Em entrevista exclusiva ao portal AGRONEWS BRASIL, o produtor Roberto Jank Jr., Diretor da Agrindus S.A, faz uma análise sobre a CRISE DO LEITE e dá dicas importantes para enfrentar os desafios da atividade leiteira.
Com uma produção anual média de 22 milhões de litros de leite, a Fazenda Agrindus, em Descalvado, SP, ocupa o 3º lugar no ranking das maiores produtoras do Brasil, de acordo com o levantamento Top 100 2017.
Desde o início de sua história na atividade, em 1945, a Agrindus sempre optou por estratégias de agregação de valor à matéria-prima. Na década de 90, iniciou a produção de leite tipo A e, em 2006, criou sua própria marca: Letti. Hoje, a linha possui uma variedade de produtos com certificação Kosher (selo BDK), comercializados em nichos de mercado diferenciados.
A Agrindus tem grande atenção com o uso racional dos recursos naturais, o que pode ser visto nas práticas de reuso da água, manejo de dejetos e reciclagem de nutrientes. Outro ponto de destaque é o conforto dos animais nas diversas fases de criação. Segundo Roberto, “bem-estar animal é o principal investimento que um produtor deve fazer em sua propriedade”.
Atualmente são donos do maior rebanho holandês registrado no Brasil. A Agrindus possui 1,7 mil vacas em lactação, e produção média diária de 60 mil litros de leite, que são processados e comercializados pela própria fazenda através da marca LETTI. No total a fazenda possui um rebanho de 3,6 mil fêmeas holandesas entre jovens e adultas, todas elas puras de origem, com pedigree na Associação Brasileira da Raça Holandesa.
AGRONEWS: Sr. Roberto, diante das manifestações de vários produtores de leite, que indignados com a atual política de preços praticados no país, gravaram depoimentos narrando sobre a crise que perdura no setor leiteiro, a que o senhor atribui a baixa renda na atividade leiteira?
ROBERTO JANK JR.: “A variação da renda está relacionada à desajustes entre oferta e demanda. Como não temos salvaguardas, o leite importado de forma pontual, desnecessária e irresponsável, usualmente dispara o gatilho da queda de renda para todo o setor e não apenas para o setor primário”.
AGRONEWS: Pelos últimos números do setor, houve uma diminuição do consumo de leite no país, essa é uma realidade?
ROBERTO JANK JR.: “É fato, especialmente nos queijos e iogurtes, que vinham com acréscimos recordes até 2014 na produção e consumo. Esse tema esta totalmente relacionado com a queda de emprego e renda da população e atinge os produtos sensíveis à elasticidade de renda. Porém, o mercado se ajusta e o Brasil estabilizou ou decresceu a produção entre 2015 e 2018; se continuasse com as taxas de crescimento observadas entre 2000 e 2014, o setor estaria um CAOS”.
AGRONEWS: Um dos pontos apontados pelos produtores foi o aumento da importação de leite em pó, como isso impactou a nossa produção?
ROBERTO JANK JR.: “A meu ver o pior problema atual. Por motivos alheios a demanda interna, importamos um recorde histórico de 13,5 mil toneladas apenas da Argentina entre outubro e novembro de 2018. O motivo foi apenas a maxi desvalorização Argentina, cujo desajuste cambial proporcionou uma vantagem comparativa financeira pontual que beneficiou apenas meia dúzia de traders”.
O leite era necessário? “A resposta é não. Estamos com consumo em queda e excedentes de produção interna. Um desajuste cambial de 2 ou 3 meses deixa sequelas graves no setor e atinge a todos, especialmente produtor e indústria”.
O consumidor sai beneficiado? “A resposta é não; em um futuro próximo o consumidor paga com juros esse desestimulo pontual que tumultua a estabilidade da cadeia láctea”.
AGRONEWS: Sobre o rigor na exigência de qualidade por parte das indústrias, como isso influência na política de preços?
ROBERTO JANK JR.: “No longo prazo esse é o grande divisor de aguas para passarmos da segunda para a primeira divisão como país produtor de leite. Não somos nós que estamos certos e o resto do mundo errado; é o contrario. Ainda não fomos capazes de barrar leite de baixa qualidade no portão das fabricas e implantar a instrução normativa com efetividade. Sem isso, não haverá evolução. A boa notícia é que, de forma inédita, o lançamento de 3 marcas de leite UHT sem estabilizantes pode significar uma luz no fim do túnel, sinalizando demanda por mais qualidade na matéria prima. Pode ser o inicio de um circulo virtuoso”.
AGRONEWS: Quanto a legislação em vigor e as políticas públicas para a categoria, qual a sua avaliação?
ROBERTO JANK JR.: “A experiência mostra que quanto menos governo, melhor. Porém o governo precisa exercer seu papel de normatizador e fiscalizador. Não só da qualidade mas também dos parâmetros de desajuste das importações excessivas, que eventualmente podem ser deletérias para o Brasil”.
AGRONEWS: Para finalizarmos, gostaria que o sr. deixasse as suas sugestões, estratégias e dicas para que os demais produtores possam vencer estes momentos de crise e continuar na atividade leiteira.
ROBERTO JANK JR.: “A meu ver, o melhor caminho é o estabelecimento de cotas de importação. No período em que comprovamos os danos por subsídios, dumping e estabelecemos cotas para a Argentina, tivemos o maior crescimento e a melhor evolução técnica da cadeia láctea nacional. É fácil verificar o efeito deletério de importações excessivas, que beneficiam poucos traders mas não beneficiam mais ninguém do restante da cadeia.
Porem, em contrapartida a essa restrição, precisamos eliminar o leite clandestino, exigir fiscalização e normas para a produção, acabar com as fraudes utilizando leite em pó importado e, principalmente, exigir que qualquer financiamento público com recursos obrigatórios, para ser efetivado, esteja acompanhado da exigência ao cumprimento integral da instrução normativa 76. Precisamos evoluir”.
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Por: Vicente Delgado | AGRONEWS BRASIL, com informações da MilkPoint.