O governo avalia que tem bases para contestar, na Organização Mundial do Comércio (OMC), as salvaguardas que a China aplicou no ano passado sobre o açúcar brasileiro, reduzindo drasticamente suas importações do produto.
Porém, ainda não bateu o martelo se vai mesmo questionar a medida no organismo internacional. Com o aumento da tensão entre Estados Unidos e China no campo comercial, haverá uma dose adicional de cautela, admite um integrante do governo.
Antes mesmo do início da guerra comercial, a preferência era por uma solução negociada nesse caso. Isso porque as discussões na OMC são demoradas e caras.
Em busca de um entendimento, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, informou ao Estado que negociará o comércio açúcar durante sua visita à China, em maio. A salvaguarda tem prejudicado a balança comercial. O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) considera essa uma das prioridades da relação bilateral.
Pelo lado privado, o diretor executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Eduardo Leão de Sousa, esteve na China no mês passado. Em contato com empresas locais, ofereceu cooperação técnica em troca da reabertura do mercado nas condições que havia antes da salvaguarda.
No governo, há quem duvide da efetividade de uma negociação nesse momento, também por causa da disputa entre China e EUA. A escalada de medidas de restrição comercial cria um ambiente onde prevalece a lei do mais forte, e não o diálogo.
Nesse cenário, a abertura de um processo na OMC pode servir para forçar uma negociação, a exemplo do que ocorreu com a Tailândia. Em janeiro deste ano, o país eliminou medidas de controle sobre o preço e o comércio do açúcar para evitar uma disputa com o Brasil.
A decisão sobre iniciar ou não um processo na OMC encontra-se nesse momento em análise nos escalões técnicos do governo. O processo só irá adiante depois de receber o sinal verde do conselho de ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), onde têm assento: MDIC, Itamaraty, Agricultura, Fazenda, Planejamento, Transportes, Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência.
“Temos altíssima chance de ganho”, disse ao Estado o diretor executivo Unica. A opinião é compartilhada por fontes do governo ouvidas pelo Estado.
Até o ano passado, o Brasil era o maior fornecedor de açúcar para a China, que por sua vez era o principal destino das exportações de açúcar bruto produzido aqui. As vendas totalizavam perto de 2,5 milhões de toneladas ao ano. O açúcar brasileiro era competitivo mesmo pagando, na maior parte, uma alíquota de 50% para ingressar naquele mercado. Uma parcela menor entrava pagando 15%, dentro de uma cota de 1,94 milhão de toneladas disputada com outros países produtores.
Em 2017, os chineses elevaram essa tarifa para 95%, com base num mecanismo chamado salvaguarda, previsto na legislação internacional. Pode ser aplicada quando se combinam três fatos: haver um surto de importações, a indústria local ser prejudicada e haver uma relação direta de causa e consequência entre as duas coisas.
A medida é temporária. A tarifa cairá para 90% no segundo ano de sua aplicação e 85% no terceiro ano. Depois disso, a salvaguarda pode ser suspensa ou renovada. No pior cenário, ela pode prevalecer por uma década, segundo cálculos da Unica.
Mas as bases da aplicação da medida são frágeis, segundo afirmou Fonseca. A Unica reuniu dados e documentos que serão a base do questionamento na OMC, se o processo for adiante.
Com base no histórico de volumes embarcados entre 2016 e 2018, a Unica sustenta que não houve o surto de importações alegado pela China. Os volumes estão mais ou menos no mesmo patamar desde 2011, mostram os números.
Se a ideia era se proteger de uma inundação de açúcar importado e possivelmente proteger a indústria local, a salvaguarda chinesa não funcionou. O país continuou importando os mesmos volumes. Só que, em vez de comprar do Brasil, ela passou a comprar da Austrália, das Filipinas e da África do Sul, principalmente. Isso porque há uma diferença de 5 milhões de toneladas entre a produção e o consumo do país.
A salvaguarda, que na prática só serviu para impedir a entrada de açúcar brasileiro, agravou outro problema que já existia antes da medida: o contrabando. Segundo Fonseca, o mercado chinês estima que perto de 2 milhões de toneladas de açúcar ingressem ilegalmente no país todo ano, pela fronteira seca. Os dados da Unica mostram que as importações de açúcar brasileiro do vizinho Mianmar saíram de zero em 2013 para 1,2 milhão de toneladas em 2016.
Por: Lu Aiko Otta – Agência Estado