Entendendo a operação “Carne Fraca” deflagrada pela PF e quais os possíveis impactos na economia brasileira.
Antes de mais nada, quando dizemos que a “Pecuária é forte, mas a carne é fraca”, não estamos nos referindo tão somente a qualidade da carne, fruto de um processo industrial da cadeia produtiva, tão discutida ultimamente nos veículos de comunicação por todo país, mas também queremos nos referir ao dito popular, expressão retirada da bíblia que representa a dificuldade de se resistir a certas tentações, usada para justificar ou se desculpar por um erro cometido.
Realmente é difícil entender como a atitude de certos indivíduos pode causar um dano imensurável a um setor que trabalha intensamente para aprimorar seus serviços, investe milhões em tecnologia e ainda consegue manter a simplicidade da vida no campo.
Segundo os números informados pela ABIEC no relatório anual de 2016, o produto Interno Bruto (PIB) do Brasil chegou a R$5,9 trilhões em 2015, registrando queda de 3,85% sobre o resultado anterior. O PIB do agronegócio alcançou R$1,26 trilhão, representando 21% do PIB total brasileiro. Já o PIB da pecuária chegou a R$400,7 bilhões, 30% do agronegócio brasileiro.
Em 2015, o saldo da balança comercial brasileira foi de US$19,69 bilhões. As exportações do agronegócio, que atingiram US$88,22 bilhões, contribuíram para o saldo positivo do setor, que por sua vez foi fundamental para o saldo positivo da balança comercial brasileira.
A cadeia produtiva da pecuária do Brasil movimentou mais de R$483,5 bilhões em 2015, registrando um crescimento de mais de 27% sobre o ano anterior. Já as exportações de carne bovina geraram receita de US$5,9 bilhões em 2015, representando recuo de 17% frente ao ano anterior, em função de problemas de ordem conjuntural em alguns dos principais mercados compradores da carne brasileira. Mesmo assim, as exportações de carne bovina representaram, em receita, 3% de tudo o que o Brasil exportou em 2015.
Os números não mentem, a pecuária brasileira é muito forte, mas infelizmente será afetada pela “carne fraca” de alguns indivíduos que não conseguem resistir as atentações financeiras.
Vamos a um breve resumo sobre os acontecimentos
A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta sexta-feira (17) a Operação “Carne Fraca” para combater o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura em um esquema de liberação irregular de licenças para frigoríficos. Entre as empresas investigadas estão alguns dos maiores frigoríficos do Brasil, como BRF e JBS, dono de Big Frango e Seara Alimentos.
Aproximadamente 1.100 policiais federais estão cumprindo 309 mandados judiciais — 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão em residências e locais de trabalho dos investigados. Também há ações de busca e apreensão em empresas supostamente ligadas ao grupo criminoso. A PF informou tratar-se da maior operação já realizada na história da instituição.
Entre os 26 presos preventivamente estão o vice-presidente da BRF, José Roberto Pernomian Rodrigues, o gerente de relações institucionais e governamentais da BRF, Roney Nogueira dos Santos, e o executivo do grupo JBS Flavio Cassou.
A PF detectou, em quase dois anos de investigação, que as superintendências regionais do Ministério da Pesca do Paraná, Minas Gerais e Goiás atuavam diretamente para “proteger grupos empresariais em detrimento do interesse público”.
Segundo a PF, os agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo e após receber propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem que houvesse qualquer fiscalização efetiva.
Entre as ilegalidades praticadas, de acordo com a PF, “denota-se a remoção de agentes públicos com desvio de finalidade para atender interesses dos grupos empresariais”. Para os investigadores, essa conduta permitia a continuidade dos delitos atribuídos frigoríficos e empresas do ramo alimentício.
A pedido da PF, a Justiça federal determinou o bloqueio de R$ 1 bilhão em contas correntes e valores dos investigados.
Foram identificadas provas suficientes para enquadrar os acusados em crimes de adulteração de produtos alimentícios, associação criminosa, peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Envolvimento político
Segundo a Polícia Federal, a propina paga aos fiscais acabava alimentando os cofres de PP e PMDB. A polícia, no entanto, ainda não conseguiu estabelecer por que essa divisão acontecia. Um dos envolvidos no caso é o ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB- PR). Ele aparece em grampos interceptados pela PF, conversando com Daniel Gonçalves Filho, fiscal agropecuário e líder do esquema criminoso. Na época, Serraglio ainda não era ministro, e a PF, apesar dos telefonemas, não encontrou indícios de crime em sua conduta. Nas interceptações, também foram citados outros parlamentares do PMDB do Paraná – como o deputado federal Sérgio Souza, da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Impactos na exportação
As autoridades da Europa querem explicações por parte do Brasil em relação às revelações sobre a corrupção nos certificados de carne no País. O bloco europeu, que importa o produto nacional, pediu esclarecimentos sobre o que as investigações apontaram e se as vendas ao exterior também tem sido alvo de propinas por parte de empresas.
Uma reunião entre o Mercosul e a UE está marcada para ocorrer no final deste mês em Buenos Aires, com o debate sobre as ofertas de liberalização entre as duas partes e, em especial, a situação sanitária do comércio. Mas fontes brasileiras confirmaram ao jornal O Estado de S. Paulo que, antes disso, uma reunião de emergência deve ocorrer entre as partes na próxima semana.
De acordo com a Comissão Europeia, seu sistema de identificação de eventuais problemas nos alimentos importados não registrou qualquer alteração na carne nacional por dois anos. “Até o momento, não registramos nenhuma irregularidade com certificados de saúde relacionados com a carne do Brasil desde 2015”, disse a porta-voz, indicando que deverá ter novas informações sobre os contatos bilaterais nos próximos dias.
Pressão
Desde sexta-feira, a Comissão passou a ser pressionada pela Confederação Europeia de Produtores Agrícolas que pretende usar o caso das propinas no Brasil para tentar impedir um acordo com o Mercosul e mesmo um aumento de exportações nacionais.
Para a entidade, o Brasil não tem o mesmo padrão de segurança alimentar que a Europa e um acordo entre europeus e o Mercosul não pode prever uma maior abertura comercial enquanto as condições não sejam iguais nos dois lados do Atlântico.
“Essa diferença de qualidade ficou clara pelo caso no Brasil, no qual mais de 30 representantes de alto escalão do setor agroalimentar foram presos por não atender às exigências veterinárias no setor de carnes”, disse o secretário-geral das cooperativas agrícolas da Europa, Pekka Pesonen.
No ano passado, os dois blocos comerciais apresentaram uma lista do que poderiam abrir em termos aduaneiros. Mercosul liberaria o setor industrial, e a Europa reduziria tarifas para as exportações agrícolas dos países sul-americanos.
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O que dizem os especialistas
“Nunca vimos nada parecido antes no setor. Em termos de escândalo, nunca aconteceu nada semelhante. É a primeira vez que se identifica e se dá nome às pessoas. Isso é horripilante”, disse Alex Lopes da Silva, analista especializado no mercado pecuário da Scot Consultoria.
“É uma denúncia bastante grave. Tem órgãos federais de fiscalização sendo corrompidos, isso abre muita possibilidade para o Brasil sofrer algum tipo de impacto… Mancha todo um sistema que o Brasil está construindo há anos de que tem um processo de produto bem feito”, afirmou Silva.
O Brasil começou a exportar carne para a Europa no início dos anos 2000 e apenas no ano passado conseguiu aprovação para embarcar carne bovina in natura aos Estados Unidos, um dos mercados mais exigentes do mundo em termos de qualidade de produtos alimentícios.
As exportações de carnes do Brasil (bovina, suína e de frango) subiram de cerca de 2 bilhões de dólares em 2000 para aproximadamente 14 bilhões de dólares no ano passado.
O analista de pecuária do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, Sérgio De Zen, foi na mesma linha, apostando que o escândalo poderá ser aproveitado para imposição de dificuldades às exportações brasileiras de carne. “Vai ter países aproveitando? Vai. Mas o impacto disso não vai ser tão grande como seria se eles descobrissem lá fora o problema. Quem está apontando o problema é o [próprio] Brasil”, disse De Zen.
Na avaliação de De Zen, eventuais embargos externos à carne brasileira deverão ser por curto espaço de tempo. Ele lembrou que importantes importadores, como europeus e russos, mandam missões próprias para fiscalizar o sistema sanitário do Brasil, o que faz com que grandes unidades exportadoras eventualmente fiquem menos sujeitas a sofrer embargos.
“O importador mais exigente geralmente manda fiscalização aqui, ele não aceita qualquer coisa, ele fiscaliza antes de começar a importação, é um processo diferenciado”, acrescentou, defendendo uma reformulação do sistema de fiscalização sanitária do Brasil e a criação de uma agência independente de fiscalização.
Além do impacto para o setor carnes, a operação da PF poderá ter repercussões nos preços dos grãos, afirmou o presidente da AEB, associação que reúne os exportadores brasileiros, José Augusto Castro.
Segundo ele, produtos como milho e soja, com forte presença na pauta exportadora brasileira, devem ter uma redução de preços no mercado global, na avaliação do dirigente. “Se o Brasil reduzir a quantidade (de carne) exportada, principalmente o frango que consome muita ração, vamos deixar de transformar soja e milho em farelo; vai ter que colocar isso no mercado externo e com oferta maior isso pode derrubar o preço (dos grãos)”.
As ações de JBS e BRF despencaram nesta sexta-feira e lideraram as perdas do Ibovespa. A JBS afundou 10,59%, maior queda desde outubro de 2016. BRF desabou 7,25%, pior desempenho desde fevereiro. Também do setor, Marfrig; e Minerva, caíram cerca de 2% cada.
A BRF informou em comunicado ao mercado que “cumpre as normas e regulamentos referentes à produção e comercialização de seus produtos, possui rigorosos processos e controles e não compactua com práticas ilícitas. A BRF assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garante que não há nenhum risco para seus consumidores, seja no Brasil ou nos mais de 150 países em que atua”.
Já a JBS afirmou também em comunicado divulgado mais cedo que a empresa e suas subsidiárias “atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e à comercialização de alimentos no país e no exterior e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas”. A empresa divulgou um novo comunicado na noite desta sexta-feira, afirmando que “nenhuma fábrica da JBS foi interditada (…) A JBS não compactua com desvios de conduta e tomará todas as medidas cabíveis”.
Fontes: G1, R7, Beef Point, Scot Consultoria com edição e ajustes do portal Agronews.