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Quem nunca ouviu aquelas estórias contadas por nossos avós em formato de rimas e versos, que narravam a vida simples do homem do campo, os seus relacionamentos e demais situações do seu cotidiano, pois é, isso é uma poesia caipira.
E confesse você se emocionou quando ouviu, não é mesmo? No artigo abaixo, escrito por Edward Chaddad, do blog Vírus da Arte & Cia, você vai entender um pouco mais sobre esta arte que transcende a forma erudita de escrita e atinge diretamente o coração de todos aqueles que se identificam com a linguagem simples do homem do campo.
Para ilustrar este assunto, nós escolhemos o artista Almeida Júnior, nascido em 1850, na cidade de Itú, interior de São Paulo, foi precursor em tratar a temática regionalista no cenário pictórico nacional. Ao rejeitar os tradicionais estilos e técnicas que vigoravam em sua época, o artista trouxe para a sua pintura personagens simples, os anônimos do seu tempo e, sobretudo, representou a vida caipira, o cotidiano das fazendas brasileiras.
E como bônus, ao final deste artigo, você vai poder ouvir a poesia “O MARVADO”, interpretado pelo jornalista e escritor, Lima Rodrigues, membro da Academia Paraupebense de Letras e apresentador do programa Conexão Rural.
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A poesia caipira
A poesia caipira é feita no dialeto caipira, que imita o som das palavras, escritas como são ouvidas no meio rural do interior paulista, mesmo que estejam presentes graves erros de ortografia e gramática. Na verdade, escreve-se como se ouve falar, dentro do dialeto popular regional, ao qual se procura captar a maneira deliciosa do expressar acaipirado do interior de São Paulo, repleto de erros de português foneticamente assimilados e linguisticamente existentes no seio do povo.
Por conter tantas transgressões ao vernáculo, os grandes gramáticos são preconceituosos em relação à poesia caipira, situando-a nas camadas mais incultas, atrelando-a ao linguajar vulgar. Esta crítica é feita por aqueles que defendem, intransigentemente, a obediência incondicional às normas gramaticais.
Meu avô, que era um homem culto, escreveu peças teatrais e fez muitas poesias caipiras, atendendo artistas de circos e teatros, principalmente, onde conquistou amigos que levavam a arte ao mais intocado e solitário povoado paulista, peregrinando pelo interior, proporcionando alegria e diversão, mostrando a tristeza, falando das coisas do coração, do dia a dia do lavrador quase inculto, em uma linguagem que eles compreendiam e aceitavam pelas condições locais.
É claro que há uma variação no dialeto em todo o nosso país, dada a grande dimensão territorial, a formação cultural de cada região, sua origem baseada em diversas raças e tribos, sobretudo miscigenadas, e também nas classes sociais diferenciadas, com peculiaridades encontradas, difundidas e lastreadas ao longo do tempo, enfim tantos fatores essenciais e coadjuvantes que impedem que o seu dialeto, a sua linguagem própria, um fato social, seja totalmente escravizado pelos grilhões da gramática.
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Há, inquestionavelmente, uma messe enorme de variedades linguísticas que não podem ser censuradas e condenadas, insistindo nelas se impor as rédeas da linguagem urbana culta, em detrimento de um melhor sentido de comunicação que é a finalidade da língua. Este agir contraria a tradição da cultura popular, onde o dialeto é uma das suas manifestações.
Não há colisão, na verdade, entre aquela e este, pois ambos se desenvolvem em cenários próprios. Não podemos ver na poesia caipira um desafio à linguagem culta, pois o dialeto não se subsume às regras gramaticais, mas faz parte certamente da Língua que é, na verdade, a síntese de todas as formas de expressão dos pensamentos, desejos e emoções de um povo ou até mesmo de uma tribo.
Esta espécie de poesia graciosa e hilariante, muitas vezes emotiva e romântica, resultante dos sentimentos mais íntimos do caipira, encontrada dentro do seu cotidiano, a quem é dirigida, fez e faz muito sucesso no meio artístico que entende o seu sentido. Por isso, principalmente, no passado, era muito utilizada em teatros, em emissoras de rádio e até, nos seus primórdios, na televisão. Vejo no seu antagonismo um preciosismo desnecessário, pois a linguagem culta é estranha também ao povo mais simples, onde se encontram os fatos do dialeto, um fenômeno linguístico.
A poesia caipira foi feita basicamente para ser declamada em teatro, festas juninas e nos meios escolares. Na sua essência, é uma imitação do falar caipira, da gente do mato, que pouco acesso teve à escola. Não se deve entendê-la como uma maneira de cultivar a desordem gramatical, mas, sim, compreender que ela está retratando o contexto social, voltada ao povo que fala daquele jeito e, desta forma, entende o seu mundo, indiferente à beleza gramatical, mas consagrando a expressão da língua isolada do seu contexto maior, mas apegada ao seu mundo mais perto do trabalhador rural.
Nos meios literários, há quem a defenda na forma mais rude e grosseira, mas há aqueles que pensam em trazê-la ao gosto mais refinado dos educados, longe do povo a quem foi dirigida. Assim, não podemos deixar de entender que, no dialeto, e é a sua função essencial, há uma variedade de expressões próprias em cada região, que não podem ser substituídas por outras estranhas, que impediriam uma melhor comunicação.
Há, pois, preconceito contra esse tipo de poesia, embora nela exista muita arte, principalmente porque mostra, com expressões próprias do povo que morou ou ainda mora na zona rural, os seus sentimentos, o seu interior, a sua alma. Nela comparece muita beleza, encantando a quem se dirige, que ri, acha engraçado e, às vezes, conforme suas letras, até chora. Em síntese, um potencial artístico maravilhoso.
A literatura é, sobretudo, beleza. Mesmo com um linguajar totalmente divorciado da gramática, a poesia caipira reflete os mais belos sentimentos de um povo trabalhador, simples, ingênuo e honesto. Existe quem faça este tipo de poesia com apego ao melhor português, com letras lindas, amarradas na linguagem culta, mas dirigida à cultura urbana, mostrando a beleza do sentimento e ao comportamento de nosso caipira do interior paulista. Mas esse tipo de poesia caipira, com linguagem culta, não pode ser entendido como a verdadeira poesia caipira, prescindindo do dialeto, pois jamais será compreendida pela gente simples da região.
A pseudopoesia caipira tem, tão somente, como liame à verdadeira, o pensar do caipira, construída com as palavras e a forma de expressão urbana, despidas das expressões rurais, que não a revelam nua, na pureza de suas expressões da variedade linguista caipira. Assim, a verdadeira poesia caipira simplesmente está dentro do quadro de confronto com as regras gramaticais, de bem como o dialeto, sem, entretanto, burlar a beleza da expressão. E um daqueles que fez este tipo de poesia foi meu saudoso avô, que buscou cantar em versos os sentimentos do lavrador brasileiro. Para ilustrar meu texto, aqui presente uma poesia caipira, de autoria de meu avô, J.Triste:
O MARVADO
Namorei c´o seu Libório,
Cumbinemo si casá…
Mai, no dia do casório…
Que vergonha!… Cadê o tá?
Insperei pulo marvado!
Veiu o juiz, veiu o inscrivão!
Vei tudo os cunvidado,
Só ele num veiu, não!
Tinha virado sorvete!
Ele havia se pirado!
Me mandando esse biete:
– Mi adiscurpe…Sô casado!…
Para entender como deve ser lida, dentro do contexto rural, ouça a poesia caipira “O MARVADO”, interpretada pelo jornalista Lima Rodrigues, membro da Academia Paraupebense de Letras:
Por: Vicente Delgado -AGRONEWS®, com texto principal escrito por Edward Chaddad, do blog Vírus da Arte & Cia.
AGRONEWS® é informação para quem produz
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