Os desafios que se impõem ao maior produtor de grãos do mundo, o Brasil, no caminho para desenvolvimento econômico e social sustentável foi o mote da sessão científica da Reunião Magna da ABC
No encontro, o presidente da Embrapa, Mauricio Lopes, a secretária adjunta da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, Monica Porto, e o diretor Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Edson Watanabe, falaram sobre a necessidade de se harmonizar o gerenciamento dos recursos hídricos, a produção agrícola e a geração de energia limpa, visando ao sustento da economia e ao bem-estar da população. O Acadêmico e engenheiro agrônomo Elibio Rech Filho coordenou a sessão.
Para os especialistas que compuseram a mesa de debates, os investimentos contínuos em ciência e tecnologia, em uma perspectiva de desenvolvimento econômico-social sustentável, têm garantido os avanços do país em áreas como a agropecuária e a geração de energia. Sob o ponto de vista da agricultura, o presidente da Embrapa, Mauricio Lopes, ressaltou a trajetória de sucesso do Brasil na área de produção alimentar dos últimos 40 anos. “Não foi fácil nos tornarmos um modelo de agricultura para o mundo. Somos o maior cinturão agrícola em região tropical, tendo que, para isso, ter aprendido a dominar ambientes difíceis, um solo pobre, lixiviado e rico em manganês e alumínio”, disse Mauricio Lopes, lembrando que até os anos 70 o país não tinha adquirido expertise para lidar com tamanha diversidade.
“A agricultura era concentrada na faixa litorânea e não passávamos de um país agroexportador de café e açúcar. Conseguirmos avançar por meio de um modelo de agricultura pautado em ciência e tecnologia. Um trabalho que a Embrapa realizou, por meio da parceria com centros de pesquisa, e da criação de um sistema integrado de lavoura e floresta”, afirmou.
Segundo dados da Embrapa, em 38 anos o Brasil saiu da marca de produtividade de 1,4 toneladas por hectares, para 4,5 toneladas. “A ciência teve um papel decisivo nessa evolução, que gerou impactos no preço da cesta básica e no mercado global, visto que somos provedores de alimentos para cerca de 1 bilhão de pessoas”, disse Lopes, ressaltando em seguida:
“Podemos perder o grande bonde da história se não forem realizados investimentos contínuos em ciência e tecnologia. É preciso que seja gerado conhecimento e inovação para que o país se mantenha como líder da produção agrícola nos trópicos”, alertou o presidente da Embrapa.
“Precisamos aprender com a crise hídrica de 2014 e 2105”
Sobre história, Monica Porto disse que o país tem muito a aprender, principalmente no quesito gerenciamento eficiente dos recursos hídricos. Referindo-se a um passado bastante recente e presente na memória dos brasileiros, a crise hídrica de 2014 e 2015, a secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo e professora titular Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) contou que acompanhou de perto os níveis do Cantareira, o maior dos sistemas administrados pela Sabesp (Companhia de Águas e Esgotos de São Paulo), destinado a captação e tratamento de água para a Grande São Paulo.
Segundo ela, embora o Brasil tenha sido pioneiro na gestão do uso dos recursos hídricos, com a publicação do Código de Águas em 1934, até hoje o país não enfrentou o desafio de pensar o gerenciamento do uso da água de forma integrada. Isto é, considerando tanto a produção de energia e quanto a de alimentos. “Ao se falar em segurança hídrica, pensa-se em reuso da água e dessalinização. Alternativas com um potencial enorme para minimizar uma crise hídrica de um lado, mas capazes de pressionar ainda mais o consumo de água. O mesmo acontece quando se fala em biocombustíveis. Melhoro a matriz energética, mas pressiono a matriz da água. É preciso que se olhe para essas inter-relações que acontecem com o uso da água”, ressaltou Monica.
Para a secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, a seca de 2014 e 2015 trouxe uma série de lições. Uma delas, a urgência de se reduzir o risco de desabastecimento às populações. “É preciso mudar a forma de gerir a água nas cidades. Temos que colocar na prática a noção de uso múltiplo da água. Pela complexidade do tema, temos dificuldades em esclarecer os múltiplos uso dos recursos hídricos a fim de se manter as seguranças alimentar, hídrica e energética”, afirmou.
De acordo com a professora da USP, para não se repetir os erros de um passado recente a saída é a articulação plena entre inovação, financiamento e governança.”É preciso repensar esse sistema de gestão da água para não passarmos novamente pela mesma situação de crise hídrica que vivemos. Existe uma necessidade urgente de se desenvolver conceitos de gestão de risco, prevenção e preparação. É preciso que se pense em investimentos em desenvolvimento tecnológico, mas também institucional, por meio da melhoria de alternativas ao sistema econômico, por exemplo. Seja por meio do uso de financiamentos, indenizações a agricultores ou seguros que protejam determinados setores num momento em que tenho que privilegiar um uso da água ao outro”, sugeriu Monica.
A especialista referiu-se, especialmente, à agricultura irrigada, que consome 75% da água disponibilizada, visto que seu sistema não prevê um reaproveitamento. Enquanto isso, a indústria consume só 6%. “Na crise de 2014 e 2015, houve um impacto significante no abastecimento do cinturão agrícola de São Paulo. Se parássemos a irrigação, comprometeríamos também o abastecimento de toda a Região Metropolitana de São Paulo. Ao mesmo tempo, os reservatórios do Paraíba do Sul foram pressionados pela necessidade de demanda de energia elétrica, o que colocou o Rio de Janeiro e uma situação de risco de desabastecimento. Por tudo isso, é preciso repensar esse sistema de gestão de água”, enfatizou ela.
Energia, um desafio do presente
Para o diretor da Coppe, Edson Watanabe, o caminho para a mudança passa por renovação na maneira dos homens pensarem o consumo dos recursos naturais na Terra. “Hoje, o que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) faz no Brasil é adequar a oferta de energia à demanda de nós, brasileiros. Seja ligando ou desligando as termelétricas, por exemplo. Precisamos ter a consciência de que o comportamento humano também impacta no meio ambiente. Gastar menos energia é uma mudança de cultura”, disse ele.
Em sua fala, o engenheiro lembrou que o futuro, que se anuncia, segundo ele, aponta para uma nova lógica de consumo e produção de energia, onde o consumidor também será produtor. Para o Watanabe, essa nova relação vai exigir de todos nós um controle maior do uso da energia. “Com as Smart Grids, cidades inteligentes, o consumidor vai produzir, além de consumir. Mas ele deverá ter um controle maior da sua demanda, não poderá ligar o ar-condicionado quando quiser ou usar o chuveiro elétrico e o ferro de passar ao mesmo tempo. Isto porque não haverá um ONS para prover mais energia a ele”, explicou.
O aumento no uso de energias renováveis também impõe o mesmo desafio: o de se aprender a racionalizar o consumo. Watanabe ressaltou que quando toda a energia elétrica consumida for produzida por meio de fontes como o sol, o vento ou a força das ondas, será preciso criar um sistema de armazenamento capaz de garantir a oferta de eletricidade à toda a população. “Precisamos aprender a armazenar energia de forma barata, quando falamos de formas intermitentes, como as energias renováveis. Baterias, ar comprimido, armazenamento por meio de hidrogênio, via eletrólise, essas são algumas alternativas que já vem sendo testadas” listou ele, que fez à plateia um instigante desafio de reflexão:
“Quanto precisamos de energia elétrica hoje? O Brasil tem uma capacidade instalada de 152 GW (gigawatts). A cada 10 anos, temos que dobrar essa capacidade. Como acompanharemos esse crescimento?”, questionou o especialista.
Fonte: Embrapa