Preço mínimo fixado por medida provisória Regra virou lei mas ainda está em xeque
Na próxima 2ª feira (27.ago.2018) o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux realiza audiência pública sobre a fixação de preço mínimo para o transporte rodoviário de cargas. Tramitam na Corte 3 ADIs (Ações de Diretas de Inconstitucionalidade) contra o tabelamento do frete. Fux é o relator das ações.
A audiência acontecerá exatamente 3 meses após a edição da MP 832, que criou o preço mínimo do serviço. Aprovada pelo Congresso, a medida provisória foi convertida na lei 13.703, sancionada em 8 de agosto. O tema ainda não está pacificado.
Em 14 de junho, Fux determinou a suspensão de todos os processos que questionam o tabelamento do frete em instâncias inferiores. Na Suprema Corte, não há previsão de quando o julgamento do tema será encerrado.
Em 13 de setembro, o ministro Dias Toffoli assume a presidência do STF e tampouco há garantias de prioridade ao tema. Por enquanto, vigora a tabela de preços mínimos fixada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em 30 de maio.
Os impactos negativos do tabelamento do frete são tema de debate realizado por 8 entidades da indústria e do agronegócio nesta 4ª feira (22.ago), em Brasília. O Poder360 é 1 dos parceiros na realização do evento. Leia os detalhes aqui.
LEI EM XEQUE
O tabelamento do frete foi uma das reivindicações dos caminhoneiros na greve em maio deste ano. A MP foi editada pelo Planalto em tentativa de encerrar as paralisações. A lei sancionada por Temer no início de agosto “Institui a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”.
A fixação do piso “tem a finalidade de promover condições mínimas para a realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar adequada retribuição ao serviço prestado”, diz a lei.
Segundo o texto, cabe à ANTT desenvolver as tabelas e publica-las a cada 6 meses. Os valores devem refletir os custos operacionais do transporte com maior atenção aos gastos com óleo diesel e pedágios. O piso varia de acordo com a carga transportada, com a distância a ser percorrida e com o número de eixo carregado, por exemplo.
Além disso, a lei estabelece que a definição dos valores conte com a participação de representantes dos embarcadores, dos contratantes dos fretes, das cooperativas de transporte de cargas, dos sindicatos de empresas de transportes e de transportadores autônomos de cargas.
CARTEL E LIVRE CONCORRÊNCIA
As ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) foram movidas por 3 associações: Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil, CNA(Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). Todas têm argumentos em comum: citam que o tabelamento é inconstitucional por ferir a livre iniciativa e concorrência, preceitos constitucionais.
Entendimento semelhante tiveram Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o Ministério da Fazenda em posicionamentos ao ministro Luiz Fux. Para o Conselho, a medida provoca resultados semelhantes aos de formação de cartel (íntegra).
Segundo o Cade, o tabelamento dos preços não beneficia o funcionamento do mercado de transporte de cargas ou o consumidor final, “que arcará com os aumentos de preço decorrentes de tal medida”.
Na nota técnica (íntegra), a Seprac (Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência) afirma que a medida foi tomada “em meio a uma crise de abastecimento sem precedentes, sob alegações de possível locaute e cartelização”.
Os técnicos da Fazenda dizem que o tabelamento prejudica alguns setores, como os produtores agrícolas, que não teriam condições de arcar com o preço do frete.
“Ao reintroduzir o tabelamento em setor aberto à livre concorrência sem a devida análise do impacto que medida terá sobre os demais mercados e, em última análise, sobre o consumidor, não conseguirá assegurar, conforme propôs, a existência digna, conforme os ditames da justiça social”, diz o documento.
COM A PALAVRA, A ANTT
Em parecer ao Supremo (íntegra), a ANTT afirma que os princípios da livre iniciativa e da concorrência não são absolutos. “A Constituição de 1988 prevê a possibilidade de o Estado intervir no domínio econômico”, cita.
Pela lei sancionada, a agência reguladora é a responsável por fixar os valores mínimos do frete. Segundo a autarquia, isso não impede a “intensa concorrência e liberdade de iniciativa no que se refere ao lucro do transportador”. No entanto, a ANTT afirma no documento que a o tabelamento foi uma medida emergencial que pode ser reavaliada.
TUDO É FUNDAMENTAL
O advogado Antono Barbuto, especialista em resolução de conflitos, afirma que o impasse jurídico em questão “é uma bola dividida”. Cita como exemplo a menção do artigo 1º da Constituição nas defesas de entidades favoráveis e também contrárias ao tabelamento do frete.
O inciso 4º do artigo em questão trata como princípios fundamentais “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, dando importância às questões trabalhistas e econômicas. O entendimento é reforçado em artigo específico sobre a atividade econômica.
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”
Barbuto pontua que a defesa do consumidor faz parte da ordem econômica e, portanto, o possível repasse do aumento dos preços dos fretes ao comprador final também é ponto contra o tabelamento.
Outro ponto delicado relacionado à fixação de preço mínimo é o impacto em contratos já firmados. Por exemplo: serviços já negociados e a serem realizados nos próximos meses podem ter valores alterados pela nova regra.
Como precedente para barrar a nova lei, o advogado cita caso julgado no ano passado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Corte acatou recurso do Sindicato dos Práticos dos Portos e Terminais Marítimos do Paraná contra decreto que fixou preços máximos para o serviço de prático prestado nos portos brasileiros.
Segundo o ministro relator, Og Fernandes, o serviço é de natureza privada, entregue à livre iniciativa e concorrência. “Apenas na excepcionalidade é dada à autoridade marítima a interferência na fixação dos preços dos serviços de praticagem, para que não cesse ou se interrompa o regular andamento das atividades, como bem definiu a lei”, disse à época.
Por fim, o advogado lembra o risco de cartelização mencionado pelo Cade. A lei que estabeleceu o tabelamento dos preços determina que a ANTT discuta os valores a serem fixados com os setores envolvidos no serviço. Para o Conselho, isso dá brecha para combinações de preço.
Barbuto afirma que o Cade já condenou o tabelamento de preços em pelo menos outros 3 casos envolvendo serviços médicos, transporte de combustíveis e agências de viagem.
Fonte: Acrimat