“Os centros de pesquisa padecem até com a falta de papel higiênico”, critica o diretor da SNA Alberto Figueiredo, ao comentar sobre a crise econômica no Brasil e a consequente falta de dinheiro para investir nos centros pesquisas do País.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) alerta, em seu mais recente relatório – intitulado “O estado da alimentação e da agricultura” – que as mudanças climáticas, principalmente, podem afetar a produção agropecuária em todo o mundo. O órgão internacional estima que entre 35 milhões e 122 milhões de pessoas podem entrar para a faixa de pobreza, até 2050, e isto se deve, sobretudo, aos impactos negativos do aquecimento no setor agrícola em todo o planeta. O documento foi publicado na segunda-feira, 17 de outubro, após o Dia Mundial de Alimentação, comemorado no domingo (16).
A produção brasileira no campo também vem sentindo os impactos do clima. Associado a este fator, a crise econômica nacional, que levou à falta de dinheiro para novos investimentos, também preocupa o segmento do agronegócio, especialmente porque o baixo orçamento está afetando a área de pesquisas.
“Infelizmente, justo na hora em que seria necessária a intensificação das pesquisas, que buscam soluções alternativas para o meio rural, o Brasil esbanja recursos escassos em atividades supérfluas, em todos os níveis, como alugar espaços para grandes comerciantes nas centrais de abastecimento, ou na pulverização administrativa de sistemas de ensino, por exemplo. Enquanto isso, os centros de pesquisa padecem até com a falta de papel higiênico”, critica o diretor da Sociedade Nacional de Agricultura Alberto Figueiredo.
Em sua opinião, “faltam administradores públicos corajosos e capazes de fazer contas simples de receitas e despesas, sem terem de preservar apaniguados em funções inúteis”.
COMPLEXIDADE
Em relação aos problemas climáticos, o diretor destaca a necessidade urgente de admitir que “a responsabilidade é de todos e não somente do agro”.
“A questão climática, conforme relatos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), é muito mais complexa, pois interfere tanto no processo de produção de alimentos quanto no comportamento das espécies de animais, atingindo a humanidade como um todo”, destaca Figueiredo, que também representa a SNA como membro da Câmara Setorial do Leite e Derivados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Figueiredo lembra que, em agosto passado, a Embrapa promoveu, em seu Centro Nacional de Pesquisas em Meio Ambiente (Jaguariúna-SP), um encontro de pesquisadores sobre o tema “mudanças climáticas”, vindos das mais variadas instituições nacionais e estrangeiras.
“Segundo o pesquisador Eduardo Assad (da Embrapa Informática Agropecuária-SP), ‘o planeta não está ameaçado, nós é que estamos, a humanidade’. Ele ainda ressaltou que a fase de discussão passou, cabe agora buscar soluções”, cita o diretor da SNA.
Em sua análise, também menciona o alerta do pesquisador Caio dos Santos Coelho, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe), que também participou do encontro da Embrapa.
“O cientista abordou a questão da água e suas consequências para o abastecimento humano, para a irrigação e para a geração de energia. Ele apontou a falta de manutenção de mananciais e nascentes, além do manejo do solo, como vilões para a crise hídrica.”
SOLUÇÕES
Ainda se referindo ao mesmo encontro da Embrapa, Figueiredo relata que “o professor de Agrometereologia Paulo Sentelhas, da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo), chamou a atenção para os índices de produtividade das lavouras, colocando o clima com 50% do impacto”.
“Outra solução, apresentada por Solismar Venzke Filho (consultor de P&D da empresa Microgeo), diz respeito ao uso da adubação biológica, com o objetivo de aumentar a relação solo-planta, em função do aumento da porosidade, promovendo maior produtividade”, destaca o diretor da SNA.
“Alexandre Heinemann (da Embrapa Arroz e Feijão-GO) alerta para a necessidade de adequação da época de plantio, como forma de diminuir os impactos dos fatores climáticos adversos. No campo da pecuária, segundo a pesquisadora Lucimara Chiari (da Embrapa Gado de Corte-MS), ‘a elevação da temperatura em três graus centígrados, pode promover perdas de 25% da capacidade de pastoreio, além de incrementar o aparecimento de parasitas importantes, reduzindo a produtividade’.”
Figueiredo também salienta que “a cada três bifes consumidos no mundo, um vem do Brasil”, daí a importância da pecuária nacional. “A mesma pesquisadora informou sobre a necessidade de adotarmos sistemas integrados de produção pecuária, com lavouras e florestas.”
AJUDA AOS PEQUENOS PRODUTORES
Perto da realização da 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, marcada para começar no próximo dia sete de novembro, em Marrocos, o relatório da FAO também indica que o sucesso das mudanças da agricultura em todo o mundo depende, em grande parte, da ajuda oferecida aos pequenos proprietários, especialmente com informações sobre a própria adaptação às mudanças do clima.
O diretor da SNA volta a dizer que “a responsabilidade pela redução do impacto das mudanças climáticas é de todos: dos produtores rurais grandes, médios e pequenos, e da sociedade em geral, que vive nas cidades”. A dificuldade, no entendimento de Figueiredo, é a falta de informação/orientação por parte dos “órgãos supostamente competentes”.
Para exemplificar o entrave, ele cita um problema pessoal recente: “Estou com uma área marginal em um ribeirão para fazer reconstituição ambiental. Fiz, pelo menos, uns 20 telefonemas para autoridades teoricamente responsáveis. Mas foi somente por meio de uma profissional amiga que consegui a informação da existência de uma associação de extratores de areia que, por força de um termo de ajuste de conduta, mantém um viveiro de mudas para doação”.
Ele ainda comenta que receber “orientação sobre as espécies mais indicadas, tratos culturais, etc., acredito que devo esquecer”. “As ‘autoridades competentes’ não sabem como ajudar quem tem um pouco de conhecimento. Então, o que esperar dos produtores desinformados?”, questiona Figueiredo.
“O maior problema é que o poder público não está articulado para orientar, muito menos para fomentar mudanças de atitude”, critica Figueiredo.
Por equipe SNA/RJ