A proposta de formulação de uma vacina contra a Pasteurella multocida sorotipo A (PmA), importante agente de doença clínica e de condenação de carcaças de suínos nos frigoríficos por lesões pulmonares, está pronta e aguarda uma parceria para finalizar o desenvolvimento para o mercado
Durante três anos, pesquisadores da Embrapa Suínos e Aves estudaram o problema de doença respiratória em suínos associada a PmA no campo, isolaram e testaram experimentalmente a agressividade de diversas cepas da PmA, identificaram cepas da bactéria potenciais candidatas ao desenvolvimento da vacina e testaram em suínos um protótipo de vacina para a prevenção da doença. Os resultados, de acordo com a equipe, foram promissores. Agora, um edital para estabelecer parceria no co-desenvolvimento e comercialização do produto já está em processo de finalização e deverá ser publicado em breve. O objetivo do edital é selecionar uma empresa especializada e firmar parceria na fase final de desenvolvimento e produção dessa vacina de uso veterinário.
O estudo da Embrapa levou em consideração a importância da PmA em quadros patológicos de pneumonia e pleurite/pericardite em suínos, doenças pulmonares que oferecem um prejuízo considerável à cadeia produtiva. “Os impactos incluem gastos com medicamentos, redução no desenvolvimento dos animais, aumento da mortalidade na fase de terminação dos suínos e aumento das condenações no abate, o que afeta diretamente a cadeia produtiva, seja na granja ou no frigorífico”, comenta o pesquisador da Embrapa Nelson Morés, líder do projeto que desenvolveu a vacina. Um trabalho executado pela equipe sobre o impacto econômico das pleurites/pericardites em suínos num abatedouro grande estimou um prejuízo para a indústria de R$ 9,85/suíno abatido. “Supondo-se que 50% dessas lesões sejam causadas pela PmA, o prejuízo para o abatedouro seria de R$ 4,92/suíno abatido”, explica o pesquisador.
Nos últimos anos, quadros graves de pneumonia por PmA vêm sendo observados, causando perdas severas em diversas criações de suínos, principalmente nas fases de crescimento e terminação. “Por isso, a importância de propor uma vacina que atinja diretamente o agente”, explica o pesquisador Luizinho Caron, virologista da equipe. Ele esclarece que a grande diversidade de sorotipos e cepa da Pm e a dificuldade no entendimento da patogenicidade limitam o desenvolvimento de vacinas comerciais para pasteurelose pulmonar.
Em função das características atuais dos sistemas de produção, em que os suínos são criados confinados em concentração elevada e, na maioria das vezes, com mistura de leitões de diferentes origens nas fases de creche ou terminação, as enfermidades tornaram-se relevantes para o avanço da produtividade.
Quarto maior produtor mundial
Atualmente, o Brasil é o quarto maior produtor de carne suína no mundo, com produção de 3,73 milhões de toneladas. Nas exportações, ocupa também o quarto lugar, com 732,9 mil toneladas exportadas. “Proteger e cuidar do rebanho contra doenças está entre as prioridades da cadeia produtiva”, comenta o pesquisador. Entre as doenças, as respiratórias, como as pneumonias, têm grande impacto na produção.
Por muito tempo, a Pasteurella multocida foi considerada apenas como agente secundário nas pneumonias em suínos. “Porém, esses estudos conduzidos no Brasil identificaram diferentes isolados de PmA capazes de sozinhos causar doença em suínos”, explica Morés.
Experimento identificou a melhor opção de proteção
A pesquisa na Embrapa baseou-se inicialmente na identificação e coleta de amostras de suínos com doença pulmonar em rebanhos das principais regiões produtoras de suínos: Sul, Centro-Oeste e Sudeste. As amostras foram isoladas e a doença foi reproduzida em laboratório da Embrapa Suínos e Aves, seguindo os Princípios Éticos de Experimentação Animal, com suínos do rebanho experimental da Unidade, livres dos principais patógenos respiratórios, entre eles PmA. “Testamos oito dessas amostras e verificamos que umas eram mais agressivas que outras. Depois, selecionamos uma amostra considerada muito agressiva e trabalhamos na elaboração da vacina”, conta o virologista Luizinho Caron, pesquisador da mesma Unidade da Embrapa. Um dos aspectos do trabalho foi descrever a expressão da resposta imune dos suínos induzida pela infecção da PmA e determinar a prevalência dessa bactéria em tonsilas de suínos vacinados e não vacinados.
Nos estudos seguintes, a vacina foi testada inicialmente em camundongos e posteriormente em suínos. De acordo com Caron, a vacina foi feita a partir de cepas virulentas da bactéria. “Os genes de virulência são importantes para proteger contra a bactéria”, detalha. A equipe também trabalhou na identificação desses genes para que a vacina pudesse agir de forma eficaz. “A identificação dos genes é importante e faz toda a diferença para que possamos obter um produto que age diretamente no centro do problema,” afirma. Parte da identificação desses genes já está pronta e foi usada no desenvolvimento da vacina proposta, porém, as pesquisas seguem sob coordenação de pesquisadores da área e devem ser finalizadas em breve, com publicação de trabalho científico.
Segundo dados da equipe que atuou no projeto, a prevalência de PmA nas lesões pneumônicas em suínos tem se mantido alta ao longo do tempo no Brasil. No Rio Grande do Sul, por exemplo, em suínos de abate com lesões de pneumonia e pleurite, o índice é de 43%. Em Santa Catarina, o número fica em 51,3%, em lesões responsáveis por desvio de carcaças pelo serviço de inspeção sanitária. Trabalhos em outros países da Europa e nas Américas também demonstram a alta prevalência desse agente. Na Dinamarca, 79% das lesões de broncopneumonia cranial em suínos a PmA estava presente.
A doença e o controle
A bactéria P. multocida (Pm) é considerada um importante microrganismo que faz parte da microbiota residente no trato respiratório dos suínos. Até o momento, foram identificados cinco sorotipos capsulares (A, B, D, E e F) e 16 sorotipos somáticos. O sorotipo A, objeto da pesquisa da Embrapa, é um dos mais encontrados em lesões pneumônicas em suínos.
Conforme relata Morés, a Pm induz quadros clínicos variáveis, dependendo do grau de imunidade do animal, da virulência da cepa e do sorotipo envolvido. “Alguns têm sintomas mais agressivos, ocasionando patologias como a pneumonia hemorrágica, pleurite e pericardite”, explicou.
Alguns sinais clínicos observados nos animais infectados são dificuldade para respirar, respiração abdominal, prostração, falta de apetite e temperatura corporal alta (41,6ºC). A tosse aparece como um sinal relevante quando esta bactéria está associada à pneumonia enzoótica ou influenza e, nesses casos a redução no desempenho é significante. A mortalidade nesses casos pode chegar a 40%. A doença ocorre com maior frequência no período de terminação dos suínos, depois de 100 dias de idade, até o abate.
Os sinais clínicos e lesões macro e microscópicas, na maioria das vezes, de acordo com o pesquisador Morés, não são suficientes para o diagnóstico definitivo da pasteurelose pulmonar. “O diagnóstico precisa ser feito considerando outros aspectos como o isolamento da PmA ou demonstração do agente nas lesões recentes de pneumonia, pleurite ou pericardite”, diz.
O controle das infecções respiratórias causadas pela PmA inclui três principais fatores: o fornecimento de boas condições ambientais e de manejo aos animais, a utilização de antimicrobianos e a vacinação. Atualmente, o controle de Pm em rebanhos de suínos é feito basicamente pelo uso de antimicrobianos na forma de tratamentos preventivos coletivos na ração ou água, ou terapêutico individuais aos animais doentes.
Quanto à vacinação, Nelson Morés explica que há vacina inativada comercial indicada para prevenção da pasteurelose pulmonar, porém, sua efetividade tem sido questionada. “Em condições de campo, veterinários clínicos que atuam na suinocultura brasileira têm obtido resultados insatisfatórios com o uso dessas vacinas. Uma possível explicação para isso é que as amostras contidas nas vacinas sejam diferentes daquelas envolvidas nos quadros clínicos observados nas granjas”, comenta.
O protótipo da vacina desenvolvida pela Embrapa, e que deve ser finalizada na parceria com uma empresa especializada, pretende atuar no foco da doença, ou seja, no controle do agente (PmA). “Nos experimentos, conseguimos respostas imunes satisfatórias e o número de condenações diminuiu”, explicou o pesquisador. Para controle da qualidade da vacina produzida, também foram desenvolvidos métodos para testar a eficácia da vacina em camundongos.
O edital para seleção de uma empresa especializada estará disponível no portal da Embrapa Suínos e Aves. Também estão disponíveis no portal publicações e informações sobre a doença..
Fonte: Embrapa