Microrganismos que melhoram a produção agrícola são alvo de estudos de pesquisadores da Embrapa Agrobiologia (RJ) que já identificaram bactérias e fungos que estimulam o crescimento das plantas ou as protegem de doenças. Fungos dark septate, bactérias do gênero pseudomonas e bacteriocinas são alguns dos microrganismos e substâncias estudados, podendo dar origem a novos bioprodutos para a agricultura, seja como promotores de crescimento ou no controle de doenças e pragas agrícolas. Pesquisas e testes já apresentaram bons resultados.
Além da função de fixar o nitrogênio do ar nas raízes, algumas bactérias selecionadas têm a capacidade de tornar solúvel o fósforo presente no solo e disponibilizá-lo para o vegetal. Os solos brasileiros são em sua maioria muito pobres em nitrogênio e fósforo e rotineiramente esses fertilizantes juntos representam até mais de 50% do custo da implantação de uma lavoura.
De coloração escura e com hifas septadas como as de um bambu, os fungos dark septate se mostram como microrganismos promissores na promoção do crescimento de plantas. Estudos coordenados pelo pesquisador Jerri Zilli, da Embrapa Agrobiologia, revelaram que, na presença do fungo, plantas de arroz alcançaram um crescimento até 30% maior em sua parte aérea e nas raízes. Além disso, os perfilhos, que são novos ramos da planta, aumentaram em cerca de 50%, o que implica maior capacidade de absorção de nutrientes e produção de grãos.
De acordo com Zilli, este grupo de fungos também proporciona uma melhoria no status nutricional das plantas. Em testes feitos com tomateiro, nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio foram acumulados em maior quantidade quando comparados à planta sem a presença do microrganismo. Com isso, é possível otimizar o uso de nutrientes e obter uma planta mais vigorosa. “Fizemos testes genéticos mais profundos e vimos que os fungos realmente interferem na planta e fazem com que elas absorvam mais nutrientes, ficando mais robustas e produzindo mais grãos e frutos”, revela o pesquisador.
Existem outros fungos já bastante conhecidos como benéficos ao crescimento de plantas, como os micorrízicos arbusculares. Mas a vantagem dos dark septate é que eles não precisam de uma planta para serem multiplicados, e é possível cultivá-los em meio de cultura, o que facilita o desenvolvimento de um produto. “Com os fungos micorrízicos arbusculares é preciso inocular uma planta e esperar que ela cresça para o microrganismo se multiplicar. Com o dark septate, consigo ter um inóculo pronto em poucos dias”, explica Jerri Zilli.
Outra característica do fungo que vem sendo estudada é a resistência ao estresse hídrico. Em experimentos feitos em laboratório, os pesquisadores observaram que, na presença dos dark septate, a planta, mesmo com pouca água, consegue se desenvolver de forma semelhante à outra cultivada em condições normais. Mas Jerri Zilli ressalta a necessidade de verificar se estes resultados vão se confirmar no campo. “Confirmado todo o potencial do microrganismo, a ideia é desenvolver inoculantes”, finaliza.
Pseudomonas no cultivo orgânico
Um dos maiores entraves para a agricultura orgânica é a produção de mudas de hortaliças de qualidade. Como não é possível usar agrotóxicos e nem adubos solúveis, é importante produzir mudas mais resistentes a doenças. Na busca por alternativas que possam ser utilizadas nas lavouras orgânicas, pesquisadores da Embrapa Agrobiologia encontraram nas bactérias do gênero pseudomonas uma importante aliada.
O estudo, liderado pela pesquisadora da Embrapa Norma Rumjanek, já identificou pelo menos uma estirpe (BR 10415) que promove o desenvolvimento das plantas e outra (BR 10416) que atua contra o fungo Rhizoctonia solani que causa o tombamento das mudas. Rumjanek explica que as pseudomonas contêm características interessantes para a planta, como a produção de ácido indolacético (AIA), um tipo de hormônio de crescimento. “Essas bactérias também solubilizam fosfato e auxiliam a planta na absorção desse nutriente. Algumas também ajudam no controle biológico, inibindo a ação de agentes causadores de doenças”, complementa Rumjanek.
O uso de pseudomonas na agricultura não é comum no Brasil e ainda não existe no mercado nacional um produto com essas bactérias. “As pseudomonas assustam porque comumente são associadas à infecção hospitalar, mas não é o caso das que estão sendo estudadas”, explica a pesquisadora. Norma pretende encaminhar em breve a estirpe promotora de crescimento para registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “A partir daí, poderemos ter o primeiro produto à base de pseudomonas no País. Em outros países, como Estados Unidos, Canadá e Argentina, há vários deles”, revela.
Bacteriocinas
A escaldadura das folhas de cana é uma doença que causa perdas ao setor canavieiro. Causada pela bactéria Xanthomonas albilineans, a doença apresenta grande potencial destrutivo e pode gerar perdas de até 100%, quando acomete variedades susceptíveis. Nos laboratórios da Embrapa, os pesquisadores estudam o uso de uma proteína (bacteriocina) produzida por outra bactéria muito comum em cana-de-açúcar, a Gluconacetobacter diazotrophicus, com ação antimicrobiana contra a X. albilineans. O objetivo é produzir uma formulação para usar direto na planta por meio de pulverização.
Segundo a pesquisadora Márcia Vidal, que lidera os estudos na Embrapa Agrobiologia, ferramentas de bioinformática permitiram identificar o gene que codifica a bacteriocina. A partir daí, os pesquisadores passaram a produzir a proteína em outra bactéria, que funciona como um tubo de ensaio e possibilita a produção em grande quantidade. “Estamos na fase de concluir a purificação numa escala maior. Com a proteína superexpressa, veremos se o efeito antimicrobiano, já comprovado in vitro, se comprova em casa de vegetação e no campo”, revela Vidal.
De acordo com a pesquisadora, a ideia é testar não só contra a X. albilineans, mas também em outros agentes causadores de doenças em cana, outras bactérias e fungos. “Nosso desejo é verificar o espectro de atuação dela. Se for comprovado o potencial contra outros fitopatógenos, teremos um produto mais completo”, disse.
Microrganismos atuam na regeneração do solo
Os uso de microrganismos contidos no Centro de Recursos Biológicos Johanna Döbereiner, da Embrapa Agrobiologia, não está restrito às lavouras. Fungos e bactérias são eficazes na recuperação de solos com alto grau de degradação. A metodologia desenvolvida utiliza plantas da família das leguminosas associadas a esses microrganismos e já foi aplicada em diversas regiões com sucesso, como, por exemplo, áreas de mineração no Pará, Maranhão, Minas Gerais e até mesmo na Bacia Amazônica Peruana.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Eduardo Campello, os microrganismos aumentam a capacidade de absorção das raízes, dando-lhes mais resistência em situações de estresse ambiental. “A técnica permite a revegetação rápida, mesmo onde o subsolo já está exposto. Enquanto as bactérias fornecem o nitrogênio-nutriente essencial para as plantas, os fungos micorrízicos auxiliam as plantas na captura de outros nutrientes, principalmente fósforo e água”, explica.
Os pesquisadores selecionam em laboratório as estirpes de bactérias mais eficientes na fixação de nitrogênio para cada espécie de planta e reproduzem os fungos. Utilizando-se da tecnologia, são produzidas mudas mais resistentes e autossuficientes em nitrogênio.
Pesquisa de longa data
Uma infinidade de microrganismos, entre bactérias e fungos, são mantidos em Seropédica (RJ), no Centro de Recursos Biológicos Johanna Döbereiner (CRB-JD) da Embrapa Agrobiologia. A coleção tem cerca de três mil estirpes, coletadas pelos pesquisadores na natureza, em diferentes regiões do País, e com potencial para serem utilizadas como insumos biológicos na agricultura brasileira.
O início desse trabalho foi ainda nos anos 1950, quando a pesquisadora Johanna Döbereiner isolou as primeiras bactérias fixadoras de nitrogênio. Desde então, a coleção se multiplicou e mais de 50 estirpes já foram autorizadas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o uso em inoculantes comerciais. “O Brasil é líder mundial no uso de bactérias fixadoras de nitrogênio na agricultura e a economia resultante da utilização desses microrganismos é superior a oito bilhões de dólares”, explica o pesquisador Jerri Zilli, curador da coleção.
Até 2012, conhecia-se apenas as características fenotípicas e morfológicas (aparência e forma) dos microrganismos depositados no CRB-JD e isso limitava o desenvolvimento das pesquisas. Mas, nos últimos anos, com o uso de ferramentas moleculares, foi possível conhecer melhor a taxonomia (classificação) dos microrganismos e, além disso, estruturou-se um banco de DNA que está disponível para os pesquisadores.
Segundo Zilli, as bactérias são mantidas no laboratório e, se não fosse esse trabalho cuidadoso, poderiam desaparecer. Atualmente, 1.300 bactérias estão caracterizadas por meio de sequências específicas do DNA. “Se alguém necessitar fazer novos estudos para trabalhos biotecnológicos, não há necessidade de cultivar a bactéria, é possível utilizar somente os DNAs guardados”, esclarece o curador.
O pesquisador José Ivo Baldani, curador da coleção entre os anos de 2012 e 2014, explica que a partir do DNA, é possível realizar o sequenciamento genômico da bactéria, conforme já realizado para algumas estirpes da coleção, e identificar genes com potencial agrobiotecnológico. “Se identificamos, por exemplo, um gene responsável pela produção de bacteriocina (proteína extraída de uma bactéria), é possível expressar o gene e produzir a proteína em larga escala para uso no controle de bactérias fitopatogências em culturas de interesse agronômico”, conclui Baldani.
O conhecimento genético pode contribuir para que novos produtos sejam gerados pela pesquisa. Por esse motivo, a Embrapa Agrobiologia tem como meta a caracterização de pelo menos duas mil bactérias de sua coleção.