As incertezas em relação ao tabelamento do frete rodoviário já começam a levar empresas do agronegócio do Brasil a adotar um plano B para o escoamento da safra de soja e de milho em 2019. A mato-grossense Amaggi, pertencente à família do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, fechou a compra de uma frota de 300 caminhões. A entrega dos veículos está prevista para janeiro. “A aquisição destes veículos atende a uma necessidade estratégica na estrutura logística”, disse o presidente executivo da empresa, Judiney Carvalho.
A Cargill, multinacional de origem americana, confirmou que fez a cotação de 1.000 unidades, mas condicionou a concretização da medida a um posicionamento definitivo do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à inconstitucionalidade da tabela. “Se isto não ocorrer ou se esta decisão alongar-se de forma a dificultar nossas operações no País, estamos preparados para adotar uma alocação de frota própria”, afirmou a empresa, em nota.
A Bunge, outra gigante do segmento, disse confiar que o tabelamento será derrubado “o mais rápido possível”, mas confirmou que avalia “diversas possibilidades em relação ao frete de seus produtos”. “A companhia se manifestará apenas após a decisão judicial e afirma que continuará pautando sua conduta pelo respeito às leis e decisões da Justiça.”
Segundo a ADM, a situação provoca um “aumento acentuado” no custo do transporte e “pressiona as margens de comercialização de grãos, que já estão bastante deprimidas”. “A ADM espera que o governo encontre uma solução e está avaliando, assim como outras empresas, a adoção de frota própria.”
A cooperativa paranaense Coamo, uma das maiores do País, confirmou a compra de 500 caminhões em 2018. O investimento, segundo a assessoria de imprensa, já estava previsto no plano de renovação da frota atual, mas a ideia é que, se for necessário, os veículos antigos continuem a ser utilizados.
“A tendência entre as cooperativas, se mantido esse tabelamento, é a aquisição de frotas próprias. O único impedimento até agora tem sido a capacidade de produção das montadoras, que para 2019 já chegou ao limite”, disse Nelson Costa, superintendente da Ocepar, cooperativa que responde por cerca de 60% da produção agrícola do Paraná.
Maior empresa do setor de carnes no mundo, a JBS comprou, ainda em agosto, 360 caminhões para sua frota. “A decisão está amparada na estratégia de uma operação sustentável, que garanta a produção e oferta de produtos, reduzindo os impactos de custo causados pela aplicação do tabelamento do frete rodoviário”, afirmou a empresa à ocasião, em nota.
O tabelamento de fretes foi resultado de uma longa negociação envolvendo representantes do governo e lideranças dos caminhoneiros. O aceno à implantação da medida ajudou a encerrar o protesto contra os custos do óleo diesel que, em maio passado, interrompeu por 10 dias o tráfego nas principais rodovias do País.
Na ocasião, a Cargill disse, em nota, que os setores de processamento e exportação de produtos agrícolas seriam forçados a “mudar seu modelo de atuação”. Em vez de comprar os grãos com retirada nas fazendas ou nos armazéns no interior, diz a nota, “serão forçadas a comprar somente com entrega nas fábricas e nos portos”.
O cenário se manteve ao longo de todo o segundo semestre, quando ocorreu o plantio da safra de soja que começa a ser colhida a partir de janeiro. Com a insegurança em relação aos custos, o mercado futuro entrou em dezembro com pouco mais de 30% de vendas antecipadas da oleaginosa no País, redução de 14% em relação à média histórica para o período, segundo a consultoria Safras & Mercado.
Para transportadores, alternativa não deve substituir por completo a frota terceirizada
Para o diretor executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, Edeon Vaz Ferreira, a alternativa encontrada pelas trades não busca substituir por completo a frota terceirizada. O objetivo das grandes exportadoras, segundo ele, é dispor de uma estrutura para “amortecer as crises”.
“O foco dessas companhias não é o transporte. Vejo essas frotas próprias como um sistema de emergência, a ser empregado para garantir a fluidez do escoamento”, afirmou Vaz, que é consultor em logística de entidades como a Aprosoja e a AMPA.
Ele criticou a atuação do ministro Luiz Fux, que recentemente determinou a suspensão da cobrança de multa às empresas que descumprirem o tabelamento. “Desde o princípio ele (Fux) busca uma solução negociada, o que é inviável. O preço do frete é uma expressão do livre mercado. O tabelamento é uma invencionice que tem de ser simplesmente derrubada.”
Gilson Baitaca, líder do Movimento dos Transportadores de Grãos de Mato Grosso, disse não acreditar que a adoção de frotas próprias se torne um padrão entre as grandes exportadoras. “Quem se aventurar neste rumo pode até quebrar a cara, em razão dos custos operacionais e trabalhistas. Se fosse viável, já teriam feito isso há muito tempo”, disse. Segundo ele, o diálogo é a única forma de resolver a crise.
Fonte: Jornal do Comércio