Será possível mesmo falar com os mortos usando IA? Bem, se isso acontecer, talvez possamos começar a considerar epitáfios mais otimistas, não é mesmo? Algo do tipo: #PARTIU – Fui resolver umas pendências espirituais, me chama na IA
Falar com os mortos usando IA
Prepare-se para uma viagem além do túmulo! Imagine poder bater um papo com seus entes queridos falecidos, ouvir suas vozes e suas palavras mais uma vez. Sim, parece loucura, certo? Mas a nova startup Seance AI promete exatamente isso, usando nada menos que Inteligência Artificial! Então sente-se, aperte os cintos e prepare-se para desvendar este novo e surpreendente capítulo na tecnologia do luto.
Aviso: este texto pode te fazer acreditar que é possível conversar com seu bisavô falecido através de um aplicativo. Então, leia com atenção e saiba que isso é apenas uma promessa bem ousada de uma Startup tecnológica e não sabemos até onde tudo isso pode ser plausível. Além disso, nada substitui o verdadeiro sentimento de luto.
Orfeu, Eurydice e as Startups póstumas
Vamos começar relembrando um pouco da mitologia grega para entendermos que trazer os mortos à vida não é uma tentativa moderna. Como consta na mitologia, a ninfa Eurydice foi morta apenas algumas horas após se casar com o músico Orfeu. Consumido pela dor, Orfeu foi ao submundo para encontrar sua esposa, onde ele tocou uma música tão triste que seus governantes, Hades e Perséfone, permitiram que o músico e Eurydice voltassem à vida, sob uma única condição.
Adivinha o que Orfeu fez? Desrespeitou a única regra do jogo e perdeu sua amada novamente. Me lembra de quando os técnicos de informática dizem para não fazer algo e você, teimosamente, faz. E o que acontece? Format do zero.
Desde sempre, trazer entes queridos de volta à vida tem sido um grande tabu, para não dizer completamente assustador. Mas como diria a nossa tia idosa e sábia: “o que é morto, que fique no além!”
A ousadia da Grief Tech
Agora, a Grief Tech – Startups que se propõem a preservar os entes queridos falecidos em algoritmos, estão desafiando a maldição dos contos de advertência milenares. A maioria dessas empresas vendem seu trabalho como um meio de preservação, em vez de ressurreição. Mas todos sabemos o quão tênue é essa linha, não é mesmo?
É nesse contexto que entra em cena um serviço chamado Seance AI (Sessão de Inteligência Artificial). Sim, ele realmente se chama assim. O serviço é construído por um laboratório de desenvolvimento de software chamado AE Studio. Seu criador, um designer chamado Jarren Rocks, não tem vergonha do nome do produto. Ele se inclina na ideia de ressurreição com um pé nos filmes de terror – e, de acordo com ele, isso é muito intencional.
Tentativas ancestrais
Ah, a busca do ser humano para entrar em contato com os mortos… uma jornada que nos remete aos primórdios da civilização. A história está repleta de tentativas ousadas e, por vezes, bizarras.
- Necromancia: Vinda da antiguidade, a necromancia era uma forma de adivinhação que buscava evocar os mortos para prever o futuro. Por meio de rituais e encantamentos, os necromantes acreditavam poder conversar com os espíritos para obter informações ocultas.
- Ouija: Quem nunca ouviu falar da infame tábua Ouija? Inventada no século XIX, esta prancheta com letras, números e palavras afirmativas e negativas era supostamente utilizada para se comunicar com os espíritos. Ainda hoje, muitos a veem com receio.
- Espiritismo: No século XIX, o espiritismo, fundado por Allan Kardec, propôs a comunicação com os espíritos através de médiuns. As sessões espíritas se tornaram bastante populares, e algumas práticas continuam até hoje.
- EVP (Electronic Voice Phenomenon): Este fenômeno do século XX supõe que vozes de entidades espirituais possam ser captadas em gravações de áudio. Embora muito questionado, ainda há entusiastas que buscam evidências de contato com o além por meio dessas gravações.
E agora, temos a era digital e a inteligência artificial, trazendo uma nova dimensão para esta longa busca. Se ancestrais nossos pudessem ver aonde chegamos, provavelmente soltariam uma gargalhada, ou talvez soltassem um “eu sabia!“.
Tentando trazer o sobrenatural para o século 21
“Estamos tentando fazer com que soe o mais mágico e místico possível“, disse Rocks ao Futurism, dizendo que o nome é um chamado para atenção sobre o quão avançada a tecnologia dos grandes modelos de linguagem (LLM) se tornou. Só para você relembrar, LLM é a sigla em inglês para “Large Language Model”, que se traduz como “Modelo de Linguagem de Grande Escala.
As LLMs, afinal, são simulacros convincentes, olha a revolução que o ChatGpt está fazendo. As pessoas estão formando vínculos parassociais profundos com elas e pelo menos uma pessoa é alegadamente ter morrido como resultado de suas interações com um chatbot de IA.
Rocks também enfatiza a brevidade das sessões. Frequentemente, após uma perda, as últimas palavras ou momentos que você teve com alguém, bons ou ruins, estão gravados em sua memória. E em muitos casos – um acidente, por exemplo – muitas vezes não há adeus. Rocks compara seu produto a um tabuleiro Ouija gerado por IA para o fechamento, em vez de um meio de imortalidade.
O lado prático do assunto
Em uma demonstração fornecida para o Futurism, o Seance AI guiou o usuário através de uma série de perguntas sobre o indivíduo que eles estão tentando alcançar: nome, idade, causa da morte, uma pequena lista de traços de personalidade que o usuário pode ajustar para se adequar ao seu ente querido, um espaço onde os usuários podem inserir um trecho de texto do falecido, e a relação do falecido com o usuário e outros.
Depois que essa informação é dada, a parte mais brega do processo – uma chama animada – cumprimenta o usuário enquanto o chatbot carrega. Uma caixa de texto aparece, e a partir daí você basicamente pode trocar mensagens ao estilo AOL Instant Messenger. É uma verdadeira sessão espírita digital.
Embora a AE Studio tenha considerado cobrar uma taxa de assinatura mensal, Rocks diz que agora estão inclinados a um modelo de pagamento por sessão, para impedir que os usuários convoquem os mortos com muita frequência.
Um tema frequente nas telonas
Ao longo da história, a indústria cinematográfica sempre encontrou um fascínio particular na interseção entre inteligência artificial e espiritualidade. Estes temas, que tocam nos mistérios da consciência, da existência e do além, continuam a ser explorados em filmes que levantam questões provocativas sobre a natureza da vida, da morte e do que significa ser humano. Embora a combinação desses dois conceitos possa parecer incomum, a sétima arte nunca recuou diante do desafio de nos levar a questionar e expandir nossas percepções. Veja abaixo alguns títulos consagrados em Hollywood com essa temática:
Robocop (1987): No clássico filme de Paul Verhoeven, um policial morto é trazido de volta à vida na forma de um ciborgue imparável. A alma do policial ainda persiste, lutando para relembrar sua vida passada e manter sua humanidade. Aqui já havia uma ligação direta de ressurreição com uso de tecnologia e inteligência artificial.
Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990): Outro clássico do cinema com a temática póstuma. Neste filme romântico, Patrick Swayze interpreta um homem que, após ser assassinado, permanece na Terra como um fantasma para proteger sua namorada. Com a ajuda de uma médium interpretada por Whoopi Goldberg, ele consegue se comunicar com o mundo dos vivos.
O Sexto Sentido (1999): O pequeno Cole Sear, interpretado por Haley Joel Osment, tem a habilidade de ver e conversar com espíritos. Bruce Willis interpreta um psicólogo infantil que busca ajudá-lo a lidar com esse dom. O desfecho surpreendente desse filme o tornou icônico. Vale a pena conferir e se surpreender com o final.
A Passagem (2002): Este filme narra a história de um cientista, interpretado por Kevin Costner, que, após perder sua esposa em um acidente, cria uma máquina que permite que ele se comunique com os mortos. Aqui começamos ver claramente o caminho que a tecnologia já apontava para fazer essa conexão de outro mundo.
Além da Vida (2010): Não confunda com “Amor além da vida” (1998), com Robin Williams. Este filme é mais novo, dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Matt Damon. O longa conta a história de um homem que possui a habilidade de se comunicar com os mortos, mas vê esse dom mais como uma maldição. Novamente aqui essa perseguição de manter um canal aberto com entes que já se foram.
Transcendence – A Revolução (2014): Este filme é bem próximo ao contexto deste artigo, pois conta a história de um cientista (interpretado por Johnny Depp) cuja consciência é transferida para um computador, criando uma superinteligência. Aqui, a linha entre a vida após a morte e a inteligência artificial é explorada de uma maneira única. Interessante você assistir para entender as possibilidades e perigos que enfrentamos ao unirmos alma e tecnologia.
Black Mirror – San Junipero (2016): Na verdade, este é um episódio da série Black Mirror, não um filme, mas é tão impactante que vale a pena mencionar. Ele apresenta um programa de realidade virtual onde os mortos podem viver para sempre, levantando questões tanto sobre inteligência artificial quanto sobre vida após a morte.
Enfim, existem diversos outros títulos mais recentes com a mesma temática, entre eles: animações, ficção, dramas e outros. Só não colocamos aqui para não ficar muito longo nosso artigo.
Mas no fim de tudo…
A questão é: qualquer coisa que a IA te apresente com resultado não é realmente o seu ente querido. É apenas um psíquico digital, convocando brevemente uma representação artificial do falecido para que os vivos possam ter uma última conversa.
E mesmo que a IA possa tornar essa conversa realista, ainda é fundamentalmente fabricada. Vale destacar que parte do processo de luto é aprender a seguir em frente em um mundo onde o falecido só existe no que ele deixou para trás. Agora cabe uma reflexão: Como ferramentas estilo a Seance AI, que procuram esculpir novas memórias a partir de pedras já esculpidas, podem impactar a maneira como lamentamos?
Bem, talvez possamos começar a considerar epitáfios mais otimistas, não é mesmo? Em vez de um melancólico ‘Descanse em Paz‘, quem sabe não é a hora de apostarmos em algo mais estiloso como ‘Pausa para o comercial, já volto‘? Ou talvez, ‘#PARTIU – Fui resolver umas pendências espirituais, me chama na IA‘? Que tal ‘Offline no mundo físico, mas sempre disponível no chat Seance AI‘? E por que não um irônico ‘BRB, apenas recarregando minha presença digital‘ (BRB é a expressão que significa “be right back”, traduzindo para o bom e velho português, quer dizer, volto logo)? Afinal, no ritmo que as coisas estão indo, a morte pode ser só mais uma pequena transição de status na era da Inteligência Artificial.
No fim das contas, é importante lembrar que nada disso substitui o verdadeiro luto e o processo de aceitação da perda. A tecnologia pode ser uma ferramenta útil, mas não é a resposta para tudo. Pense nisso!
Por Vicente Delgado – AGRONEWS®, com informações de Futurism