Um segmento em crescente expansão principalmente nos Estados Unidos e na Europa pode abrir portas para o Brasil na exportação de produtos orgânicos
Os dois principais consumidores de alimentos livres de agrotóxicos produzem 33% dos produtos consumidos em um mercado que movimenta cerca de US$ 43,3 bilhões nos Estados Unidos e US$ 31,1 bilhões na Europa, com destaque para hortaliças, frutas, alimentos para bebês e substitutos da carne. Os dados, de 2015, são de duas instituições europeias: FiBL (Research Institute of Organic Agriculture) e IFOAM (International Federation of Organic Agriculture Movements).
“O Brasil tem reconhecida competência técnica e forte participação nos mercados internacionais de soja e milho convencionais. Em se tratando de orgânicos, se superados os gargalos de produção, poderíamos assumir uma posição de protagonismo no cenário mundial”, descreve Carlos Thomaz Lopes, sócio-gerente da empresa Grãos Orgânicos, licenciada da Embrapa para a produção da cultivar de milho BRS Caimbé.
No Brasil, segundo dados do Centro de Inteligência em Orgânicos, da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura), a área plantada com orgânicos chega a 750 mil hectares, sendo que o País ocupa a 12ª posição entre os principais produtores e a quinta posição entre os países emergentes, atrás de Uruguai e Argentina. “Estima-se que o mercado apresenta crescimento de 20% ao ano. Hoje são 11.800 produtores certificados e as vendas totais chegaram a R$ 2,5 bilhões em 2016”, apresenta Thomaz.
Em se tratando de milho, o empresário afirma que a área plantada estimada está em 3.300 hectares, o que representa apenas 0,018% das lavouras ocupadas pelo cereal no País. “Nos Estados Unidos, essa relação é 10 vezes maior. No Brasil, o avanço da produção de grãos orgânicos ainda enfrenta resistência por receio dos produtores em relação à conversão da produção convencional para o modelo orgânico”, explica.
A produção orgânica é normatizada por Lei Federal (Instrução Normativa Nº 46 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Segundo Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do Mapa, a carência de cultivares apropriadas para o sistema orgânico de produção é o maior problema enfrentado pelos agentes que atuam na cadeia de orgânicos. “Temos que fortalecer instituições que trabalham com melhoramento, já que existe a necessidade de adaptação das sementes em nível regional, e motivar agricultores que queiram ser multiplicadores dos materiais dentro do sistema orgânico. É uma questão estratégica, de segurança nacional”, explica.
No caso da cultivar BRS Caimbé, o sistema orgânico de produção é bastante complexo. “Nosso objetivo é aliar eficiência técnica e econômica com equilíbrio e respeito à biodiversidade”, resume o técnico agrícola Virgínio Gonçalves, da Embrapa Milho e Sorgo. Segundo Walter Matrangolo, pesquisador da mesma Empresa, os principais desafios da pesquisa em Agroecologia estão na busca de mais recursos financeiros para a geração de resultados; no fortalecimento dos processos de produção, intercâmbio e comercialização das sementes; na integração de saberes; e na aproximação entre os conhecimentos tradicional e científico.
Armazenamento das sementes é etapa bem-sucedida
Outro problema enfrentado pela equipe durante as etapas de produção da cultivar BRS Caimbé foi durante o armazenamento de sementes, quando a qualidade deve ser mantida, favorecendo a germinação. Na agricultura convencional são usados inseticidas líquidos, fumigantes voláteis e fungicidas para o controle de carunchos e fungos. Já na agricultura orgânica, pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo testaram com sucesso o produto “Terra de Diatomáceas”, um pó inerte proveniente de algas fossilizadas, em que o dióxido de sílica é o ingrediente ativo. O produto é pouco tóxico e, no caso das sementes de milho, é aplicado por polvilhamento e mistura nos grãos, antes do armazenamento na câmara fria.
Com produtos comerciais registrados no Ministério da Agricultura, pesquisadores comprovaram a eficácia do pó no controle de pragas. “O inseticida natural não interfere na parte fisiológica ou germinativa das sementes. Com aplicação de um quilo por tonelada de milho armazenado, associada à refrigeração em câmara fria, o índice de sementes infestadas foi insignificante, o que mostra a eficácia e a segurança do produto”, explica Marco Aurélio Pimentel, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo. Segundo ele, o mecanismo de ação é por abrasão ou desgaste da cutícula do inseto, provocando perda de água e morte.
Na condução do campo de produção de sementes orgânicas da cultivar BRS Caimbé, localizado no município de Fortuna de Minas-MG, a equipe vem ainda realizando diálogos sobre a instauração de uma área livre de transgênicos. As características da região, de topografia acidentada, ajudam a atividade orgânica por causa das defesas naturais e da diversidade da flora e da fauna, na visão do empresário Carlos Thomaz. “O relevo acidentado, seus refúgios e matas configuram um poderoso bloqueio contra a polinização cruzada com milhos transgênicos, uma das grandes dificuldades do produtor de milho orgânico”, conclui.
Integração entre instituições
O CVT Guayi (Centro Vocacional Tecnológico em Agroecologia e Produção Orgânica), que tem como gestora a UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei), e como instituições colaboradoras a Embrapa Milho e Sorgo e a Epamig, além da Emater-MG e da Fundação Zoobotânica-MG, tem atuação na área de produção de sementes orgânicas da cultivar BRS Caimbé.
Segundo o pesquisador Walter Matrangolo, a ampliação da comercialização das sementes orgânicas enfrenta grandes desafios, como o controle de plantas espontâneas, a manutenção e a ampliação da fertilização do solo e o risco de contaminação pelo pólen de milho transgênico. “Esses desafios têm impulsionado o diálogo com diversos parceiros na busca de soluções”, afirma.
Uma dessas soluções é o uso de agentes de controle biológico de pragas, como as vespinhas Trichogramma, que atuam no controle da lagarta-do-cartucho em sua fase inicial. “As vespinhas foram liberadas nos campos de milho em Fortuna de Minas e complementam o controle biológico natural, promovido por um grande número de outras espécies de agentes de controle biológico já presentes nas matas da região”, explica o pesquisador.