As bactérias extremófilas têm a extraordinária capacidade de transformar compostos tóxicos em ouro puro. Essas pequenas criaturas são como alquimistas modernos, realizando em seus minúsculos corpos um processo que os alquimistas da Idade Média buscaram desvendar por séculos: a transmutação dos metais
Cientistas ao redor do mundo estão fascinados com uma recente descoberta no campo da microbiologia: algumas espécies de bactérias extremófilas têm a extraordinária capacidade de transformar compostos tóxicos de ouro em ouro puro. Para entender a importância deste tipo de bactéria, os extremófilos são organismos que conseguem sobreviver e reproduzir-se em condições ambientais extremas. Estes organismos são capazes de viver em ambientes que são considerados adversos para a maioria dos outros seres vivos do planeta Terra.
As pesquisas nessa área estão apenas no início, mas já despertam grandes expectativas. Entender como essas bactérias sintetizam o ouro pode levar a novas formas de detectar depósitos do metal, aumentar a produtividade de minas e até mesmo utilizar microrganismos na recuperação de ouro residual. Há até a possibilidade, num futuro distante, de empregar esses micro-organismos para produzir ouro sob encomenda a partir de materiais comuns! Confira os principais avanços dessa nova e promissora linha de pesquisa.
Bactérias que comem veneno e excretam ouro
Em laboratórios ao redor do mundo, cientistas estudam bactérias extremófilas capazes de prosperar em ambientes altamente tóxicos para a maioria dos seres vivos. Essas bactérias conseguem metabolizar compostos letais de metais pesados e passaram milhões de anos aperfeiçoando esse talento.
Dentre as espécies já identificadas com essa incrível propriedade está a Cupriavidus metallidurans (CH34). Quando exposta a uma solução de cloreto de ouro, ela acumula os sais de ouro tóxicos e, por meio de reações bioquímicas dentro de suas células, reduz esses compostos ao ouro puro. O ouro é então excretado na forma de minúsculas pepitas de ouro de alta pureza.
Esse processo de alquimia microbiológica já foi apresentado em uma instalação artística chamada “O Grande Trabalho do Amante do Metal”, na qual a plateia pode observar ao vivo a C. metallidurans transformando uma solução de cloreto de ouro em ouro puro de 24 quilates!
“Por milhões de anos, essas bactérias têm trabalhado no ouro. Elas tiveram tempo suficiente para se tornarem especialistas na produção de ouro.“, comenta o pesquisador Kazem Kashefi, da Universidade Estadual de Michigan.
Os novos alquimistas
Assim como os alquimistas da Idade Média buscavam transformar metais comuns em ouro, estas bactérias extremófilas são capazes de transformar compostos tóxicos em ouro puro. Elas realizam uma espécie de “Alquimia microbiológica“. O objetivo dos alquimistas de descobrir o segredo para produzir ouro também motiva os pesquisadores a desvendar os mecanismos bioquímicos que permitem às bactérias sintetizar ouro.
Os alquimistas acreditavam que processos naturais e vitais estavam por trás da transmutação dos metais. De forma similar, as bactérias utilizam processos bioquímicos naturais dentro de suas células para reduzir os compostos tóxicos de ouro ao metal puro.
“Assim como os alquimistas, buscamos os segredos e potenciais ocultos na natureza. No nosso caso, dentro do mundo microscópico das bactérias.“, afirma o pesquisador Adam Brown, da Universidade Estadual de Michigan.
Assim como a pedra filosofal era o objeto lendário que supostamente permitiria a transmutação, a descoberta desses microrganismos abre novos caminhos para transformar e recuperar o ouro. O fascínio dos alquimistas pelo ouro e seus mistérios encontra eco no interesse atual pelas propriedades únicas dessas bactérias extremófilas e seu vínculo com o metal precioso.
Microbioindicadores para caçar o tesouro
As pesquisas nessa área visam não só compreender a fundo os mecanismos biológicos envolvidos, como também desenvolver aplicações práticas. Uma delas são bioindicadores capazes de detectar a presença de ouro pela identificação de microrganismos específicos.
Isso porque as mesmas bactérias que metabolizam o ouro também estão presentes nos locais onde o metal precioso se encontra. Portanto, ao detectar e analisar o DNA das colônias bacterianas é possível determinar se aquele ambiente é promissor para a mineração. Equipes de prospecção poderiam usar essas técnicas para localizar novos depósitos de ouro de forma rápida e barata.
“Micro-organismos têm aperfeiçoado suas vias bioquímicas por mais de 3,5 bilhões de anos. E estamos apenas começando a perceber seu potencial.“, explica a pesquisadora Carla Zammit, do Instituto para Recursos Minerais e Energéticos da Universidade de Adelaide.
Ouro de minas esgotadas recuperado por micróbios
Outra aplicação em estudo é o uso de bactérias para aumentar a produtividade de minas de ouro de baixo teor, das quais grande parte do metal não pode ser extraída pelos métodos tradicionais. Calcula-se que até 20% do ouro permanece inacessível pelo processo de mineração convencional.
Porém, colocando as bactérias para trabalhar nesses rejeitos, elas podem solubilizar e concentrar o ouro residual em novas formas que permitam sua recuperação. Isso representaria uma alternativa de baixo custo para reaproveitar o que antes era desperdiçado, prolongando a vida útil das minas.
Já o pesquisador Frank Reith, Universidade de Adelaide, acredita no potencial da descoberta como uma solução de baixo custo “Usando incubação microbiana de pilhas de rejeitos contendo ouro não recuperável pode ser uma boa maneira de alcançar uma abordagem de baixo custo e alta eficiência para concentrar ouro em formas mais recuperáveis.“, diz.
Ouro sintetizado sob medida no futuro?
É possível que no futuro, com o completo entendimento dos mecanismos biológicos, essas bactérias sejam utilizadas para produzir ouro em escala industrial a partir de compostos mais simples e baratos. Seria a concretização do sonho alquímico por meio da biotecnologia!
Mas os cientistas alertam que essa perspectiva ainda é distante, pois requer muitos avanços no conhecimento dos complexos processos bioquímicos dessas singulares bactérias extremófilas. Por ora, as principais linhas de pesquisa focam em entender como esses microrganismos interagem com o ouro para desenvolver as aplicações já mencionadas.
De toda forma, essas descobertas abrem um novo e empolgante capítulo na história milenar da fascinante relação entre a vida microscopicamente pequena e o metal que há séculos exerce irresistível atração sobre a ambição humana. Os minúsculos “alquimistas” já mostraram ser capazes de realizar o improvável. Resta saber até onde nos levará o estudo desses surpreendentes microrganismos.
A pesquisa completa “Microbiology: There’s gold in them there bugs” foi publicada pela renomada Revista Nature e você pode conferir clicando aqui.
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