Aumento de sistemas integrados para 1 milhão de hectares se deve ao retorno econômico, biológico e ambiental das fazendas no Estado.
Foi com a intenção de diversificar a propriedade que o agropecuarista Agenor Pelissa decidiu, em 2005, apostar numa ideia sobre a qual pouco se falava na época: trabalhar com grãos e pecuária ao mesmo tempo e na mesma área. Decidiu fazer a experiência em 100 hectares na Fazenda Dona Isabina, localizada no médio-norte de Mato Grosso, hoje uma das regiões que mais colhem grãos no Brasil. A área foi dividida em cinco módulos – dois foram ocupados com o gado o ano inteiro e três com lavoura no verão e boi na época de seca no Estado. Dois anos depois de ter iniciado a experiência, incorporou a floresta de eucalipto ao sistema. Hoje, Agenor adota a tecnologia de ILP em mais de 1.000 hectares.
Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) incentivaram o agricultor, que não se arrepende da escolha. Muito pelo contrário. “Com a floresta, além de melhorar o bem-estar do rebanho, depois de sete ou oito anos, ainda temos a madeira para explorar. Pensando na parte ambiental, financeira e na parte de estrutura da fazenda, onde dá para trabalhar com todos os componentes, percebemos que o projeto é viável”, diz ele. É tão viável que Agenor decidiu expandir as apostas sobre a tecnologia e a levou para outras propriedades que possui no Estado.
Com a adoção da ILPF, o produtor resolveu o problema da falta de comida boa para o gado na época da seca. “O boi fica no período das chuvas numa área restrita, chamada de pulmão. E na seca, quando temos menos disponibilidade de forragens, temos a lavoura. O boi vai então para a roça e acaba comendo o resto das palhadas de milho ou milheto junto com a braquiária ruziziensis (pasto)”, explica. A Fazenda Dona Isabina virou objeto de estudo da Embrapa Agrossilvipastoril, de Sinop, do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/MT).
As instituições compararam os resultados obtidos na fazenda de Agenor com outras de referência na mesma região. A conclusão é que o sistema foi determinante para que a fazenda tivesse lucro no final do período analisado (2005 a 2012), especialmente nos anos em que os preços dos grãos despencaram, como ocorreu em 2010, quando a oferta mundial de soja cresceu 48 milhões de toneladas no ano, pressionando para baixo as cotações do produto.
Pelos cálculos da Embrapa, do Imea e do Senar, para cada R$ 1 investido na fazenda de Agenor, houve lucro de R$ 0,35. Com isso, o Valor Presente Líquido (VPL) foi de R$ 230,21 por hectare na área em que adotou a ILPF. Já a fazenda que adota o plantio convencional de soja no verão e milho no inverno, usada como referência comparativa, teve prejuízo de R$115,97 por hectare.
O indicador considera a receita líquida descontado todos os custos, incluindo juros, remuneração de capital de terceiros e mão de obra. “Com ILPF, há uma diferença na profissionalização da agricultura.O produtor precisa dar conta de tudo o que tem na fazenda, avaliar e calcular de quem e onde vai comprar, por exemplo. Tudo isso impacta nos custos. Ou seja, o sistema exige uma organização muito maior do proprietário”, diz Julio César dos Reis, pesquisador da Embrapa.
A mesma comparação está sendo executada na região nordeste de Mato Grosso com a Fazenda Brasil, que em 2010 implantou a ILPF em 110 hectares, divididos em dez talhões. Depois do plantio da soja até o terceiro ano de início do projeto, o rebanho foi manejado para o terreno da lavoura e ficará nessa área até 2017, quando haverá o corte dos eucaliptos plantados. Depois, haverá novamente o plantio da soja.
Os resultados estão sendo levantados e, conforme projeção dos técnicos, a fazenda terá um retorno de R$ 0,89 para cada R$ 1 investido. O Valor Presente Líquido (VPL) deve ficar em R$ 370,60 por hectare, em comparação aos R$ 113,80 por hectare na fazenda com sistema convencional (soja + milho) usada como modelo para a pesquisa.
Salto da integração
Dono do maior rebanho nacional de bovinos e líder na colheita de grãos do Brasil, Mato Grosso tem tido cada vez mais agricultores entrando na pecuária, e vice-versa. Também cresce o número dos que incorporam ainda a silvicultura na mesma área onde há soja, milho e gado.
Levantamento preliminar realizado por uma consultoria contratada pela Embrapa mostra que os sistemas integrados ocupam uma área superior a 1 milhão de hectares no Estado do Centro-Oeste. Essa marca coloca Mato Grosso no topo do ranking nacional entre os que mais adotam a tecnologia.
O dado oficial, que mostrará a dimensão total da integração no país, será apresentado no próximo mês pelo governo brasileiro durante a Conferência do Clima (COP 22), em Marrakesh, no Marrocos, já que se trata de uma das principais ações para o Brasil atingir a meta de redução dos gases que causam o efeito estufa.
“O número de Mato Grosso veio dentro do que esperávamos. Já tínhamos uma estimativa, que considerava a venda de sementes da braquiária ruziziensis, que é um indicador indireto, porque sabemos que é uma variedade especificamente para a safrinha. Em março deste ano, apontava para 800.000 hectares”,explica o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril Flavio Wruck.
A área com integração lavoura-pecuária (ILP) e com integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) em solo mato-grossense mais que triplicou nos últimos cinco anos (em 2010, era de 300.000 hectares), segundo monitoramento da Embrapa.
Segundo os pesquisadores, hoje a ILPF está espalhada por todo o Estado do Centro-Oeste, mas é nos polos mais fortes de grãos que os produtores têm apostado na alternativa. “Está havendo uma mudança de uso da terra na segunda safra. Às vezes, o produtor não faz integração, não põe boi na mesma área de grãos, mas faz a palhada. Isso está crescendo muito aqui no médio-norte, por exemplo. O lavoreiro está mais consciente de que precisa trabalhar e construir um perfil do solo”, diz o chefe-geral da unidade de Sinop, Austeclínio Farias Neto.
Com mais de 3 milhões de hectares destinados ao cultivo de soja anualmente, o médio-norte mato-grossense é a região que mais planta a commodity atualmente, sendo responsável por um terço do total colhido no Estado. É também uma das regiões com maior índice de produtividade de grãos e a que pode consolidar o maior crescimento da ILPF no futuro, estimam os pesquisadores.
Para Austeclínio, o aspecto técnico tem sido fundamental para o ganho de terreno da ILPF em Mato Grosso. “As vantagens são muitas, há ganhos biológicos com a associação de culturas ao longo do tempo, manutenção da estrutura de solo, principalmente acúmulo de matéria orgânica, e a parte econômica também é muito atraente”, afirma.
“Na integração, se o produtor tem 1.000 hectares e deste total destina 250 hectares para o gado e 750 hectares para grãos, automaticamente fica menos vulnerável à baixa de preços das commodities, e vice-versa. Sem contar os benefícios gerados quando há a incorporação do componente arbóreo (floresta)”, acrescenta.
Os pesquisadores constataram que só com o acúmulo de palhada na área com ILPF promove-se um aumento médio de cinco a sete sacas na produtividade da soja plantada na sequência da braquiária. Outro importante fator que faz a tecnologia se desenvolver no Cerrado é a capacidade de recuperação das pastagens degradadas, afirma o chefe da Embrapa.
Mato Grosso está entre os Estados com mais área passível de reforma. “Se o produtor optar pela reforma convencional, revolvendo o solo e adubando, isso com boi somente, demora muitos anos e não é economicamente viável. Custa de R$ 2.500 a R$3 mil por hectare”, afirma Austeclínio.
Fonte: Globo Rural