O chefe da Assessoria Jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Carlos Bastide Horbach, fala sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que votou pela constitucionalidade da cobrança do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
Nesta entrevista, ele esclarece as principais dúvidas relacionadas ao assunto e fala sobre as ações que a entidade está promovendo em favor daqueles produtores atingidos pela decisão do STF.
O que o Supremo decidiu?
Carlos Bastide Horbach – O Supremo Tribunal Federal decidiu, no último dia 30 de março, que a contribuição denominada Funrural pode ser cobrada como percentual incidente sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção. Esse modelo, instituído em 2001 por meio da Lei 10.256, foi considerado de acordo com a Constituição Federal, numa decisão que tem repercussão geral, ou seja, que se aplica a todas as ações que igualmente questionam a constitucionalidade desse tributo.
A decisão do Supremo cria um novo imposto?
Carlos Bastide Horbach – Não. Em primeiro lugar, é importante registrar que o Funrural existe desde 1963, tendo sido regulado por diferentes leis ao longo desse período.
A decisão do Supremo simplesmente mantém a cobrança de um tributo que existe, portanto, há mais de 50 anos.
A declaração de constitucionalidade da Lei 10.256/2001 não onera o produtor com uma nova contribuição. Mas afirma que a forma de arrecadação que existe desde 2001 é regular e deve ser observada pelos produtores.
Se a decisão do STF fosse pela inconstitucionalidade da contribuição, os produtores estariam livres de pagar o Funrural?
Carlos Bastide Horbach – Não. A declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.256/2001 não faria com que o produtor rural ficasse desobrigado de contribuir para a Previdência Social. Isso porque, em caso de declaração de inconstitucionalidade de uma lei, volta a vigorar aquela que fora por ela revogada.
Como a Lei 10.256/2001 revogou o regime de cobrança sobre a folha de salários, sua eventual declaração de inconstitucionalidade geraria a volta da exigência do Funrural com essa base de cálculo, o que manteria uma obrigação tributária para o produtor. Ninguém deixaria de pagar a contribuição, só passaria novamente a recolher sobre a folha de salários.
A decisão do STF não é contraditória tendo em vista o caso Mataboi?
Carlos Bastide Horbach – Nos mais de 50 anos de vigência do Funrural muitas foram as leis que o regularam. No julgamento do RE 363.852, o chamado “caso Mataboi”, foi considerada inconstitucional a sistemática de cobrança do Funrural com base nas Leis 8.540/92 e 9.528/97, que instituíram a cobrança sobre a receita da comercialização sem que a Constituição previsse essa base de cálculo. Só com a edição da Emenda Constitucional n. 20/98 é que se passou a ter a possibilidade de se cobrar sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção.
E após a promulgação da EC 20/98 é que foi editada a Lei 10.256/2001, criando o modelo atual de arrecadação do Funrural. Ou seja, a modalidade de cobrança que antes de 1998 era inconstitucional passou a ser regular nesse ano, amparando a edição da Lei 10.256/2001.
Esta lei é que foi objeto do recurso julgado pelo STF no último dia 30 de março, não se confundindo com as leis de 1992 e de 1997.
Em síntese, no “caso Mataboi” foram consideradas inconstitucionais duas leis, sob a ótica da redação original da Constituição Federal. No recurso julgado agora, foi analisada outra lei – a Lei 10.256/2001 – na perspectiva de um novo texto constitucional, introduzido em 1998 pela EC n. 20.
São questões jurídicas distintas, com argumentos específicos, que tiveram soluções diferentes por parte do STF.
Qual é o posicionamento da CNA em relação ao que foi decidido no julgamento do STF?
Carlos Bastide Horbach – A CNA, desde 2010, destacou que as questões jurídicas envolvidas na discussão da Lei 10.256/2001 eram diversas das do “caso Mataboi”, registrando que havia uma chance considerável de o Supremo a declarar constitucional. Essa orientação foi reafirmada, em 2014, por parecer que o Sistema CNA encomendou ao ministro Carlos Velloso, aposentado do STF e uma das maiores autoridades do Direito Tributário brasileiro.
Nesse contexto, a CNA passou a recomendar cautela aos produtores no ajuizamento das ações, especialmente afirmando a necessidade de se proceder aos depósitos judiciais.
Ademais, ante a possibilidade de retorno da cobrança sobre a folha de salários, a CNA analisou que o impacto econômico de eventual declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.256/2001 seria prejudicial para os produtores rurais brasileiros cujas cadeias produtivas empregam mais e, portanto, apresentam folhas de salários mais vultosas.
Como fica a situação dos produtores que ajuizaram ações sobre o Funrural e não fizeram depósitos judiciais?
Carlos Bastide Horbach – Os produtores que obtiveram liminares e não efetuaram depósito judicial encontram-se em situação de inadimplência, devendo para a Receita tanto o valor das contribuições quanto juros e multas.
Há a possibilidade, por conseguinte, de cobrança retroativa, o que pode impactar significativamente a produção brasileira.
Como a CNA está atuando na questão?
Carlos Bastide Horbach – A CNA já iniciou tratativas com o Governo Federal com o intuito de encontrar solução para esse passivo, especialmente por meio de um refinanciamento, nos moldes do instituído pela Lei 9.779/99.
Portanto, a CNA defende como medida de justiça social e econômica para o setor agropecuário, que há anos contribui para o crescimento do país, a renegociação de valores decorrentes das ações ajuizadas por produtores questionando a constitucionalidade do Funrural.
O presidente da CNA, João Martins, também se reuniu com a vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputada Tereza Cristina (PSB-MS), e ambos combinaram uma ação conjunta no Congresso e no próprio Governo para encaminhar, nos próximos dias, da melhor forma possível, a renegociação da dívida dos produtores com o Funrural.
A ação conjunta da CNA e da Frente prevê ainda a apresentação de uma proposta, a ser incluída na Reforma da Previdência, para que o produtor possa optar no futuro pela forma menos onerosa de contribuição ao Funrural, beneficiando todo o setor.
Fonte: PortalAgro