Nova raça de vacas sustentáveis ainda não tem nome, mas projeto combina a capacidade de produção de leite, com a resistência ao calor, seca e doenças típicas de animais nativos de países tropicas, gerando vacas capazes de produzir até 20 vezes mais leite do que as raças locais
Como sabemos, o gado leiteiro é uma importante fonte de alimentos e renda para muitas populações nos trópicos, mas enfrenta diversos desafios para aumentar sua produtividade e sustentabilidade. Entre eles, estão as condições climáticas adversas, as doenças, os recursos limitados e a baixa qualidade genética dos animais. Para superar esses obstáculos, é necessário desenvolver programas de melhoramento genético que levem em conta as características e necessidades locais, bem como as potencialidades de diferentes grupos genéticos.
Projeto inovador
Em uma iniciativa inovadora, cientistas da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos USA, estão prestes a transformar a realidade dos agricultores de subsistência na Tanzânia com vacas sustentáveis capazes de produzir até 20 vezes mais leite do que as raças locais. O projeto, publicado na revista Animal Frontiers, combina a capacidade de produção de leite de raças Holstein e Jerseys com a resistência ao calor, seca e doenças do Gyr, uma raça de gado nativa comum em países tropicais.
O líder do projeto, Matt Wheeler, professor no Departamento de Ciências Animais da Faculdade de Ciências Agrícolas, do Consumidor e Ambientais (ACES), de Illinois, está entusiasmado com os resultados e enaltece o trabalho dos criadores brasileiros: “Girolandos de alto rendimento são comuns no Brasil, mas, devido a doenças endêmicas lá, esses animais não podem ser exportados para a maioria dos países. Queríamos desenvolver um rebanho de alta saúde nos EUA para exportar sua genética para qualquer lugar do mundo.”, ressalta o pesquisador.
O papel dos cruzamentos entre taurinos e zebuínos
Uma das estratégias mais utilizadas para melhorar o gado leiteiro nos trópicos é o cruzamento entre raças taurinas (Bos taurus) e zebuínas (Bos indicus). As raças taurinas são originárias de regiões temperadas e possuem alta produção de leite, mas são sensíveis ao calor e às doenças tropicais. As raças zebuínas são originárias de regiões tropicais e possuem maior resistência ao calor e às doenças, mas produzem menos leite. O cruzamento entre esses dois grupos visa combinar as vantagens de ambos e gerar animais mais adaptados e produtivos nos trópicos.
Um exemplo de sucesso desse tipo de cruzamento é a raça Girolando, que é o resultado do cruzamento entre a raça Gir (zebuína) e a raça Holandesa (taurina). Essa raça é a mais utilizada na produção de leite no Brasil, pois apresenta boa produção de leite, boa fertilidade, boa conformação e boa adaptação ao clima tropical.
Neste sentido, podemos destacar o domínio tecnológico na criação das raças Gir Leiteiro e Girolando, que é realizado pela Agropecuária GV5, uma das maiores referencias entre os produtores no Brasil. O plantel GV5 abriga matrizes premiadas de alta qualidade. O alto investimento nas mais avançadas aplicações genéticas aliado a criteriosos métodos de criação proporcionam um gado cada vez mais produtivo, dócil, fértil e bem adaptado às condições climáticas da região Centro-Oeste, que possui um clima altamente exigente.
Um nova raça de vacas sustentáveis
Após criar os primeiros bezerros nos EUA, o pesquisador Wheeler planeja implantar 100 embriões em duas localidades na Tanzânia este mês. Os bezerros resultantes serão inseminados por gerações sucessivas para criar gado “sintético puro” com genética cinco-oitavos Holstein ou Jersey e três-oitavos Gyr. Ao contrário dos Girolandos, os sintéticos puros ainda não têm um nome oficial.
Esses sintéticos puros são valiosos, pois, uma vez estabelecida a genética cinco-oitavos/três-oitavos, ela se mantém constante. A equipe visa manter a resistência a doenças e pragas vinculada à produção de leite, o que pode ser desafiador nos países em desenvolvimento até atingirem a geração pura sintética de vacas sustentáveis.
Table 1.: Raça compostas que foram desenvolvidos anteriormente pelo cruzamento das raças B. indicus e B. taurus
Composite breed | B. indicus founder breed | B. taurus founder breed |
---|---|---|
Girolando | Gir (also spelled Gyr) | Holstein Friesian |
Australian Friesian Sahiwal (AFS) | Sahiwal | Holstein Friesian |
Brazilian Milking Hybrid (BMH) | Gir and Guzerat | Holstein Friesian |
Jamaica Hope | Sahiwal | Holstein Friesian and Jersey |
Australian Milking Zebu (AMZ) | Sahiwal, Red Sindhi | Jersey |
Sunandini | Nondescript zebu cattle | Holstein Friesian, Jersey, and Brown Swiss |
Mambi de Cuba & Siboney de Cuba | Cuban zebu | Holstein Friesian |
Capacitação dos produtores locais
Além do desenvolvimento genético das vacas sustentáveis, a equipe está comprometida com a capacitação local. Eles já ministraram um curso online sobre tecnologia de reprodução assistida em bovinos, com participantes da Tanzânia. Wheeler destaca a importância de considerar a cultura local: “Tivemos que começar do zero com Jerseys, mais adequados às preferências dos pastores Maasai. Será válido se forem melhor aceitos.“
Embora o projeto de produção de vacas sustentáveis esteja nos estágios iniciais, representa um avanço em direção à agricultura animal realmente mais sustentáveis e resiliente ao clima. Wheeler sugere que a tecnologia também pode ser usada para proteger o gado dos EUA e do mundo contra os impactos das mudanças climáticas. A introdução de genética tropical em animais de alta produção nos EUA poderia ajudar a enfrentar o calor, a seca e as doenças de maneira mais eficaz. Wheeler conclui: “As pessoas geralmente não pensam tão à frente, mas prevejo que olharão para trás e perceberão que ter genética tropical antes teria sido uma boa ideia.”
Exemplos de programas de melhoramento genético
Existem vários programas de melhoramento genético do gado leiteiro nos trópicos, que utilizam diferentes combinações das ferramentas biotecnológicas mencionadas. Alguns exemplos são:
- O Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ), que é um programa brasileiro que visa melhorar as raças zebuínas para a produção de leite e carne. Esse programa utiliza a inseminação artificial, a transferência de embriões, a fertilização in vitro e a genômica.
- O Programa de Melhoramento Genético de Girolando (PMGG), que é um programa brasileiro que visa melhorar a raça Girolando para a produção de leite. Esse programa utiliza a inseminação artificial, a transferência de embriões, a fertilização in vitro, a clonagem e a genômica.
- O Programa de Melhoramento Genético de Gado Leiteiro Tropical (TropiDairy), que é um programa internacional que visa desenvolver novas raças de gado leiteiro adaptadas aos trópicos, a partir do cruzamento entre raças taurinas e zebuínas. Esse programa utiliza a inseminação artificial, a transferência de embriões, a fertilização in vitro, a edição gênica e a genômica.
Enfim, como podemos perceber, o melhoramento genético do gado leiteiro nos trópicos é uma atividade essencial para aumentar a produção de alimentos e a renda dos produtores, bem como para promover a sustentabilidade ambiental e social. Para isso, é necessário utilizar as ferramentas biotecnológicas disponíveis, de forma estratégica e responsável, respeitando as características e necessidades locais, e explorando as potencialidades de diferentes grupos genéticos.
O estudo sobre as vacas sustentáveis, intitulado: “Desenvolvimento de Gado Leiteiro Melhorado Geneticamente Adaptado a Regiões Tropicais“, foi publicado na Animal Frontiers [DOI:10.1093/af/vfad050]. Os autores incluem Paula Marchioretto, Chanaka Rabel, Crystal Allen, Moses Ole-Neselle e Matthew B. Wheeler. O trabalho foi parcialmente financiado pelo Projeto Multiespécies W-4171 do USDA, pelo Escritório de Programas Internacionais da ACES, pelo Centro Nacional de Recursos da Universidade de Illinois em Estudos Africanos e pela Fundação Ross (Acordo nº 635148).
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