Frete interrompe transporte de grãos em Mato Grosso. Tabelamento de preços mínimos pode encarecer escoamento em até 152%, diz CNA.
A greve dos caminhoneiros foi encerrada há quase uma semana, mas isso não significou a retomada dos carregamentos de grãos em Mato Grosso, principal produtor nacional. “Está tudo parado. Não tivemos embarques na última semana”, diz Edeon Vaz Ferreira, diretor executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso. De acordo com ele, o tabelamento de preços mínimos para o frete rodoviário é o responsável pela paralisação. “Pela tabela que foi feita, se a transportadora cumprir o contrato com a trading, vai gerar um passivo, uma multa, porque os valores negociados anteriormente estão abaixo do mínimo estabelecido, então estão optando por segurar os embarques”, explica.
Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão de Infraestrutura e Logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), diz que mesmo que o transportador aceite receber um valor abaixo da tabela, isso gera uma insegurança para o contratante. “Por mais que tenham acordado, o caminhoneiro pode recorrer à Justiça depois e receber uma indenização do dobro da diferença entre o valor pago e o mínimo estabelecido”.
Esse atraso, somado ao do período da greve, pode complicar a logística de escoamento de Mato Grosso quando o movimento for retomado, segundo Ferreira. “Serão vários carregamentos sendo feitos ao mesmo tempo, vai ter impacto no movimento das rodovias”. Em relação aos caminhões que vão para os portos de Santos e Paranaguá, ele lembra que não é possível mandar todos de uma vez, porque há um agendamento a ser respeitado. “Será preciso fazer uma ginástica enorme para organizar essa saída para os portos”.
Críticas à tabela
O tabelamento gerou protestos de diversas entidades do agronegócio e de outros setores, que alegam interferência no livre mercado. O presidente da CNA, João Martins, disse no lançamento do Plano Safra 2018/2019, que a medida instituída pelo acordo do governo com os caminhoneiros é “um retrocesso”, “inviabiliza” o setor e que “o bom senso não prevaleceu”.
Levantamento da CNA aponta aumentos de 51% a 152% nos fretes de produtos agropecuários. Um dos motivos para as altas, segundo Elisangela, é que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que publicou a tabela, usou em sua metodologia de cálculo a obrigatoriedade de pagamento de frete de retorno pelo contratante em caso de volta com caminhão vazio. De acordo com o diretor do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, atualmente, nos casos em que o veículo retorna vazio, o custo com combustível já é negociado no valor do frete, evitando esse prejuízo para o transportador.
No estudo da CNA, um frete de soja de Sorriso, MT, para Santos, SP, (2.064 km) custava, sem tabela, R$ 290 reais por tonelada. Com os preços mínimos, o valor vai para R$ 437,55/ton. se houver frete de retorno e para R$ 748/ton. caso o veículo volte vazio. “Que produtor vai ter condições de escoar com esse aumento?”, questiona Elisangela. De acordo com ela, isso pode encarecer os preços dos produtos no mercado interno, com o repasse das altas. “Mas no caso das vendas externas de soja, por exemplo, em que a precificação é feita na Bolsa de Chicago, o produtor vai ter que arcar com esse custo extra”.
Outra crítica sobre a tabela é que ela não leva em consideração peculiaridades do transporte rodoviário de carga – como condições das estradas e diversidades de caminhões (apenas os de cinco eixos são contemplados, por exemplo) – e dos diferentes produtos carregados. Outra discrepância levantada pela assessora e por Ferreira é o fato de que o frete de produtos perigosos, refrigerados e cargas vivas tem valor menor do que o de commodities.
Mudanças
A ANTT divulgou nota nesta quarta-feira, 6, que em breve publicará ajustes na tabela, com dados mais detalhados, e que também abrirá consulta pública sobre o tema. “Somos contrários ao tabelamento, mas, como o governo assumiu esse compromisso, estamos esperando os novos números para avaliar se serão viáveis”, afirma Ferreira. O presidente da CNA já declarou que a entidade considera questionar a legitimidade da tabela na Justiça caso não haja revisão.
Sobre uma possível retomada da greve caso as mudanças desagradem os caminhoneiros, Ferreira acredita que cabe ao governo mostrar que boa parte dos pleitos foram atendidos e evitar isso. “A tabela pode prejudicá-los, pois produtores e tradings têm como montar suas próprias frotas se os preços ficarem inviáveis. É preciso bom senso dos dois lados para se buscar um equilíbrio”.
“Os caminhoneiros precisam entender que não é a tabela que vai resolver a situação. É preciso investimento em infraestrutura, por exemplo, porque rodovias ruins aumentam o custo do transporte. Estudos mostram que as más condições elevam o consumo de diesel em 5%”, reforça Elisangela.
O diretor executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso ainda ressalta que a situação mostrou a necessidade de um maior investimento nacional em ferrovias e hidrovias. “Isso precisa ser encarado não como um programa de governo, mas de Estado, independente de quem está lá”.
Por Thuany Coelho – DBO