Frear e reverter o processo de degradação das pastagens é o maior desafio da pecuária brasileira. A degradação representa prejuízos anuais em torno de R$9,5 bilhões aos produtores.
A estimativa foi elaborada a partir de custos médios para formação de pastagens e nas avaliações a campo, conduzidas ao longo de sete edições do Rally da Pecuária.
Do total, apenas R$5 bilhões são investidos para impedir que os pastos sejam perdidos, depois que ultrapassam o último grau de degradação. O restante representa a soma financeira de todas as áreas abandonadas distribuídas desordenadamente nas fazendas de pecuária. As causas dessas perdas são a dificuldade em controlar a infestação de plantas invasoras e a redução nos níveis nutricionais do solo. Poderiam ser facilmente evitadas usando tratos culturais e manejo.
Do ponto de vista da sustentabilidade, os maiores impactos ocorrem nas dimensões econômicas e sociais. Com áreas menores, os pequenos produtores perdem proporcionalmente mais, inviabilizando-se rapidamente.
Ambientalmente, os impactos ocorrem pelo saldo negativo do balanço de carbono, visto que nos pastos em degradação as emissões de carbono tendem a superar o que é captado ou removido pelas plantas. Há ainda outra perda, que deriva da baixa produtividade e posterior abandono de uma área já convertida. O impacto é inquestionável, mas seus efeitos ambientais são superestimados.
Apesar de o tema ser amplamente discutido, pouco se discorre sobre a dinâmica do processo depois que o pasto completa todo o ciclo de degradação. A atividade econômica na área chega ao fim, mas a biologia continua o seu ciclo.
A degradação ocorre pela via agrícola, caracterizada pela rápida substituição das pastagens por plantas invasoras, e pela via biológica, quando se observa perda gradual da massa disponível.
Análise por imagem de satélite dos pastos amostrados pelo Rally da Pecuária, em nove estados de relevância na produção, identificou que 40% deles estavam em degradação, incluindo os que foram recuperados. A degradação agrícola representou 37% do total. A pesquisa foi conduzida pela equipe da Agrosatélite.
Pela via agrícola, a agressividade das plantas invasoras é suficiente para elevar, de imediato, o índice de vegetação da área. Com isso, o restabelecimento das matas nativas é mais rápido. Pela via biológica, a vegetação se recupera lentamente, pois só se inicia quando o pasto é finalmente abandonado. Nesse caso, é possível que se leve décadas para que a área recupere as características originais do bioma.
Em ambos os casos, há acúmulo de carbono e, ao final, o resultado será o restabelecimento da vegetação nativa. O tempo e qualidade do processo são questões ainda a serem estudadas para cada bioma.
Seja através das plantas que alimentam o gado, seja pelo acumulo nas áreas em regeneração, o fato é que a omissão de ambas as formas de remoção de carbono penaliza injustamente a pecuária na contabilização do inventário.
Ambientalistas mais radicais se recusam a discutir o assunto e insinuam manipulações das estatísticas. Para não mencionar a ocorrência da regeneração, lançam mão de pesquisas isoladas, focadas apenas no desmatamento e ignoram os resultados integrados do conjunto de estatísticas conhecidas.
Quando todas as bases sobre ocupação do solo são analisadas, é possível quantificar que, entre 1990 e 2016, cerca de 50 milhões de hectares já completaram ou estão em processo de regeneração. A área é 30% maior do que o total desmatado no mesmo período.
O artifício para negar a regeneração é superestimar a área coberta pela pecuária, atribuindo às pastagens o saldo histórico de desmatamento, tese que está sendo desconstruída pela ciência.
O MapBiomas, projeto que reúne diversas pesquisas e estudos em andamento com objetivo de atualizar e mapear a ocupação do solo no país, confirma o raciocínio aqui descrito.
No projeto, as informações de pastagens são responsabilidade do Lapig, sigla do laboratório sediado na Universidade Federal de Goiânia. Lá, os pesquisadores identificaram cerca de 182 milhões de hectares de pastos. O coordenador da pesquisa é sempre cauteloso em dizer que os dados não se restringem a um determinado período. São diversas bases utilizadas com o objetivo de construir um mapa mais próximo da realidade. É também por essa razão que o laboratório atualiza com frequência suas estimativas, à medida que as análises são mais aprofundadas. A última atualização divulgada no site reduziu a estimativa para 164 milhões hectares.
Na reunião de todos os resultados, a área de pastagem é a base variável. Se outra pesquisa identificar soja onde o Lapig havia indicado pastagens, prevalece a soja e é deduzida a área de pastagem. O procedimento é o mesmo para as demais formas de ocupação do solo, inclusive as composições florestais.
Ao reunir todas as coleções de mapas, conclui-se que 32 milhões de hectares, do total identificado em pastagens, foram ocupados por outra atividade.
O objetivo da discussão não é flexibilizar os esforços por melhoria na produtividade e nas práticas de manejo. Técnicos da área, cientes das baixas produtividades, dedicam-se ao problema muito antes que os ambientalistas o percebessem.
Se as emissões da pecuária forem analisadas corretamente, as decisões serão formuladas com melhor embasamento.
Faz muito mais sentido se dedicar em responder as razões pelas quais as áreas estão sendo abandonadas ou como frear este processo, qual o perfil dos produtores mais impactados, quais os riscos ambientais envolvidos, quais as oportunidades em termos de segurança alimentar a partir do controle do processo de degradação. Diante destas questões, qual o potencial da pecuária como atividade mitigadora de carbono? E como explorar este potencial em favor da sociedade?
O atual critério de cálculo permite apenas chegar à equivocada conclusão de que a pecuária seja a grande emissora de carbono, por natureza. Negar que existam as remoções de carbono é negar a própria ciência. A quem interessa manter este equívoco?
Por: Mauricio Palma Nogueira – Engenheiro agrônomo, sócio da Agroconsult Pecuária e coordenador do Rally da Pecuária.