Mitos e mal-entendidos rondam esse metal, do qual o Brasil é, de longe, o maior produtor do mundo. Leia a matéria até o final e entenda um pouco mais sobre o polêmico Nióbio.
Até há bem pouco tempo desconhecido da maioria dos brasileiros, o nióbio, um metal maleável, brilhante e versátil, frequentou o noticiário e motivou discussões durante a última campanha eleitoral. Mensagens veiculadas nas redes sociais alertavam que as reservas brasileiras do minério, as maiores do planeta, estariam sendo dilapidadas por meio de contrabando ou da venda a preços irrisórios no mercado internacional.
O então deputado federal e hoje presidente Jair Bolsonaro, um entusiasta da multifuncionalidade do metal, participou do debate. Em vídeo de 20 minutos, enalteceu as virtudes do nióbio, usado como elemento de liga em aços e em aplicações de alta tecnologia, como baterias de carros elétricos, lentes ópticas, aceleradores de partículas, implantes ortopédicos e turbinas aeronáuticas. Veja abaixo a gravação.
A gravação foi feita em 2016, na maior jazida em operação de nióbio do mundo, localizada nos arredores da cidade de Araxá, a 360 quilômetros de Belo Horizonte (MG). Inaugurada em 1955, ela é operada pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa controlada pela família Moreira Salles, uma das acionistas do Itaú Unibanco. Em 2011, a mineradora vendeu 15% do negócio a um grupo de fabricantes de aços chinês e outros 15% a um consórcio nipo-sul-coreano, também com atividade no setor siderúrgico.
O Brasil detém cerca de 98% dos depósitos de nióbio em operação no mundo, seguido por Canadá e Austrália. Levantamento feito pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), extinto no fim de 2018 para dar lugar à Agência Nacional de Mineração (ANM), indica que as reservas brasileiras somam 842,4 milhões de toneladas. Araxá concentra 75% do total, enquanto 21% estão em depósitos não comerciais na Amazônia e 4% localizam-se em Catalão (GO). A jazida goiana é explorada pela chinesa CMOC International Brasil, subsidiária da mineradora China Molybdenum. Juntas, as duas minas brasileiras respondem por 82% do nióbio vendido no mundo, em torno de 120 mil toneladas (t) por ano – a CBMM produz 90 mil t e a CMOC em torno de 9 mil t.
“Nossas reservas tornam o Brasil estratégico para o fornecimento desse produto ao mercado mundial”, destaca o geólogo Marcelo Ribeiro Tunes, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade que atua como porta-voz do setor mineral. “A crítica de que vendemos essa riqueza a valores módicos é improcedente. O preço dos produtos de nióbio, entre US$ 40 e US$ 50 o quilograma, reage de acordo com o mercado. Se o preço aumentar de forma irracional e especulativa, os clientes buscarão outras opções.” Para efeito de comparação, a tonelada de minério de ferro vale US$ 90 (ou US$ 0,09 o quilo) e 1 onça de ouro (31,1 gramas) é negociada por US$ 1,3 mil – 1 quilo do metal custa US$ 41,8 mil, cerca de mil vezes o valor do nióbio.
Para Marcos Stuart, diretor de Tecnologia da CBMM, muitos boatos relacionados ao nióbio circulam na sociedade. “Embora seja um minério abundante no Brasil, ele não é raro no mundo. Existem por volta de 85 depósitos conhecidos, a maior parte não explorada comercialmente”, explica, negando que o produto seja contrabandeado a partir do Brasil. “A CBMM criou o mercado de nióbio a partir da descoberta da mina em Araxá. Antes, pouco se sabia sobre esse elemento e seus benefícios nos segmentos em que é aplicado.”
Stuart explica, ainda, que a multinacional não vende o minério bruto, apenas produtos feitos a partir dele. O mais comum é o ferronióbio (FeNb), liga metálica composta por 65% de nióbio e 35% de ferro destinada ao setor siderúrgico. “O maior concorrente do nióbio são os aços feitos sem nióbio”, diz Stuart. Outros metais, como molibdênio e vanádio, também são usados como aditivos ao aço, mas sem os mesmos resultados.
Resistência do aço
A adição de teores mínimos de ferronióbio, da ordem de 0,05%, torna o aço mecanicamente mais resistente, sem reduzir sua tenacidade, que é a capacidade de se deformar plasticamente sem sofrer ruptura. Conhecidos como microligados, esses aços são usados na fabricação de dutos para óleo e gás, automóveis, navios, pontes e viadutos. Apenas 8% do aço produzido no mundo têm nióbio em sua composição, o que aponta para uma ampla margem de crescimento do mercado.
“Por ser mais resistente, a chapa de aço fabricada com ferronióbio pode ser mais fina do que a convencional. Na indústria automotiva, as carrocerias dos carros ficam mais leves sem perder a resistência. A redução do peso melhora a eficiência de veículos à combustão e elétricos”, conta Stuart. Em oleodutos e gasodutos, aplicação mais tradicional, o nióbio impede a propagação de trincas e, ao mesmo tempo, permite a construção de estruturas mais delgadas. “A espessura das paredes pode ser reduzida para 20 milímetros (mm), metade da medida de tubulações fabricadas sem ferronióbio”, explica.
Cerca de 90% do nióbio produzido é transformado em ferronióbio – os 10% restantes dividem-se entre produtos direcionados a aplicações especiais. Os óxidos de nióbio são empregados na fabricação de lentes de câmeras fotográficas, baterias de veículos elétricos e lentes para telescópios. Resistentes ao calor, as ligas de nióbio de grau vácuo, com elevado nível de pureza, são matéria-prima para turbinas aeronáuticas, motores de foguetes e turbinas terrestres de geração elétrica. Já o nióbio metálico destina-se à produção de fios supercondutores que equipam tomógrafos, aparelhos de ressonância magnética e aceleradores de partículas. Produzido na forma de lingotes – cilindros maciços compostos por 99% do metal –, o nióbio metálico tem propriedade supercondutora e elevada resistência à corrosão.
A CBMM é a única empresa do mundo que fornece todos os produtos de nióbio. “Desde o início, ela investiu pesado no processo de fabricação do ferronióbio e de outros produtos feitos com o metal”, afirma o engenheiro metalurgista Fernando Gomes Landgraf, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). O processo de beneficiamento e industrialização do nióbio em Araxá ocorre em 15 etapas. Tudo começa com sua extração da natureza. As principais fontes de nióbio são jazidas de um minério chamado pirocloro. A mina da CBMM tem apenas 2,3% de nióbio, percentual pequeno, mas superior ao da maioria das reservas do mundo. A fração restante é composta por minério de ferro em diferentes formas, óxido de bário e fosfato, além de elementos como enxofre, silício, entre outros.
Feita a céu aberto, a mineração em Araxá não perfura túneis nem usa explosivos – é realizada por escavação. O minério extraído é levado até a unidade de beneficiamento, onde sofre um processo de concentração para elevar o teor de nióbio para 50% – isso ocorre retirando elementos químicos indesejados presentes no pirocloro. Em seguida, o pirocloro concentrado – ou pentóxido de nióbio (Nb2O5) – é refinado e purificado, resultando em um composto que dará origem aos vários produtos de nióbio.
Os resíduos gerados no beneficiamento do minério são armazenados em barragens com o fundo revestido por um plástico de alta resistência, o que reduz o risco de contaminação do solo. Os reservatórios de rejeitos foram construídos conforme o método a jusante, em que a elevação do dique inicial é feita na direção do fluxo da água. Trata-se de uma técnica mais segura do que o alteamento a montante, no qual os novos diques são construídos sobre os próprios rejeitos. As barragens das mineradoras Vale em Brumadinho (MG) e Samarco em Mariana (MG), que sofreram rompimentos, adotavam essa tecnologia, agora vetada no país.
Considerando o consumo atual, a jazida de Araxá pode atender a demanda mundial por 200 anos. O virtual monopólio brasileiro do metal se traduz em vantagens óbvias – o minério é importante fonte de riqueza e o terceiro mais exportado –, mas, ao mesmo tempo, traz desvantagens. Para o físico Rogério Cezar Cerqueira Leite, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a posição de destaque do Brasil nesse setor é um obstáculo para um uso em maior escala do metal. “Nenhum país ou empresa aceita uma dependência exagerada em relação a um único fornecedor. Além disso, para cada aplicação de nióbio, há um sucedâneo, inclusive o próprio nióbio de outros países, que, embora proveniente de minérios mais recalcitrantes e, portanto, de aproveitamento mais dispendioso, já são operacionais”, afirma.
Cerqueira Leite destaca ainda o restrito mercado do metal como entrave ao aumento de seu consumo. “O nióbio tem inúmeras aplicações, mas, infelizmente, para qualquer uma delas a demanda é muito limitada”, diz o pesquisador, um dos autores do livro Nióbio, uma conquista nacional (Duas Cidades, 1988). “Em suma, não há riqueza se não há mercado. O nióbio talvez seja o exemplo clássico dessa contingência. O ouro tem o preço alto porque há demanda.”
Inovação aberta
Outro fator que inibe a demanda internacional por nióbio é o desinteresse de outras nações em investir em pesquisas para descobrir novas aplicações para um ativo cuja exploração está concentrada praticamente em solo brasileiro. Procurando contornar essa situação, a CBMM estabeleceu uma política agressiva de pesquisa e desenvolvimento (P&D) baseada em inovação aberta. A empresa investe R$ 150 milhões por ano na atividade, o que equivale a 3% do faturamento, de R$ 4,8 bilhões em 2017.
Nos laboratórios do Centro de Tecnologia de Araxá, composto por 122 técnicos e pesquisadores, o foco do trabalho é a melhoria dos processos produtivos e o desenvolvimento dos produtos de nióbio. Com parceiros externos, as pesquisas são centradas em novas aplicações do metal. “A empresa investe na comunidade científica brasileira, com projetos em dezenas de universidades e centros de pesquisa. Ao mesmo tempo, apoia grupos no exterior com competência em temas de interesse relacionados ao nióbio”, informa Landgraf, da Poli-USP.
No âmbito internacional, são parceiros da mineradora as universidades de Tóquio e Okayama, no Japão; Cambridge e Sheffield, na Inglaterra; Colorado School of Mines, nos Estados Unidos; entre outros. No país, a CBMM financia estudos na USP, nas universidades federais de Minas Gerais (UFMG), São Carlos (UFSCar), Viçosa (UFV) e Ouro Preto (Ufop), no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, e no Centro de Inovação e Tecnologia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (CIT-Senai), de Belo Horizonte.
Há parcerias também com usuários finais dos produtos. Uma das mais recentes foi firmada com a japonesa Toshiba no ano passado. Seu objetivo é aumentar a demanda por óxidos de nióbio, usados na fabricação de baterias de carros elétricos. A CBMM vai investir US$ 7,2 milhões na construção de uma unidade-piloto de baterias em Kashiwazaki, no Japão, junto a uma fábrica da Toshiba. Nela será desenvolvida uma nova geração de baterias contendo anodos de óxidos mistos de nióbio e titânio. Segundo Stuart, a incorporação de nióbio torna as baterias mais duráveis, seguras e com menor tempo de recarga.
No Brasil, entre os projetos já apoiados, destacam-se o desenvolvimento de aços para tubulações on shore (em terra), em conjunto com a Petrobras, e de aços para dutos de óleo e gás que trabalham em ambientes mais agressivos, quanto às condições de corrosão, com a USP. Um trabalho em andamento é de um caminhão basculante em operação em Araxá. Sua caçamba foi redesenhada, em parceria com uma fabricante nacional, e incorporou aços microligados de nióbio. O resultado foi uma redução de 1,5 tonelada em seu peso, o que elevou a capacidade de transporte de minério.
Outra colaboração, envolvendo o IPT e a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), de São Paulo, tem como foco a criação de próteses ortopédicas feitas com ligas de nióbio-titânio e titânio-nióbio-zircônio por manufatura aditiva (impressão 3D). Biocompatíveis, essas ligas podem exibir elevada resistência mecânica e alta elasticidade. Implantes ortopédicos muito rígidos podem levar à perda do osso implantado. O uso de ligas de nióbio-titânio pode reduzir esse problema. Iniciado em 2016 e com duração prevista de 42 meses, o projeto conta com recursos de R$ 8,2 milhões, financiados pelo governo paulista, CBMM, Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e FAPESP, no âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite).
O minério em números
- 98% das reservas de nióbio em operação estão no Brasil
- 842,4 milhõesde toneladas é a somatória dos depósitos nacionais
- 8% do aço fabricado no planeta leva ferronióbio
- A CBMM pode atender a demanda mundial por 200 anos, considerando o mercado atual
- 120 mil toneladas é a produção anual do metal no mundo
- O país domina 82% do mercado global
Projeto nióbio
Um parceiro de longa data da CBMM é a Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP. A faculdade foi sede do Projeto Nióbio, iniciativa multi-institucional criada em 1978 com a finalidade de desenvolver uma rota tecnológica para produzir nióbio metálico de alta pureza. O projeto envolvia também estudos voltados às diversas fases do processamento e das aplicações do metal e suas ligas, com especial atenção à supercondutividade metálica.
“Fomos o centro de pesquisa pioneiro na produção de nióbio de alta pureza em escala piloto no país”, recorda-se o engenheiro químico Hugo Ricardo Zschommler Sandim, professor da EEL-USP. “A CBMM fornecia o pentóxido de nióbio e recebia de volta lingotes de alta pureza. O Projeto Nióbio agregou valor ao metal e permitiu a verticalização de sua produção junto à parceira comercial do projeto.” Essa colaboração durou cerca de 10 anos até que a mineradora julgou que a tecnologia estava consolidada e decidiu implantar a produção de nióbio metálico em Araxá.
Os pesquisadores de Lorena continuam fazendo pesquisa básica e aplicada voltada ao nióbio. “Nosso foco sempre esteve nos materiais com alto teor de nióbio, como superligas à base de níquel e ligas para aplicações em altas temperaturas. Já fornecemos amostras de nióbio metálico para mais de 200 instituições de pesquisa no Brasil e no exterior”, conta o engenheiro metalurgista Carlos Angelo Nunes, professor da EEL-USP. “O nióbio é um metal com propriedades excepcionais, mas não corresponde ao que é divulgado de forma equivocada em boa parte da mídia.”
Aplicação no mercado
Super bateria de Nióbio brasileira deve revolucionar mercado de carga pesada
Duas indústrias peso-pesado do Brasil se uniram com uma missão, criar super bateria de Nióbio. A Volkswagen Caminhões e Ônibus – VWCO e a CBMM – Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração fizeram um acordo para desenvolverem e produzirem super baterias para veículos elétricos de grande porte fazendo uso do metal Nióbio. Leia a matéria completa e entenda o poder deste metal que praticamente só existe no Brasil.
Tecnologia do futuro
Ricardo Lima, vice-presidente da CBMM, afirma que a bateria de Nióbio está sendo desenvolvida já há três anos numa parceria com a japonesa Toshiba. E detalha: “Pela primeira vez estamos implementando esta solução que, devido ao uso do óxido de Nióbio no ânodo da bateria, permitirá uma operação de carregamento ultrarrápido, em menos de 10 minutos, maior durabilidade, vida útil e segurança”.
Leia o restante da matéria em: Super bateria de Nióbio brasileira deve revolucionar mercado de carga pesada – AGRONEWS®
Fonte: Fabesp