata, que pretende continuar apostando no algodão na próxima temporada.
Na opinião do presidente da Acopar, Almir Montecelli, a lavoura de Hirata é um ponto fora da curva. “O Edson está próximo do teto, algo excepcional. É três vezes mais do que o resto do Brasil ganha com algodão”, afirma, referindo-se aos custos maiores de produção existentes em outros Estados, principalmente no que se refere a fertilizantes e fungicidas.
No caso do produtor Aristeu Sakamoto, presidente do Sindicato Rural de Cambará, na região do Norte Pioneiro, o plantio realizado na safra 2018/19 valeu a pena pela experiência obtida. “O rendimento foi insuficiente para cobrir os custos, por conta de alguns erros que a gente comete. O algodão é uma cultura bastante técnica e exigente. Mas os erros cometidos foram detectados e são facilmente contornáveis”, aponta o produtor, que pretende manter os mesmos 20 hectares de algodão na próxima safra.
No caso de Sakamoto, o custo ficou em mais de R$ 11 mil por hectare, com uma produção de cerca de 165 arrobas por hectare. “Eu planejava 400 arrobas por hectare”, diz.
O produtor de Cambará agregou à atual experiência os anos em que plantou algodão no passado, quando a cultura ocupava grande área no Estado. “Sou daqueles que nasceu num fardo de algodão. Tenho a certeza que a região é muito propícia. O diferencial de outras culturas, como soja e milho, e o algodão é o risco reduzido a uma lavoura. Se eu conseguir uma produtividade de 300 arrobas por hectare, com o preço que está nos últimos anos, é suficiente para suprir a rentabilidade das duas lavouras atuais, de soja e milho”, calcula, que aponta a necessidade de organizar melhor a questão do beneficiamento e comercialização da fibra no Paraná.
Segundo Montecelli, da Acopar, hoje a produção paranaense é toda entregue em São Paulo, uma vez que não há máquina beneficiadora no Paraná. “A intenção da Associação é fomentar. Mas se não surgir empresário interessado, é possível a Associação montar a primeira [máquina beneficiadora]”, adianta. Após ser descaroçado, o algodão segue para a fiação, enquanto o caroço pode ser usado in natura para alimentação do gado ou esmagado para produção de óleo.
Esta seria a etapa seguinte de um processo que começou há quatro anos, quando a Acopar levou mais informação sobre a cultura do algodão aos produtores paranaenses, por meio de dias de campo e outras iniciativas. A retomada da cultura no Estado também passou pela mudança no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). “Antes plantávamos entre 20 de setembro e 20 de outubro. Depois mudaram para novembro e dezembro. Agora mudaram novamente. Perdemos o medo de chuva na colheita e voltamos a plantar em outubro” conta Montecelli.
A área onde a fibra pode vingar no Paraná, segundo Montecelli, pode ser visualizada no mapa. “Se traçar uma linha reta entre Guaíra [no Oeste] e Cambará [Norte Pioneiro], dali para cima dá para plantar”, afirma.
De acordo com o dirigente, para abastecer a indústria paranaense de fios, seria necessário plantar 60 mil hectares de algodão. “É uma expectativa boa, mas nem pretendo chegar a tudo isso. Se atingirmos 20 mil hectares já está ótimo”, ressalta.
Seguro
Um dos entraves para que mais produtores apostem na volta do algodão no Paraná é a ausência de seguro rural para esta cultura. “Nesse momento temos que montar toda cadeia de novo. Os bancos estão começando a financiar. Estamos indo até os agentes financeiros para mostrar o negócio”, afirma Montecelli.
A ausência de seguro é o motivo pelo qual Hirata, de Rolândia, não amplia sua área destinada à fibra. “Meus vizinhos se interessaram, mas não investiram por conta desta questão”, pondera.
Ouro branco de um passado recente
Antes da soja, o algodão foi a grande locomotiva do agronegócio paranaense. Para se ter ideia, durante a safra 1991/92, o Paraná plantou 704 mil hectares da cultura, que produziram quase um milhão de toneladas da fibra com caroço. Com a colheita realizada praticamente toda de forma manual, a atividade ocupava 235 mil trabalhadores rurais.
Porém, sete anos depois, o Estado amargava a menor área até então, com 48,3 mil hectares e produção na casa das 100 mil toneladas. Com a cotonicultura em declínio, centenas de milhares de postos de trabalho foram abandonados, mudando de forma profunda a configuração socioeconômica do Estado.
Nos anos que se seguiram, com exceção de alguns episódios de aumento pontual de área e produção, capitaneado por incentivos do governo do Estado, a cultura do algodão encolheu até praticamente desaparecer, restando cerca de 1 mil hectares de área plantada a cada safra.
O parque industrial, que chegou a contar com uma centena de usinas de beneficiamento, foi desmontado. Hoje praticamente toda produção é destinada a São Paulo.
E o bicudo?
Um dos principais responsáveis pela derrocada da cultura do algodão no Paraná, o bicudo (Anthonomus grandis) é um besouro voraz que se instala nos capulhos do algodoeiro, ficando assim protegido da aplicação de inseticidas de contato. Ele suga a maçã da planta quando esta está sendo formada comprometendo a qualidade das fibras.
Nem mesmo um vazio sanitário de 20 anos foi suficiente para eliminar o principal inimigo do algodoeiro. O inseto voltou com força total nas lavouras encampadas por Edson Hirata, em Rolândia, e Aristeu Sakamoto, em Cambará.
Porém, a presença do bicudo não é mais tão nociva, uma vez que existem novas ferramentas de controle à disposição dos produtores, como observa o engenheiro agrônomo do Iapar, João Henrique Caviglione “O risco está vivo. O bicudo é um problema para o algodão. Mas como é uma cultura que a gente conhece, sabe como lidar, tem defensivos de ação melhor. Não elimina a praga, mas controla, evitando os prejuízos e danos causados antigamente”, avalia.
Por Sistema FAEP/SENAR-PR