Uma startup dos Estados Unidos quer ressuscitar uma antiga espécie de mamute-lanoso, extinta há pelo menos 4 mil anos. Ela já recebeu mais de US$ 15 milhões (cerca de R$ 80 milhões) de investidores privados para tentar realizar a empreitada digna de “Jurassic Park”.
Quando (e se) a startup Colossal conseguir trazer o mamute de volta à vida, ela poderá patentear o animal e se declarar dona de uma espécie extinta? A quem vai pertencer o bicho? Foram essas perguntas que o repórter Matt Raynolds tentou responder em artigo na revista Wired. E a resposta é: depende.
O que acontece é que grande parte dos conjuntos de leis nacionais e internacionais não considera a patente de animais ou fenômenos naturais como algo legal, o que significa que ninguém pode patentear algo que encontrou na natureza só porque encontrou primeiro.
O registro de propriedade é possível quando há uma inovação tecnológica. A clonagem, por exemplo, não é uma invenção, mas apenas uma cópia de algo que já existe na natureza, por isso não pode ser patenteada.
“A identidade genética de Dolly [ovelha clonada em 1996] com seu pai doador a torna não patenteável”, escreveu um juiz do Tribunal de Apelações dos EUA em 2013, concluindo uma longa batalha legal.
A quantia destinada à empresa Colossal ajudará no desenvolvimento de tecnologias de engenharia genética que poderão criar um híbrido do mamute com o elefante asiático, chegando o mais próximo possível dos mamutes que já habitaram o planeta. Alcançado este objetivo, o próximo passo seria povoar partes da Sibéria com esses animais, buscando o reequilíbrio ambiental.
“Isso fará toda a diferença no mundo”, comemorou o biólogo George Church, da Escola Médica da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em entrevista ao jornal americano The New York Times.
Nos últimos oito anos, Church passou boa parte do seu tempo gestando o projeto com outros entusiastas da ideia. O ponto de partida do trabalho seria o material genético de restos congelados de mamutes que morreram há muitos milênios.
Mas há também aqueles que se opõem à ideia, citando problemas éticos em resgatar animais gigantes da extinção. Há também a imprevisibilidade de saber como esses mamutes se comportariam na Terra hoje. “Há toneladas de problemas que todos encontrarão ao longo do caminho”, opinou Beth Shapiro, paleogeneticista da Universidade da Califórnia, também ao The New York Times.
Origem da ideia
A ideia de trazer mamutes lanosos de volta foi expressa pela primeira por Church em 2013. Na época, pesquisadores estudavam fragmentos de DNA encontrados em fósseis na tentativa de remontar genomas de espécies extintas.
Church, que estuda novas formas de ler e editar o DNA, se perguntou: é possível trazer uma espécie extinta de volta à vida adaptando o genoma de um parente existente hoje?
Os mamutes lhe parecem os melhores candidatos porque são antepassados próximos dos elefantes asiáticos de hoje: eles compartilham um ancestral comum que viveu há cerca de 6 milhões de anos. Além disso, o DNA do mamute pode ser facilmente encontrado na Sibéria.
O biólogo diz que os mamutes também podem ajudar a restaurar o equilíbrio ecológico: o aquecimento global fez com que as temperaturas aumentassem na tundra da Sibéria e da América do Norte, o que leva à liberação acelerada e em grandes volumes de dióxido de carbono.
Na tundra de hoje, a maior parte é ocupada por musgo, mas, na época dos mamutes, havia pastagens. Biólogos acreditam que o mamute servia como um guardião desse ecossistema, mantendo o pasto ao tirar o musgo, quebrando árvores e deixando excrementos abundantes que fertilizavam o solo. Com a volta destes animais, tudo isso poderia ser recuperado e as emissões de dióxido de carbono, contidas.
As ideias iniciais do cientista atraíram a atenção de jornalistas, mas não de investidores: ele tinha conseguido levantar só US$ 100 mil (R$ 520 mil) para sua pesquisa. “Honestamente, eu estava pretendendo trabalhar em um ritmo lento”, afirmou Church.
No entanto, em 2019, ele conheceu Ben Lamm, fundador da empresa Texas AI Hypergiant, que, ao ler notícias sobre o projeto, ficou interessado em ajudar nesse resgate do animal gigante. “Depois de passar um dia no laboratório e muito tempo com George, ficamos muito entusiasmados”, contou Lamm, que começou então a montar a empresa Colossal.
Duas tecnologias de ressurreição
Animais extintos podem ser trazidos de volta à vida de duas maneiras: clonagem e engenharia genética. O primeiro método é bem conhecido pelo exemplo da ovelha Dolly, clonada em 1997. Neste processo, o DNA de um animal é injetado no óvulo fertilizado de outro animal doador, e então o óvulo é implantado em uma mãe de aluguel.
Esse método já foi experimentado com o bucardo, ou íbex-dos-pirenéus, declarado oficialmente extinto em 2000. Três anos depois de seu desparecimento da face da Terra, a partir da pele congelada do animal, seu DNA foi extraído e clonado. Uma cabra mãe de aluguel deu à luz um íbex — a primeira vez que uma espécie extinta foi ressuscitada.
Infelizmente, também foi o primeiro caso de extinção dupla, já que o filhote viveu apenas sete minutos.
Existem muitos restos bem preservados de mamutes no permafrost da Sibéria, mas seu DNA é geralmente danificado por conta do longo tempo de congelamento. Os cientistas já decifraram o genoma do mamute, mas não conseguiram obter a cadeia genética completa tal qual de quando o animal existia.
É aqui que o segundo método de ressurreição pode ser útil, a chamada tecnologia de edição genética CRISPR. Nela, genes específicos que permitiram aos mamutes sobreviver em altas latitudes são inseridos no genoma de seu parente vivo mais próximo, o elefante asiático.
Em seguida, o genoma modificado é implantado em um óvulo de elefante fertilizado, que é implantado em uma mãe de aluguel elefante. A partir daí, espera-se que nasça um híbrido de elefante e mamute.
Há, claro, grandes dificuldades, como o fato dos cientistas não saberem com precisão quais genes são necessários para sobreviver no Ártico. Eles sabem que o animal deve ser coberto por pelos, ter um crânio oval e uma grossa camada de gordura subcutânea — mas todo o resto ainda é uma incógnita.
Salvação genética
Hoje, quase 1 milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção. Segundo Lamm, se o projeto Colossal for bem-sucedido, ele abrirá o caminho para a “salvação genética” de vários seres.
Este termo se refere ao processo de aumentar a diversidade genética de uma espécie em extinção através da clonagem ou engenharia genética. Lamm diz que o projeto com o mamute é uma espécie de “balão de ensaio”.
Mesmo que esse gigante não seja trazido de volta á Terra, ao longo do caminho serão desenvolvidas tecnologias que poderão evitar a extinção de espécies e ser licenciadas ou vendidas — afinal, a empresa é comercial e não beneficente.
Então, o projeto de ressuscitar o mamute pode ser visto como uma espécie de incubadora para o desenvolvimento da engenharia genética e de propriedade intelectual, o que pode ser mais fácil de ver nascer do que um mamute lanoso vivo.
Evolução
Em 2005, pesquisadores conseguiram reconstruir o Genoma mitocondrial do mamute-lanoso, permitindo traçar uma melhor relação evolutiva entre os mamutes e os Elefante-asiático (Elephas maximus).[18] O Elefante-africano (Loxodonta africana) separou-se deste Clado por volta de 6 milhões de anos atrás.
A análise do genoma do mamute lanoso, em 2015, revelou grandes mudanças genéticas que permitiram que os mamutes se adaptarem à vida no ártico. Os genes de mamute que diferem dos seus homólogos em elefantes desempenharam papéis no desenvolvimento da pele e pelo, metabolismo da gordura, sinalização da insulina e muitas outras características. Genes ligados a traços físicos, como forma do crânio, pequenas orelhas e caudas curtas também foram identificados. Como um teste de função, um gene envolvido na sensação mamute temperatura foi ressuscitado no laboratório.
* Com informações da BBC
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