Quando ele estava no antigo colegial (hoje, ensino médio), na pequena cidade de Socorro – região leste de São Paulo, quase na divisa com o sul de Minas –, a professora de matemática, dona Delfina, sugeriu que ele fizesse faculdade na área de Exatas. Era muito bom em matemática. Ele agradeceu o conselho, mas retrucou que queria fazer Ciências Agrárias, pois era ali que vislumbrava uma atuação “mexendo com fazenda”. A professora ainda tentou que a mãe do aluno o convencesse. Não adiantou. O rapaz estava determinado a seguir carreira no campo, onde, aliás, cresceu, ajudando o pai numa chácara onde se plantava café, tirava-se leite de algumas vacas e criavam-se galinhas e porcos.
Sorte da pecuária brasileira. O aluno em questão, Moacyr Corsi, tornou-se professor e há bastante tempo é principal referência no País quando o assunto é intensificação da produção na área de pastagens. E o que a matemática tem a ver com isso? Muita coisa. Fazer contas e questionar a coerência dos números são elementos fundamentais para se mensurar resultados da aplicação de tecnologia, especialmente a rentabilidade do negócio, algo que Corsi vem fazendo há pelo menos 40 anos.
Provar que a rentabilidade obtida com a pecuária de corte pode ser maior do que a de soja ou a de cana, por exemplo, é um dos temas preferidos desse paulista de 73 anos, nascido na mesma Socorro, e formado em agronomia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Esalq, da USP de Piracicaba, onde é professor titular, hoje aposentado do Departamento de Zootecnia.
A fama de mestre abrigada na mente de centenas de alunos que ali ser formaram é compartilhada com Vidal Pedroso de Faria, seu companheiro de jornada no mesmo Departamento de Zootecnia, este mais voltado à pecuária leiteira. É ao colega que Corsi credita a percepção de que o aluno que estava sendo formado na universidade, no final dos anos 60, não tinha condições de enfrentar os desafios que encontraria nas fazendas. Com Vidal criou o CPZ – Clube de Práticas Zootécnicas, um dos mais antigos da escola, embrião de uma difusão de tecnologia baseada na formação de um profissional mais consciente de suas responsabilidades. Ali, os alunos tinham de “aprender fazendo”: construir cercas, roçar pasto com invasoras, ordenhar vacas…
Hoje, essa turma está posicionada à frente de vários projetos de porte da pecuária; muitos comandam renomadas consultorias e outros tantos trabalham em grandes empresas, disseminando pelo Brasil conceitos importantes de intensificação nas duas atividades. Mestre em agronomia de forrageiras pela Universidade Estadual de Ohio, leste dos EUA, Corsi fez doutorado no Brasil (Ciência Animal, na Esalq), outro nos EUA (Agronomia, em Ohio), sempre em estudos voltados para sistemas de produção com base na pastagem. “É preciso integrar estudos, porque são muitas as variáveis que influenciam um sistema produtivo”, ensina ele.
Veja a seguir, os principais pontos da entrevista que concedeu aos jornalistas Maristela Franco e Moacir José, no estúdio da DBO em São Paulo.
Moacir– Há mais de 30 anos o senhor é, juntamente com o professor Vidal, um defensor veemente do pastejo rotacionado. Foi aí que começou processo de intensificação da pecuária brasileira?
Moacyr Corsi – Sim, começou com o pastejo rotacionado. Por causa disso, já ouvi algumas vezes que eu teria sido um visionário, por ter pregado a intensificação há 30 ou 40 anos. Não tem nada de visionário nisso. Quando você analisa a produção, sabe onde pode chegar. Aliás, o pesquisador tem obrigação de analisar informações, consolidá-las e ver onde está o elo mais fraco e ligar essas informações no sistema de produção.
Maristela – Sua viagem aos Estados Unidos trouxe alguma contribuição especial?
Corsi – Trouxe muito, exatamente na parte de análise de informações. Eu costumo dizer que mestrado basicamente ensina você a interpretar corretamente informações. Depois, você integra essas informações na sua atividade.
Moacir – Mas nos Estados Unidos tem esse conceito do rotacionado?
Corsi – Tem. Foi de lá que tirei os conceitos básicos sobre o sistema. E aqui faço um esclarecimento: as pessoas pensam que, quando voltamos de um aprendizado no Exterior, trazemos e vamos tentar introduzir aqui aplicações práticas do jeito que estavam colocadas lá. Não, não é assim. Ajustes precisam ser feitos. Por isso, o que interessa, de fato, é o conceito, o conhecimento básico. Quando você estuda a fisiologia da planta forrageira, percebe que essa técnica pode ser aplicada também no pastejo contínuo, com produtividade semelhante. Mas quando você começa a elevar a produção a níveis mais altos, não consegue aplicá-la no sistema contínuo, porque é necessária uma atenção muito frequente no pasto, que muda a toda hora, te obrigando a alterar a taxa de lotação conforme aquilo que está fazendo. No rotacionado, é muito mais fácil. Por causa da estacionalidade de produção, que te permite conservar forragem que foi produzida em excesso em determinada época do ano – no nosso meio, de dezembro a janeiro, no período das águas.
Maristela – E o conceito do rotacionado em “dobradinha” com a adubação, surgiu depois?
Corsi – A adubação é um complemento, porque, com uma taxa de lotação maior, a retirada de nutrientes do solo é muito maior. E você precisa fazer com que essa planta tenha uma rebrota vigorosa, só de folhas, um período de descanso o mais curto possível, para aproveitar ao máximo o período das águas, quando a produtividade da planta é maior. Quanto mais folhas, maior quantidade de nutrientes é extraída. Aí, o pessoal diz: ah, mas tem uma grande reciclagem de nutrientes, por causa do esterco, da urina. É verdade, só que a distribuição desses nutrientes por parte dos animais é muito irregular; não pode contar só com isso.
Maristela – Antes de levar essa técnica aos produtores, vocês a testaram na escola?
Corsi – Sim, nós trabalhamos com ela muito tempo antes. Aliás, esse é um ponto muito importante: a gente tem que ter convicção das tecnologias; ter plena consciência de que vai dar certo. E se não der certo, saber, rapidamente, qual o motivo. Não dá para testar alguma ideia junto com o produtor, porque ele está gastando tempo e dinheiro.
Moacir – Depois de 30 anos dessa pregação, ainda é uma minoria ue faz o rotacionado?
Corsi – Infelizmente, é. Mas está crescendo.
Maristela – Dá para fazer um balanço do que já se conseguiu?
Corsi – Não tenho números, mas hoje é muito frequente, em palestras e outros encontros, o produtor querer saber como faz, como vai executar. Já houve uma mudança de mentalidade, muito significativa. Há produtores que percebem rapidamente que esse é o caminho, querem dobrar a área. Normalmente, precisamos dizer: “Vamos devagar, porque, se não, teremos problema lá na frente.
Moacir – Segurar esse ímpeto do produtor é a maior dificuldade?
Corsi – Sim. Sempre dizemos que ele é que determina o tamanho,mas a gente nunca deixa que ele faça, de cara, uma área muito grande; no máximo, de 6 a 10% da propriedade. Por que isso? Porque quando ele começa com uma área menor, ele tem capacidade de gerenciar aquele processo com muito mais facilidade.
Moacir – O que é mais difícil para o pecuarista no pastejo rotacionado?
Corsi – É muito frequente haver perda de forragem. Pasto rapado perto da aguada; pasto sobrando longe dela. O pecuarista pensa que a perda só ocorre onde o pasto está alto e não foi consumido; mas a perda é também onde o pasto está rapado, porque nunca deixou a planta atingir, naquele lugar, o seu potencial de produção. Ele perde nos dois extremos. Então, não tem sentido começar a produzir mais, se você ainda está perdendo. Precisa acertar o manejo antes, fazer com que a planta tenha um resíduo pós-pastejo que permita a rebrota rápida. Como saber se o funcionário está fazendo o manejo certo? Pelo ganho de peso dos animais. É uma das coisas que sempre proponho ao pecuarista: comece a pesar os animais, porque essa é a principal variável que permite saber se o manejo está sendo bem- -feito ou não.
Maristela – Ainda existe resistência à adubação, não?
Corsi – Sim, bastante. O curioso é que o pecuarista começa a fazer, a resposta é muito boa, e, depois de um certo tempo, ele para. Porque acha que já está muito bom, que atingiu a meta a que se propunha e está satisfeito. Aí, a queda de produtividade é brutal, porque você está com taxa de lotação muito alta. A taxa de lotação, por sinal, é a variável que mais alavanca a produtividade.
Moacir – Em quanto, por exemplo?
Corsi – Se você considerar que é a média brasileira de ganho de peso por animal está em torno de 400 gramas/dia, o ano todo, e conseguir elevá-la para 700 gramas/dia, o que é muito bom num sistema a pasto, isso significa 75%. Mas quando você pega a base da produtividade, que são 5@/ ha/ano, e a multiplica por esses 75%, você chega a 8,7@. O que não é sustentável, pois isso (com a arroba a R$ 158, a preços de 14 de junho, em SP) equivale a 18 sacas de soja (R$ 75/sc), menos da metade do custo de produção de uma lavoura, que é de 40 sacos por hectare. Então, se engana quem está produzindo 12@/ha e acha que está bom. Não está. Precisamos começar a produzir mais, algo como 30@/ha/ano.
Maristela – O que mais os produtores não estão fazendo a contento?
Corsi – Eles têm medo do período seco, porque têm de suplementar os animais. Mas isso depende de organização. Se não quero tratar os animais, tenho de organizar minha compra, a partir da venda dos animais que estão na fazenda, sabendo quanto ganham por dia no período das águas, quanto ganham no outono, quanto ganham no período seco. Compro o animal agora, projeto o ganho de peso dele e sei quando vou vendê-lo. Para evitar que sejam tratados no cocho, vendo a maior parte no final do período das águas, em março e abril. Aí você fala: “Mas essa época é ruim, porque todo mundo está colocando gado no mercado.” Ora, depende do custo. Meu custo é muito baixo quando faço a engorda no pasto. Na minha propriedade, poucos animais são suplementados: 20, 30, não passam de 50. São exatamente aqueles nos quais quero pegar um preço melhor, vendendo agora. Ficariam prontos no início das águas, mas quero colocá-los à venda agora, com o resto do lote da seca, porque tenho oportunidade de comprar de forma mais favorável (preço e qualidade) animais de reposição no final do período seco.
Fonte: Revista DBO 429