Presos em piquetes, os animais ganham 1,7 quilo por dia — são 153 quilos em 90 dias. Os lucros também são superlativos. Merola lucra 8.000 reais por hectare ao ano, enquanto a média nacional é de 500 reais.
São Paulo – Em sua fazenda Santa Fé, localizada em Santa Helena de Goiás, a 203 quilômetros de Goiânia, Pedro Merola, filho e neto de pecuaristas, cria gado com uma organização rara no Brasil. Ele é o que no setor se conhece como finalizador. Três meses antes do abate, ele recebe os animais de criadores situados em um raio de até 700 quilômetros.
Seu trabalho é engordar a bicharada para o abate. Merola alimenta os bois com uma ração especial à base de silagem de milho, sorgo e farelo de soja plantados na própria fazenda. Pelo serviço, ele cobra diária de 5,70 reais por cabeça. Ainda assim, tem fila de espera. O motivo é simples: a Santa Fé é um fenômeno em engordar seus visitantes.
A Santa Fé confinará 70 000 bois e vacas neste ano e deverá faturar 60 milhões de reais. Em 2015, a meta é chegar a 100 000 cabeças e 90 milhões de reais de receita. “Enquanto a regra no setor é fazer de tudo, eu me especializei”, diz Merola.
Desde o ano 2000, enquanto as lavouras de milho e soja colocaram o Brasil no topo do ranking global de produtividade, a pecuária evoluiu em marcha lenta. O país tem o maior rebanho bovino comercial e é o principal exportador de carne do mundo, mas sempre pecou pela baixa eficiência de suas fazendas e pela carne de qualidade questionável — pelo menos na comparação com os bifes americanos e argentinos.
Na média, um pecuarista brasileiro cria 1,3 boi por hectare e obtém 75% da carne produzida por um criador dos Estados Unidos com o mesmo número de cabeças. Lá, criam-se oito bois por hectare. É um atraso histórico. A pecuária brasileira cresceu ao longo do século 20 com a importação de gado indiano nelore, resistente a altas temperaturas e a doenças tropicais.
Mas os bois indianos são menores e têm carne mais dura do que os criados na Europa e nos Estados Unidos. Como sobravam área e capim, eles ainda eram criados soltos e abatidos somente após muitos anos — o que piorava ainda mais a qualidade e a produtividade da carne.
Mas o que está acontecendo na fazenda Santa Fé e entre um grupo crescente de criadores de elite revela que a pecuária brasileira está, enfim, entrando no século 21. Nos últimos quatro anos, o rebanho brasileiro cresceu apenas 2%, mas a produção de carne no país aumentou 20% — um recorde.
Na média, nossa produtividade ainda é bem inferior à americana. Mas, em lugares como a Santa Fé, cada boi já rende até 330 quilos de carne — é a primeira vez que a elite brasileira alcançou a elite global do setor. Assim como aconteceu na agricultura, os criadores brasileiros se inspiraram nos bons exemplos de fora, mas estão desenvolvendo um jeito próprio de criar gado.
Diferentemente dos Estados Unidos, onde o animal passa a vida toda confinado, por aqui, onde há capim durante o ano inteiro, está se padronizando uma especialização da cadeia. Um criador cuida da produção de bezerros, outro recebe o animal jovem e o alimenta na vida adulta, outro prepara para o abate, confinando o boi por 90 dias.
“O Brasil criou um modelo próprio de pecuária de elite”, afirma Eduardo Alves de Moura, presidente da Associação Nacional dos Confinadores. A associação estima que, neste ano, 10% dos abates, o equivalente a 4 milhões de cabeças, serão de animais confinados. Há uma década, não era nem metade disso.
Se até há pouco tempo os pecuaristas, mesmo os maiores, faziam um pouco de tudo, agora a inteligência logística dita a estratégia. Enquanto a Santa Fé, próxima de frigoríficos, ocupa o fim do ciclo, em Muquém de São Francisco, na Bahia, o pecuarista Luiz Cláudio Paranhos, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, cria 20.000 cabeças que serão vendidas quando os animais completarem 8 meses de vida.
Até há pouco tempo, ele ficava com os animais do nascimento ao abate. “Optamos pela cria porque não existiam frigoríficos próximos, e a gente precisava mandar os animais para Salvador, a 700 quilômetros”, diz Paranhos.
O animal sai pequeno de Muquém e passa pela recria e pela terminação em áreas próximas do abate. Hoje, na média nacional, os bois são abatidos com 18 a 24 meses de idade. Há dez anos, a média era de 48 meses.
Além da organização da cadeia, outros fatores contribuem para essa evolução da pecuária no país. Um deles é a genética. Cresce a utilização de sêmen de reprodutores certificados nos cruzamentos feitos nas fazendas. A cada ano, 40 000 animais de elite chegam às fazendas brasileiras.
Pouco a pouco, eles vão melhorando o nível geral da boiada no país. “Uma boa genética faz com que os bois ganhem mais peso em menos tempo”, diz Bento Mineiro, proprietário da empresa de coleta de sêmen Central Bela Vista. Em outra frente de evolução genética, crescem os cruzamentos de vacas nelore com touros da raça britânica angus, que geram um animal mestiço, que alcança um peso maior do que o zebuíno tradicional do Brasil.
Sua carne também é muito mais macia. Desde 2013 o mercado de sêmen, segundo a Associação Brasileira de Inseminação Artificial, é dominado pela raça angus. De um total de 7,6 milhões de doses comercializadas no ano passado, 2,9 milhões foram de angus e 2,7 milhões de nelore.
Nesse processo, há um apoio da Embrapa Gado de Corte, com sede em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e de universidades como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, em São Paulo, que pesquisam complementos alimentares e o potencial de novos cruzamentos. Mas a grande transformação vem dos próprios produtores.
Merola, por exemplo, abriu um açougue de alto padrão em São Paulo para convencer seus clientes de que vale a pena pagar mais por uma carne de melhor qualidade. Mas o caminho é longo — apenas um quinto das fazendas brasileiras já alcançou a produtividade de criadores americanos e argentinos.
Os criadores calculam que só alcançaremos a média desses países em 20 anos. Para quem estava parado no século passado, não deixa de ser uma boa notícia.
Fonte: Revista Exame