Considerando o caminho percorrido pelo leite a partir das fazendas até o consumidor final, de maneira simplificada, a cadeia produtiva leiteira pode ser dividida em três segmentos: produção primária, onde estão as fazendas; indústria na qual encontram-se os laticínios que compram a matéria prima do produtor e fazem seu processamento; e varejo que adquire o produto processado da indústria e o leva até o consumidor.
Desse modo, três níveis de preços são formados nestes segmentos da cadeia: o preço recebido pelo produtor (pago pela indústria); o preço recebido pela indústria (preço de atacado pago pelo varejo) e o preço recebido pelo varejo (pago pelo consumidor final). Neste texto será mostrado o comportamento dos preços para estes três segmentos nos últimos cinco anos.
A ideia é verificar em quais momentos cada agente da cadeia (produtor, indústria e varejista) teve seus preços mais valorizados em comparação com os demais. Para a análise dos preços no atacado e no varejo foi escolhido o leite UHT como referência, pois é este o principal produto processado pelos laticínios. Em média, cerca de 27% do leite adquirido pelos laticínios é processado e comercializado neste formato.
A Figura 1 ilustra a evolução percentual dos preços recebidos pelos agentes de cada um dos segmentos da cadeia (produtor, indústria e varejo) a partir de janeiro de 2015. Importante destacar que os valores apresentados não são monetários e sim percentuais de variação dos respectivos preços em relação ao mês anterior. Sendo assim, nos períodos em que a curva do produtor se encontra acima das curvas do atacado ou do varejo mostram crescimento percentual maior para o produtor e não de preços mais elevados em relação a indústria e varejo.
Desta forma, considerando o período de análise pode-se ressaltar as seguintes observações.
De maneira geral, a movimentação de preços nos três segmentos ocorre sempre no mesmo sentido. Quando o preço muda em um segmento (crescimento ou queda), muda também nos demais, mas não necessariamente no mesmo mês. Isso deixa claro a interdependência dos preços ao longo da cadeia produtiva, como era de se esperar pela lei da transmissão de preços. Percebe-se, no entanto, as variações não acontecem de forma simultânea nos três segmentos e, de maneira geral, começam no atacado.
Ao longo destes últimos cinco anos, na média nacional, o preço recebido pelos produtores apresentou um crescimento acumulado de 74,5%, contra 37,2% nos preços do atacado e 32,2% no varejo. Uma clara indicação de perdas de margens no setor industrial e, mais relevantes ainda, no varejo. Estas perdas, no entanto, podem ter sido compensadas em parte por um crescimento menor dos demais custos suportados por estes dois setores, tendo em vista que a inflação acumulada (medida pelo IPCA) no mesmo período foi de 25,4%. Bem menor, portanto.
Somente entre janeiro de 2015 e agosto de 2016, os preços do leite UHT no atacado (recebidos pela indústria) apresentaram crescimento destacadamente mais elevado em relação aos preços pagos aos produtores e aos preços de venda no varejo. Essa situação indica que desde setembro de 2016, com exceção de casos pontuais em 2018 (janeiro a maio e em julho), os ajustes nos preços foram maiores para o produtor e para o varejista, em detrimento da indústria. Desta forma, tanto a indústria (ao comprar sua matéria prima mais cara do produtor) e o varejo (com preço final de venda ao consumidor proporcionalmente menor) perderam margens de rentabilidade.
Focando os últimos dez meses (agosto/2018 a maio/19), apesar da significativa queda de preços nos três segmentos observada até dezembro, os preços para os produtores ainda acumularam um aumento de 3%. Mesmo que aparentemente baixo, neste período para a indústria os preços caíram 37% e no varejo 31%.
Olhando apenas os seis últimos meses da série avaliada (dezembro/2018 a maio/2019), os preços voltam a subir nos três setores da cadeia. Para os produtores, a rentabilidade continuou melhorando, pois o aumento acumulado dos preços no campo foi mais significativo (20,9%), comparativamente ao verificado na indústria (12,2%) e no varejo (7,3%). Foi mais um período de retração de margens para a indústria e para o varejo. O aumento de rentabilidade para os produtores foi ainda reforçado pelo comportamento do custo de produção da atividade que se manteve estabilizado e até mesmo com ligeira queda (-0,2%) no período.
Apesar de ter apresentado a maior valorização de preços no período analisado neste estudo, para inferir sobre o comportamento da margem de lucro dos produtores é necessário verificar também a variação dos custos de produção do setor (Figura 2). Observa-se que, com exceção de dois momentos (janeiro e fevereiro de 2016 e janeiro de 2018), o crescimento do preço recebido pelos produtores foi sempre mais acentuado do que a elevação dos custos de produção da atividade.
Na média nacional, nestes cinco últimos anos, o preço recebido pelos produtores acumulou um aumento de 74,5%, enquanto o custo de produção da atividade, estimado pelo ICPLeite da Embrapa, cresceu 31,5%. Um indicativo de que a margem de rentabilidade dos produtores pode ter melhorado substancialmente no período, motivado pelo crescimento no preço recebido e reforçado pelo simultâneo crescimento menor dos custos de produção da atividade.
Por último é importante lembrar que a recente retração de preços na indústria e no varejo é resultado principalmente da crise econômica atual e do enfraquecimento geral da demanda. Como os preços ao longo da cadeia produtiva apresentam forte ligação, permanecendo o cenário econômico atual, pode-se esperar que em futuro breve esses preços menores estarão pressionando também os preços recebidos pelos produtores.
Por: João Cesar de Resende – Pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Denis Teixeira da Rocha – Analista da Embrapa Gado de Leite, Glauco Rodrigues Carvalho – Pesquisador da Embrapa Gado de Leite.