A disputa comercial entre os Estados Unidos e a China está reduzindo o fluxo de soja, carne suína e outras commodities das fazendas dos EUA para um dos maiores mercados do mundo
Desde o início de abril, quando a China anunciou tarifas de importação sobre alguns produtos agrícolas dos EUA e ameaçou tarifar outros, importadores chineses cancelaram compras de milho e reduziram pedidos de carne suína enquanto diminuíram drasticamente novas compras de soja, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Novos pedidos por parte dos importadores chineses de sorgo, grão usado na alimentação animal, também caíram enquanto os cancelamentos aumentaram.
A redução no comércio agrícola está provocando nervosismo no cinturão produtor dos EUA. Durante anos, agricultores locais saíram em missões comerciais justamente para cultivar o mercado chinês. “Se nada for resolvido, isso começará a aparecer como um grande buraco nas exportações dos EUA”, disse Soren Schroder, executivo-chefe da Bunge, uma das maiores processadoras e tradings de soja do mundo.
Não há data específica para a maior parte das tarifas que a China ameaça impor, e altos funcionários dos EUA, incluindo o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e o representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, estão em Pequim nesta semana para negociações. Mesmo se um acordo for alcançado, a incerteza criada pela ameaça de tarifas tem sido suficiente para reduzir a comercialização de alguns dos produtos mais negociados.
O rápido crescimento econômico e a crescente classe média da China aumentaram o apetite nacional por carne suína e outras carnes, exigindo enormes quantidades de grãos para ração. Em 2017, a China foi o segundo maior cliente de produtos agrícolas dos EUA, desembolsando quase US$ 20 bilhões.
Na soja, importadores chineses estão adiando novos pedidos dos EUA, incluindo a compra antecipada da safra 2018/2019. O risco de que uma carga enfrentará uma alta tarifa no momento em que for entregue tem feito com que compradores chineses contratem mais grãos dos fornecedores sul-americanos, segundo Schroder, da Bunge. “Se o mercado chinês fechar, isso pode ser devastador para as comunidades locais em todo o Meio-Oeste”, disse o senador Chuck Grassley (Partido Republicano, Iowa), em comunicado.
Compradores chineses contrataram cerca de 255 mil toneladas de soja nos EUA durante a semana encerrada em 5 de abril, de acordo com o USDA, mas novas vendas no restante do mês totalizaram cerca de 11 mil toneladas, uma queda acentuada. Enquanto isso, compradores cancelaram quase 76 mil toneladas em pedidos ao longo do mês. Operações pecuárias e processadores de alimentos na China normalmente mudam suas compras de soja dos EUA para o Brasil e a Argentina no outono do Hemisfério Sul, quando agricultores da América do Sul colhem as safras e seus grãos se tornam mais baratos.
Mas analistas dizem que a relutância da China em fazer contratações antecipadas para as safras norte-americanas indica preocupações crescentes de que tarifas deixem importadores enfrentando perdas em cada embarque. Embora a soja dos EUA entregue na China atualmente custe cerca de US$ 15 por tonelada mais barata que a brasileira, uma tarifa de 25% custaria aos importadores chineses cerca de US$ 100 a tonelada, segundo Ken Morrison, trader de St. Louis.
As únicas tarifas chinesas em vigor até agora são sobre os produtos de carne suína norte-americana, para os quais a China é um dos cinco maiores mercados. Depois que a China impôs as tarifas em 2 de abril, o USDA registrou a maior queda semanal nas vendas líquidas de carne suína para o país desde outubro de 2016. As vendas caíram ainda mais desde então.
Devido ao aumento da oferta de suínos – o volume de presuntos desossados em frigoríficos atingiu o recorde de 86 milhões de libras-peso no início deste ano – e a outro grande abatedouro que deve ser inaugurado ainda este ano, a indústria tem buscado vender mais para a China, não menos. “Com as negociações comerciais, ter muitas incógnitas sobre nossa demanda futura claramente não é uma situação positiva para o mercado de carne suína neste estágio”, disse Jason Roose, vice-presidente da US Commodities, empresa de consultoria de pecuária e grãos em Des Moines, Iowa. A crescente preferência da China pelas safras sul-americanas pode ser um problema para os comerciantes de grãos dos EUA.
Ed Breen, diretor-presidente da DowDuPont, disse na quinta-feira que se a China se afastar das compras de soja dos EUA, mercados crescentes como México, Indonésia, Vietnã e Turquia preencherão o espaço.
Alguns acreditam que a China não conseguirá ficar longe das safras norte-americanas por muito tempo, dadas as imensas necessidades do país. O perigo de longo prazo para agricultores e empresas agrícolas dos EUA, no entanto, é criar uma reputação de ser um fornecedor não confiável, levando outros países a aumentar sua produção agrícola, de acordo com Dan Basse, presidente da empresa de pesquisa AgResource, em Chicago. Com o tempo, isso poderia cortar a participação dos EUA nos mercados agrícolas globais, disse ele. “Nossa maior preocupação é a mensagem que isso envia ao mundo”, disse Basse, observando que agricultores norte-americanos já estão enfrentando uma demanda reduzida por suas colheitas devido à forte concorrência de gigantes agrícolas como o Brasil e a Rússia.
A participação dos EUA nas exportações mundiais de culturas chave como milho, soja e trigo diminuiu em mais da metade desde meados da década de 1970, segundo dados do governo. A soja dos EUA deve representar apenas 37% das exportações mundiais nesta temporada, abaixo dos mais de 70% de três décadas atrás. “O Brasil ainda tem uma abundância de terras para produzir, e os lucros agrícolas aumentariam por lá para desgosto do produtor norte-americano”, disse Basse.
Fonte: Revista Globo Rural