Pesquisas comprovam que associar plantios agrícolas e produção pecuária ao cultivo de espécies florestais nativas da Amazônia ajuda a recuperar a fertilidade do solo de antigas áreas, com ganhos significativos na produtividade de grãos. Em propriedades rurais familiares do Acre, essa combinação mais que dobrou a produtividade de milho e aumentou em 60% a produção de feijão.
A demanda por tecnologias sustentáveis para o setor agropecuário e florestal tem contribuído para intensificar as pesquisas sobre a eficácia da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) nas diversas regiões brasileiras. Um projeto executado pela Embrapa, em parceria com instituições da iniciativa privada, participantes da Rede de Fomento à ILPF, estuda diferentes modalidades de sistemas integrados, em estados da região Norte, considerando particularidades da floresta e demandas produtivas de cada localidade.
No Acre, as pesquisas envolvem combinações que priorizam o uso de árvores nativas, culturas tradicionais e forrageiras recomendadas para o estado. Os primeiros resultados revelam que o uso de espécies florestais como bordão-de-velho e mulateiro na composição desses sistemas ajuda a restabelecer a capacidade produtiva do solo, condição essencial para o bom desempenho das lavouras e da pastagem.
O trabalho tem a parceria de agricultores familiares e visa definir arranjos mais adequados às condições de clima e solo do estado, além de diferentes estratégias de implantação, com foco na melhoria da produção agrícola e pecuária. “Os arranjos avaliados possibilitam mais de uma safra de grãos por ano e retorno financeiro em curto prazo, com ganhos na produção agrícola superiores aos custos de implantação do sistema. Além do caráter autorremunerável, essas composições agregam benefícios ambientais, aspecto que ajuda a confirmar a sua viabilidade”, explica o pesquisador Tadário Kamel, responsável pelos estudos com ILPF no Acre.
Estratégias de implantação
Em estados amazônicos como Pará e parte do Mato Grosso, o uso da ILPF, de acordo com pesquisas recentes, tem possibilitado incorporar tecnologias sustentáveis como o Sistema Bragantino, que preconiza o cultivo agrícola em regime de rotação e consórcio de culturas, por meio de plantio direto, e possibilita o atendimento a diferentes demandas produtivas sem desmatar novas áreas. No Acre, o uso de sistemas integrados ainda é novidade na agricultura familiar e o desafio inicial dos pesquisadores foi sensibilizar os agricultores quanto ao potencial desta tecnologia para diversificar e melhorar a produção.
No processo de implantação das composições estudadas, a principal estratégia envolveu o plantio de árvores, em diferentes espaçamentos, e o cultivo de milho nas entrelinhas, utilizando plantio convencional no primeiro ciclo produtivo e plantio direto na segunda safra (milho safrinha) por três anos consecutivos. A pastagem, formada com capim Braquiária brizantha, cultivar Xaraés, foi implantada junto com a última safra agrícola.
Segundo o pesquisador, há um efeito em cadeia entre os diferentes componentes. A adubação do solo, destinada à agricultura, favorece os demais componentes. “Nessa dinâmica, os índices de sobrevivência e crescimento tanto do bordão-de-velho como do mulateiro variaram entre 85 e 100% e confirmam a adaptação dessas espécies ao sistema. Em outo momento, a pastagem é beneficiada pela adubação residual da lavoura e por uma adubação natural do solo, proporcionada principalmente pelas leguminosas. Isso contribui para potencializar o desempenho da pecuária”, afirma.
Arranjos regionais
O uso de árvores nativas na composição de sistemas integrados tem sido uma tendência da pesquisa científica, como forma de focar em particularidades dos estados e regiões e conservar os recursos naturais. De acordo com o Guia Arbopasto, publicado pela Embrapa em 2013, existem 51 espécies florestais com indicação de uso associado a pastagens nos diversos estados amazônicos, entre elas o bordão-de-velho (Samanea tubulosa) e o mulateiro (Calicophyllum spruceanum). As pesquisas em andamento destacam o potencial dessas espécies em sistemas integrados.
O bordão-de-velho é uma leguminosa, de ocorrência espontânea, com alta capacidade de fixar nitrogênio no solo, característica que ajuda a melhorar a fertilidade desse recurso e o valor nutritivo da pastagem. Segundo Kamel, em áreas a pleno sol, o teor de proteína bruta na forragem foi de 8,5%, enquanto à sombra da copa do bordão-de-velho esse índice subiu para 11,45%. Já o crescimento da pastagem sob a copa da árvore aumentou em 20% em relação ao pasto a pleno sol.
O interesse pelo mulateiro está mais relacionado aos benefícios proporcionados pelas características da árvore e pelo valor comercial da madeira. Essa espécie nativa de grande porte e crescimento rápido possui copa de formato oval e densidade rala, permitindo ao mesmo tempo luz e sombreamento moderados, condições que influenciam positivamente a qualidade da forragem.
A presença dessas árvores em pastagens proporciona ainda conforto térmico para o rebanho e oferta de vagens ricas em proteínas, que ajudam a suplementar a dieta alimentar animal, fatores importantes na produtividade pecuária. Em sistemas integrados, o componente arbóreo agrega a possibilidade de contribuir para a recomposição de áreas desmatadas, favorecendo a adequação ambiental da propriedade, além de oferecer madeira como renda extra para as famílias.
“Pensando em todas essas vantagens, procuramos mesclar espécies leguminosas, que podem oferecer serviços adicionais, com espécies madeireiras comerciais na composição de arranjos tipicamente regionais. Essas combinações garantem continuidade às atividades produtivas e renda para as famílias, condições cruciais para a permanência no campo”, esclarece Kamel.
Resultados
O paranaense João Evangelista, proprietário da Colônia São João, localizada no Município de Senador Guiomard, cedeu três hectares de sua propriedade para implantação da primeira Unidade de Referência Tecnológica (URT) e descobriu que a produção integrada proporciona múltiplas vantagens. “Sempre trabalhei com agricultura e pecuária de forma separada, mas aprendi que posso unir essas atividades e ainda associar o plantio de árvores, com menos custos e mais benefícios. Além dos ganhos na agricultura, ainda fiquei com o pasto recuperado e arborizado. Agora posso investir mais na pecuária”, diz o agricultor.
Na primeira safra, a produção de milho convencional foi de cinco toneladas/hectare, evoluindo para sete toneladas no segundo e terceiro anos. Já o milho safrinha produziu em torno de 3,5 toneladas/hectare. “Esse desempenho pode ser considerado excelente, em comparação com a produtividade média da cultura no estado, de 2,5 toneladas/hectare”, destaca Kamel.
Na propriedade da agricultora Francineide Paiva da Silva, no Assentamento Moreno Maia, em Rio Branco, o experimento iniciado há três anos integra o componente arbóreo com o cultivo de feijão, milho, mandioca e melancia, em sistema de rotação de culturas, em uma área de 2,5 hectares. No início, o solo endurecido indicava elevado estágio de degradação, o que dificultava os cultivos agrícolas e causava prejuízos à família. “A produção de 900 quilos de feijão por hectare, superior à média do estado, de 550 quilos por hectare, e da região Norte, de 700 quilos por hectare, confirma a eficiência do sistema”, ressalta Kamel.
Atualmente, com a área arborizada e o solo fértil, a pastagem está em fase de implantação para a criação de gado leiteiro, uma novidade para Francineide: “Não imaginava que ainda conseguiria produzir aqui. A produção combinada mostrou que é possível permanecer na agricultura, ter boa produção e investir também em outras atividades”.
No componente pecuário, o foco das pesquisas é a recuperação de pastagens degradadas, principal problema da pecuária na Amazônia e em outras regiões. Estima-se que no Acre existam 500 mil hectares de pastagens com algum nível de degradação e grande parte dos agricultores familiares deixa de recuperar essas áreas por causa do elevado custo dos insumos no mercado local. Embora iniciais, dados relativos ao desempenho do pasto em sistema de integração no Acre são animadores. Os pesquisadores observaram que o pasto suporta até três unidades animal por hectare, produtividade similar à encontrada em pastagens da região em excelentes condições de pastejo e bem manejadas.
Demanda crescente
Principal matéria-prima utilizada na fabricação de ração para peixes e aves no Acre, o milho é uma cultura promissora para o estado. Nos últimos cinco anos, a implementação de políticas públicas estaduais que ampliaram a abertura de linhas de crédito para a agricultura familiar e apoiaram a implantação de empreendimentos voltados para o processamento industrial do milho contribuiu para aumentar o interesse de famílias rurais pela cultura e a procura por esse produto no mercado local. Além disso, há uma tendência de uso do milho como principal cultura no consórcio com capins para recuperar pastagens degradadas na região.
No contexto da agricultura familiar, além de representar importante fonte de renda, o milho ajuda a garantir segurança alimentar. Apesar de sua relevância econômica e social no estado, os cultivos são realizados predominantemente por agricultores familiares com reduzido uso de tecnologias e insumos. Como reflexo, a produtividade da cultura é baixa – 4,9 toneladas/hectare – menos da metade da média nacional e, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), insuficiente para suprir a demanda interna. “Esse cenário contribui para uma demanda crescente por recomendações técnicas para uso de sistemas integrados de modo a ampliar a produção agrícola no estado, primordialmente a de milho, aliada à recuperação de pastagens”, conclui Kamel.
Fonte: Embrapa