Sempre que ocorre alteração de preço o feijão entra na pauta do dia. Ressuscita-se a discussão se o ingrediente tradicional do prato está ou não perdendo espaço na alimentação do brasileiro.
Nesse contexto, vários motivos são apontados para tentar explicar o que está ocorrendo. Com o aumento do preço do grão carioca no início de 2019, não foi diferente.
Com tantas notícias e argumentações, destacam-se: a histórica redução da área plantada com a leguminosa; a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF/2009), do IBGE, que aponta queda do consumo domiciliar do produto (que hoje estaria em 7,5 quilos per capita ao ano); e, outras fontes, como a Embrapa, que indicam que o consumo está estável em 14 quilos per capita ao ano.
Diante disso, a opinião de um time de especialistas da Embrapa Arroz e Feijão foi ouvida. Acompanhe abaixo a entrevista com Priscila Bassinello, pesquisadora em Ciência de Alimentos; Alcido Wander, Chefe Geral da Unidade e pesquisador da área de Economia; e Carlos Magri, analista da Embrapa e coordenador de uma rede de pesquisa de campo para mapear regionalmente hábitos de consumo, percepção e conhecimento de valores nutricionais e funcionais do arroz e do feijão.
Quais virtudes e limites do levantamento realizado pelo IBGE por meio da POF? Como interpretá-lo?
Carlos Magri: Essa pesquisa acompanha o consumo no domicílio, portanto não leva em consideração refeições feitas fora de casa, em restaurantes de comida a quilo. Uma das justificativas para explicar a redução do consumo per capita do feijão no domicílio é a mudança de hábitos alimentares, as pessoas substituíram o jantar por lanches. Dessa forma, não é possível afirmar, por meio dessa pesquisa, o real consumo per capita de feijão no Brasil.
Mas hoje se come menos feijão que antigamente?
Carlos Magri: Em termos gerais, quantitativos, há indicativos de redução do consumo, devido à mudança de hábitos. Antigamente as pessoas faziam três refeições ao dia: café da manhã, almoço e jantar. Atualmente fazem pequenas refeições intermediárias, às vezes comendo coisas saudáveis como frutas, outras vezes alimentos menos saudáveis. Portanto, estão comendo de forma mais espaçada, o que reduz o apetite nas refeições principais. Por outro lado, existem mais opções e acessibilidade de alimentos por parte de toda as classes sociais nessas refeições. Para afirmar de maneira categórica e inequívoca o nível de consumo do feijão, é necessário que sejam realizadas pesquisas que abordem questões como: a diminuição do consumo está ocorrendo em todas faixas da população, onde está havendo efetiva redução do consumo? Será que, em virtude da mudança do modo de vida e diversificações de produtos, as pessoas necessitam comer a mesma quantidade de feijão que se comia em décadas passadas? Será que a quantidade que se está comendo nos dias atuais não é suficiente, considerando as necessidades básicas em termos alimentares? Todo mundo precisa comer a mesma quantidade de feijão?
De modo geral, o consumidor vem substituindo alimentos não processados por produtos já processados pela indústria? Por que isso vem acontecendo?
Priscila Bassinello: Existe substituição pelo menos parcial dada à facilidade de acesso a esses produtos em pontos de venda não só em grandes centros comerciais, mas também via internet. Essa substituição acontece pela praticidade, preço e até mesmo pela vida corrida do consumidor moderno, que não tem mais tempo de preparar o alimento em casa. Isso tem levado ainda ao aumento do número de consumidores em restaurantes de comida a quilo. Simultaneamente, uma mudança percebida é a valorização do benefício à saúde dos alimentos. O nosso consumidor começou a atentar para a necessidade da qualidade nutricional e funcional dos alimentos. Portanto, recentemente, tem havido uma pressão para que os produtos industrializados, tradicionalmente ricos em açúcares, sal e gorduras saturadas, se transformem em produtos saudáveis sem perder o caráter da conveniência e praticidade. Aqui é que tem havido uma grande oportunidade para o aproveitamento industrial de grãos e suas farinhas como ingredientes de novos produtos industrializados com apelo nutricional e funcional, por exemplo, “gluten free”, “low fat”, ricos em fibras e proteína vegetal, dentre outros.
O modo de preparo do feijão, o tempo de cozimento, o cozimento na panela de pressão, é fator que desanima o consumidor?
Priscila Bassinello: Antigamente um dos fatores críticos era o tempo de preparo, porque o grão, além de ter que ser escolhido (catado), precisava ficar de molho e ainda demorava para ser cozido. Com programas de melhoramento genético do feijão, essa propriedade foi aprimorada e o tempo de cozimento não é mais um fator crítico, pelo contrário, hoje as pessoas apontam que o grão está cozinhando muito rápido e até desmanchando na panela. Com a popularização do uso da panela de pressão, o cozimento ficou mais prático e existem outras facilidades como panelas de pressão para micro-ondas. Além disso, há a opção de feijão industrializado pré-cozido, bastando apenas esquentá-lo, ou mesmo encontrar o produto cozido fresquinho nos restaurantes a quilo. O brasileiro também tem o hábito de guardar o feijão cozido congelado para facilitar o preparo no dia a dia. Portanto, não considero esse um problema importante.
Carlos Magri: O tempo de cozimento é um tabu. Em pesquisas realizadas pela Embrapa com consumidores, foi perguntado se o tempo de preparo e o uso da panela de pressão desencorajava o consumo de feijão. Raramente isso foi apontado como um elemento que desestimulasse o preparo. Outro fato interessante nessa pesquisa foi que ficou evidenciado que o feijão continua sendo bastante desejado, inclusive destacam a importância de fornecer às crianças. Porém, percebeu-se que existem muitas dúvidas sobre o real valor nutricional e benefícios e, sobretudo, se devem consumir quando possuem doenças como diabetes, hipertensão, colesterol e triglicerídeos altos. Nesse aspecto, considerando que o padrão alimentar que a sociedade está adotando tem sido apontado como uma das causas das doenças citadas, seria interessante um esforço coletivo para esclarecer esses pontos, na tentativa de manter o tradicional prato brasileiro. Esse movimento até tem nome, “Arroz e Feijão: A comida do Brasil”. Faltam parceiros para colocá-lo em prática.
Pelo feijão ser um produto tão tradicional, o consumidor pode estar enjoando?
Priscila Bassinello: Acredito que não, porque é uma tradição da nossa dieta. Estamos há anos consumindo e faz parte de nossa cultura nutricional. A dupla arroz e feijão é a única que se conhece fazer parte, espontaneamente, da composição diária do cardápio do brasileiro. Justamente porque não enjoa, é saborosa e alimenta. Mas existe, sim, interesse em diversificar. Existe hoje acesso, a um custo razoável, a mais opções de alimentos e de formas de preparo diferentes que despertam o interesse. A questão é que em várias dessas oportunidades o feijão não está incluso. Então, uma das críticas que faço para reverter essa ideia é que a gente também ofereça diferentes pratos à base de feijão, explorando as cores e os formatos dos grãos e modos de preparo. Tanto a Embrapa quanto outros parceiros possuem livros de receitas com feijão, e também na internet, mostrando a versatilidade de aproveitamento em pratos salgados e doces, nutritivos e saborosos.
Em países industrializados, o sedentarismo e a substituição cada vez maior de alimentos in natura por produtos processados são apontados como causadores de problemas de saúde relacionados à obesidade e doenças crônicas, como pressão alta e diabetes. Isso está acontecendo ou pode acontecer no Brasil também?
Priscila Bassinello: O que tem ocorrido nesses países e no Brasil é uma mudança de estilo de vida, associada a uma mudança de hábitos de consumo, em que existe uma tendência de aumento da ingestão diária de açúcares, carboidratos simples, sal e gordura. Isso pode levar à maior incidência de doenças crônicas não transmissíveis. Então, se a pessoa já tem uma predisposição genética, vida sedentária e alimentação irregular, há prejuízo à saúde. Por isso, é necessário consultar profissionais da saúde conscientes para que orientem para cada pessoa a melhor dieta. O erro é generalizar, afinal, somos indivíduos com condições de saúde e de vida específicas. Como conceitos e recomendações de uma alimentação saudável, indico a publicação gratuita do Ministério da Saúde: “Novo Guia Alimentar para a População Brasileira”, contendo os 10 passos para uma alimentação adequada e saudável, na qual nosso feijão está contemplado.
Quais benefícios para saúde estão associados ao consumo de feijão?
Priscila Bassinello: O feijão, quando combinado ao arroz, se complementa em termos proteicos, o que falta de aminoácido em um grão, você completa com a adição do outro. Além disso, são duas fontes de carboidratos, que dão energia e saciedade, e, ao mesmo tempo, agregam benefícios em termos de minerais e algumas vitaminas, principalmente, do complexo B; e fibras no caso do feijão e do arroz integral. O feijão possui ainda alguns compostos ditos antioxidantes, que nos protegem contra algumas doenças, no que diz respeito mais à prevenção do que à cura. Nós temos estudado ainda alguns compostos chamados peptídeos bioativos que são pequenas partes proteicas do grão que a gente vê atividade antioxidante que ajuda a reduzir colesterol e regular a glicose no sangue.
Sabe-se que a área plantada com feijão tem decrescido nos últimos 30 anos. Isso representa queda na produção?
Carlos Magri: Ela vem diminuindo, mas em compensação a produção é estável, cerca de três milhões de toneladas ao ano, porque a produtividade está aumentando. Para se ter uma ideia, nos últimos 30 anos, a área plantada caiu pela metade, no entanto, a produção cresceu 50%, graças ao aumento de produtividade.
Historicamente, oferta e demandas se encontram ajustadas?
Alcido Wander: Se nós olharmos ao longo de dez anos, a nossa produção interna tem procurado se aproximar de nossa demanda interna, no caso do feijão carioca, que é o principal grão que nós produzimos e consumimos. Então, a produção interna sempre busca se aproximar da nossa demanda interna. Quando ocorre problema de quebra de safra, geralmente, temos a falta de produto e aí o preço tende a subir mais e, geralmente, no ano seguinte, a situação é inversa, porque mais produtores resolvem investir e aí sobra feijão e o preço vai para baixo.
Quando há necessidade ocorre importação do produto?
Alcido Wander: No caso do feijão carioca, é um produto tipicamente brasileiro, tanto em produção quanto em consumo, então, nós temos dificuldade de importar quando falta e é praticamente impossível exportar quando sobra. Isso é um problema. Tudo vai muito bem quando nós não temos nenhuma quebra de safra, mas, quando nós temos uma quebra de safra, ou uma redução de área, ou substituição por outras culturas, aí nós temos a falta do produto e os preços se elevam muito além daquilo que as pessoas esperariam que acontecesse.
Para abastecimento do mercado interno, há importação de quais tipos de grãos de feijão? Essas importações são significativas?
Alcido Wander: Nós temos historicamente uma importação de feijão, dizia-se no passado até o começo do ano 2.000, em torno de 100 mil toneladas. Esse número cresceu pouco e teve ano que chegou a quase 300 mil toneladas. Atualmente nós estamos considerando em torno de 150 mil toneladas de importação. O maior volume dessa importação é de feijão preto que no passado nós importávamos basicamente da Argentina e, em anos recentes, nós importamos da Argentina e da China. O feijão branco, nós importamos, mas aí em quantidades menores, vem principalmente da Argentina, mas em quantidade bem menor que o feijão preto.
A falta de chuva em janeiro de 2019 prejudicou o desenvolvimento das lavouras?
Alcido Wander: Essa falta de chuva de janeiro foi mais acentuada no Brasil Central. Já o Paraná vem sofrendo com chuvas abaixo da média desde o final do ano passado. Janeiro complementou a falta de chuvas, porque pegou também outros estados, além do Paraná.
Houve aumento de preços do feijão carioca em centros urbanos neste início de ano e a tendência é essa escalada continuar?
Alcido Wander: Houve, sim, um aumento de preço e que, na verdade, é uma situação cíclica. De tempos em tempos, a gente tem uma alta em função de quebra de safra, redução de área de plantio, ou redução de oferta. Agora é difícil afirmar que o preço continuará subindo. Nós temos variedades no mercado que em dois meses o produtor consegue colher. Então, dependendo das decisões dos produtores, pode haver oferta adicional antes de seis meses.
A terceira safra, ou safra de inverno, a partir de maio, pode ajudar também a equilibrar preço e oferta do produto ao mercado?
Alcido Wander: Com certeza, a terceira safra tem um papel importante para regular a oferta interna. Se nós tivermos redução de oferta nas safras de verão e segunda safra, a terceira safra é, digamos, mais maleável no sentido de que são áreas irrigáveis e que alcançam alta produtividade. Então, em uma área pequena, pode haver um volume maior, mais expressivo de produção e, com isso, é possível, sim, regular.
A oscilação de preço do feijão carioca no início de 2019 pode ser considerada circunstancial?
Alcido Wander: Sim. Não é a primeira vez e, provavelmente, não será a última que vamos tê-la no caso do feijão carioca pela peculiaridade que nós temos nesse tipo de grão, porque ele é um grão que a gente produz essencialmente dentro do Brasil para o mercado doméstico. Em 2016, nós tivemos um pico histórico de preço e depois em 2017 tivemos uma superoferta e os preços foram tão baixos que os produtores não conseguiram pagar os custos de produção. Isso desestimulou muitos produtores que ficaram descrentes e alguns reduziram a área de feijão e plantaram soja e outras culturas. Esse momento está sendo de preço elevado para o produtor, mas a tendência é que se siga, mais à frente, um período de preço mais baixo.
Por: Rodrigo Peixoto – Embrapa Arroz e Feijão