Um movimento para substituir a soja transgênica por sementes convencionais está ganhando força em Mato Grosso, maior Estado produtor do Brasil, à medida que produtores antecipam um aumento na demanda da Ásia e Europa
O Brasil adotou há muitos anos o uso de grãos transgênicos e mais de 96 por cento de sua soja é de variedades geneticamente modificadas, o que ajudou a tornar o país o maior exportador da commodity no mundo.
Plantações como milho, soja e algodão são geneticamente modificadas para resistir a doenças, tolerar secas e resistir a pulverizações de pesticidas como glifosato, o ingrediente ativo no herbicida Roundup da Monsanto.
Wininton Mendes, coordenador do programa para promover o uso de sementes convencionais liderado por produtores do Mato Grosso e pela agência de pesquisa Embrapa, disse que dúvidas relacionadas ao impacto de alimentos geneticamente modificados sobre a saúde humana são um dos motivos que têm impulsionado a demanda por matéria-prima convencional.
Defensores de transgênicos dizem que a tecnologia reduz o custo dos alimentos e ajuda produtores a lidar com pragas e doenças de maneira mais segura. Mas alguns consumidores e grupos ambientais argumentam que as safras transgênicas impulsionam o uso de pesticidas, em vez de diminuir a aplicação de agroquímicos. Essas entidades dizem ainda que os OGMs representam ameaças ao meio ambiente.
Mendes disse que o esforço de Mato Grosso para plantar mais soja convencional é apoiado por três tradings, incluindo a Amaggi, empresa da família do ministro da Agricultura Blairo Maggi, que pagam um prêmio. As outras duas operadores são a Imcopa International e a Caramuru Alimentos.
O prêmio médio ficou em 12 reais por saca de 60 kg de soja não-transgênica nesta safra, disse ele à Reuters.
A reintrodução de soja convencional cria um nicho de mercado para produtores capitalizados, uma vez que lavouras não-transgênicas exigem controles rígidos para evitar contaminação durante a produção e o embarque, o que pode elevar custos.
Encorajados pelo prêmio pago nesta safra, produtores poderão plantar mais soja não-transgênica no próximo ciclo, segundo Daniel Latorraca, superintendente da Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea).
PRODUTORES MUDANDO
Endrigo Dalcin, que plantou 1.500 hectares de soja livre de transgênicos nesta safra, planeja quase dobrar isso na safra 2017/18.
“Alguns produtores no Mato Grosso já estão plantando 100 por cento de soja livre de transgênicos graças ao prêmio e à demanda internacional”, disse Dalcin. No entanto, para muitos produtores, a dificuldade segue sendo a disponibilidade de sementes.
Uma parte estimada em 13,6 por cento da safra de soja 2016/17 no Mato Grosso foi convencional, segundo o Imea. Isso ficou abaixo dos 15 por cento na safra anterior, uma vez que a oferta de sementes convencionais do Brasil continua baixa, disse Mendes, coordenador do programa de sementes convencionais.
O programa do Mato Grosso visa dar aos produtores uma escolha, disse ele.
A nova tecnologia Intacta, da Monsanto, que tem tolerância a herbicida e insetos, teve seu uso fortemente elevado nos últimos anos. Tais tecnologias (tolerância a insetos e/ou herbicidas) respondem por toda a soja transgênica do Brasil, segundo dados mostrados nesta safra pela consultoria Agroconsult.
A demanda de soja da China, que impulsiona a expansão agrícola do Brasil, continua forte. No entanto, uma aversão de consumidores chineses contra os transgênicas está começando a abalar a demanda por óleo de soja, seu principal óleo de cozinha, o que pode ser problema para a indústria de processamento, que depende de soja transgênica do Brasil e dos Estados Unidos.
A China, que não planta soja transgênica, precisa de 11 milhões de toneladas de soja convencional por ano para produção de alimentos, disse Lin Tan, executivo da Hopefull Grain & Oil Group, à Reuters. Produtores locais não conseguem suprir ao menos 3 milhões de toneladas de demanda de esmagadores, disse ele.
“A China tem uma lacuna no mercado e os grãos adicionais precisam vir de algum lugar”, disse Tan. Um grupo de 14 países da União Europeia importou cerca de 2,7 milhões de toneladas de farelo de soja não transgênica equivalente, segundo um relatório de 2015, e há potencial de demanda da Índia, disse Mendes.
Maggi, cuja empresa é parceira no programa de soja livre de transgênicos do Mato Grosso, disse à Reuters que o Brasil precisa incrementar a pesquisa para desenvolver sementes convencionais para produção em massa.
“Eu sou um entusiasta”, disse ele. Mas alertou que o governo não tem como incentivar a produção de soja não-transgênica, acrescentando que há espaço para as duas variedades no mercado.