Animais silvestres e exóticos atraem a atenção de médicos-veterinários, zootecnistas e tutores, mas pertinência sobre manutenção de espécies em cativeiro é foco de debate
Em 1500, na chegada àquela que os colonizadores batizaram, inicialmente, de Ilha de Vera Cruz, a fauna nativa foi uma das fontes de encantamento e cobiça. Mais de 500 anos depois, o fascínio por animais exóticos e silvestres segue inabalado e crescente em Pindorama. Hoje, no entanto, a manutenção de espécies em cativeiro gera questionamentos de profissionais e Organizações Não Governamentais (ONGs) de proteção animal sobre a validade desse método para a conservação e o bem-estar de animais fora de seus habitats.
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O fato é que o mercado de animais de estimação no país cresceu 13% em 2020, faturando R$ 40 bilhões (projeções do terceiro trimestre do ano passado). Os dados são do Instituto Pet Brasil, ligado à Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), e consideram o faturamento de indústria, comércio varejista e venda direta de animais por criadores. Não há dados específicos sobre as vendas voltadas a espécies exóticas ou silvestres, como serpentes, pequenos roedores e aves, mas estima-se que, da população pet no Brasil (139,3 milhões de animais, em 2019), 40 milhões sejam aves e 2,4 milhões, pequenos mamíferos e répteis.
“Na última década, a população de animais de estimação vem crescendo em ritmo constante, próximo de 2% ao ano, em média. Cada vez mais são vistos como membros da família, o que se aplica também aos pequenos mamíferos e répteis”, afirma Nelo Marraccini, presidente executivo do instituto, para quem a demanda por pets não convencionais tende a crescer de forma lenta, porém estável. “Por serem de menor porte e exigirem menos tempo de atenção do que cães e gatos, a quantidade desses animais deve crescer, principalmente nas grandes cidades, onde os espaços são menores e mais pessoas moram sozinhas ou têm famílias pequenas”, completa.
Animais silvestres, porém, são frequentemente vítimas do tráfico. Segundo a ONG Renctas, essa é a terceira maior atividade ilegal do mundo, só perdendo para o tráfico de armas e de drogas. Em relatório de 2001, a organização estimou que o crime movimentava, por ano, US$ 20 bilhões, sendo cerca de US$ 3 bilhões no Brasil, onde 80% das vítimas são aves, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a própria Renctas. “A estimativa é que o tráfico de animais silvestres retire da natureza brasileira cerca de 38 milhões de animais todos os anos”, informa o site da organização.
É uma situação grave, considerando que o Brasil possui 1.173 espécies da fauna prestes a desaparecer e outras 318 ameaçadas, conforme aponta o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Além disso, o Ibama reportou 405 empreendimentos comerciais de fauna silvestre ou exótica com a finalidade pet, no país. Por um lado, criadores e setor produtivo defendem que fortalecer os criadores reduz o tráfico de animais e incentiva a conservação ex-situ e o mercado legalizado, gerando empregos; por outro, as ONGs asseguram que mesmo o comércio legal estimula o tráfico, pois são frequentes os flagrantes de “esquenta” de animais retirados da natureza. Além disso, menos de 10% das espécies de criadouros comerciais estariam ameaçadas.
Como classificar silvestres, exóticos e domésticos?
Silvestres: espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham a sua vida ou parte dela ocorrendo naturalmente no território brasileiro e suas águas jurisdicionais. Exemplos: tamanduá-bandeira, papagaio-verdadeiro, arara-canindé e canário-da-terra.
Exóticos: animais que não são originários, não vivem ou não têm parte do seu ciclo de vida em território brasileiro. Exemplos: píton, tartaruga-mordedora e cacatua.
Domésticos: aqueles que não vivem mais em ambientes naturais e tiveram seu comportamento alterado pelo convívio com o homem. Exemplos: gato, cachorro, cavalo e vaca.
Observação: o Anexo I da Portaria Ibama nº 93/1998 apresenta uma lista de “animais domésticos para fins operacionais”, na qual constam animais exóticos sem exigência de autorização para criação doméstica, como calopsita, coelho, chinchila e canário-belga.
Fontes: Dalton A. Antunes, Karolina Vitorino, Lei nº 9.605/2008 e Portaria Ibama nº 93/1998.
Alimentação e manejo merecem atenção
O aumento potencial da preferência por quem vive em espaços pequenos, além da mudança de hábitos de alimentação de pássaros, roedores, répteis e lagomorfos, impulsiona a meta da Megazoo de crescer 20% por ano. “Somente 30% dos pássaros nas grandes cidades usam alimentos extrusados. A maioria consome apenas sementes, que muitas vezes não atendem às necessidades nutricionais dos animais”, observa Luiz Fernando dos Reis Albuquerque, CEO da Megazoo.
A empresa, com sede em Betim (MG), fornece para zoológicos, centros de primatologia, criatórios e redes de varejo no Brasil, além de exportar para 13 países, os mais de 150 itens de seu portfólio, que incluem farinhadas, papas e mixes de sementes, como também uma recém-lançada linha voltada a animais convalescentes. A Megazoo emprega cinco médicos-veterinários e um zootecnista e outros 50 trabalham nos distribuidores. Também faz parcerias com universidades e profissionais autônomos em projetos.
Alimentação é um dos principais focos de atenção no cuidado com esses animais, sinaliza o zootecnista e advogado Dalton Araujo Antunes, com longo histórico de atuação profissional na área ambiental. Fundador dos cursos da Fauna em Foco, ele aponta que, apesar de já haver rações específicas para silvestres e exóticos, a variedade é pequena. Além disso, comenta, é comum que tutores cometam erros, como oferecer apenas alface a jabutis ou permitir que papagaios comam pão e tomem café.
“Animais de origem silvestre ou exótica em cativeiro necessitam de balanceamento de taxa metabólica basal diferenciada, pois na natureza caçam, procuram alimento, voam. O alimento, além de nutrir, é uma forma de enriquecimento ambiental e bem-estar. O conhecimento técnico é importante, é preciso um cuidado diferenciado”, sinaliza o zootecnista.
Antunes alerta ainda sobre a importância de o responsável conhecer a espécie que quer comprar ou adotar, pois um psitacídeo ou jabuti, por exemplo, pode viver além do humano que o adquiriu e, na sua ausência, ser abandonado. “O filho solta o animal em qualquer lugar, com risco de morrer ou se reproduzir em excesso, causando problemas ambientais”, observa.
Por outro lado, algumas espécies têm expectativa de vida curta e devem ter uma rotina de avaliações periódicas, alerta a médica-veterinária Karolina Vitorino. “Um rato twister vive cerca de dois anos. Nesse e em casos semelhantes, as consultas preventivas devem ocorrer a cada seis meses, dependendo da espécie e sua propensão a certas doenças”, informa.
A profissional, proprietária de clínica especializada em Brasília (DF), lembra outro fator importante: animais silvestres e exóticos geralmente são presas na natureza e não demonstram facilmente sinais clínicos de que algo não vai bem. Isso se deve ao mecanismo de autopreservação. “Eles tentam camuflar qualquer processo infeccioso ou inflamatório que comprometa sua homeostasia, pois, se demonstram dor, sofrimento ou apatia, são predados com mais facilidade. Isso torna ainda importante levá-los à consulta preventiva, para que o médico-veterinário faça a avaliação clínica detalhada e capte qualquer alteração, antes que o animal a manifeste”, completa.
Antes mesmo da aquisição, é importante a pessoa obter dados sobre alimentação, manejo, expectativa de vida, investimento em atendimentos, bem como entender se a espécie desejada será adequada à sua rotina e condição financeira. A profissional alerta, ainda, sobre o perigo à saúde pública que representam animais oriundos do tráfico, vendidos a preços muito menores do que em um criadouro legalizado.
“Algumas espécies podem disseminar zoonoses, como a psitacose, causada por uma bactéria transmitida por psitacídeos. É muito importante adquirir apenas animais de fontes legalizadas, nunca em sites, feiras ou de forma clandestina”, adverte a médica-veterinária, que costuma indicar locais seguros e certificados por órgãos ambientais para a compra.
Bicho ilegal dá multa e prisão
O artigo 29 da Lei nº 9605/1998 aborda os crimes contra o meio ambiente e as penalidades contra quem “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”, entre outras infrações. A pena para esse e outros crimes listados na legislação é de seis meses a um ano de detenção e multa. “Muita gente acha que ter um papagaio ilegalmente em casa significa apenas pagar multa, sem saber que, além da multa administrativa, responderá na esfera penal”, ressalta Antunes.
Por Viviane Marques – CFMV
Créditos Fotos: Gilberto Soares “Giba”/Arquivo CFMV
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