Diversas cadeias produtivas do setor de agronegócios, um dos mais prejudicados pela greve dos caminhoneiros, estão ampliando a pressão para que o governo entre na Justiça contra os líderes do movimento e exija que as perdas bilionárias registradas desde o dia 21 pela paralisação do transporte em estradas de todo o país sejam ressarcidas.
No segmento de carnes de frango e suína, os prejuízos são calculados em US$ 350 milhões pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). A Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), por sua vez, estima que o faturamento das empresas da área tenha sofrido uma retração da ordem de R$ 510 milhões.
Outros ramos do agronegócio ainda estão calculando seus prejuízos, mas o problema é generalizado. Bloqueios ainda impedem a normalização do fluxo de abastecimento de hortifrutigranjeiros em grandes centros e no interior e reduzem o escoamento das exportações de carnes e de commodities como grãos, café, açúcar, etanol e suco de laranja.
O objetivo de produtores e agroindústrias é que, com esses cálculos à disposição, o Ministério da Agricultura, que também está fazendo suas contas, adote medidas judiciais para que eles sejam ressarcidos.
“A prioridade no fim de semana foi desbloquear rodovias e escoltar caminhões de milho e ração destinados aos animais, principalmente no Sul. Mas tão logo a situação volte ao normal vamos propor à AGU (Advocacia-Geral da União) uma ação judicial para ressarcir os empresários”, disse ao Valor Eumar Novacki, ministro interino da Agricultura. O ministério montou um gabinete de crise para monitorar o impacto da greve no agronegócio.
Apesar das ações emergenciais, Ricardo Santim, diretor-executivo da ABPA, estima que um bilhão de aves e 20 milhões de suínos poderão morrer na próxima semana por causa dos transtornos causados pela greve. Cerca de 64 milhões de aves adultas e pintinhos já morreram. Segundo ele, em três dias o segmento entrará “em colapso”, e o descarte dos animais mortos poderá levar a uma crise de saúde pública. A volta à normalidade levará meses.
A ABPA reforçou que o desabastecimento tende a se agravar e informou que contabilizou, ontem, 167 plantas frigoríficas de aves e suínos paradas em todo o país e mais de 234.000 trabalhadores com atividades suspensas. Grandes produtoras de carnes de frango e suína, como BRF, Seara (controlada pela JBS) e Aurora, estão com boa parte das atividades paralisadas. O mesmo acontece com o abate de bovinos e com laticínios.
A Lactalis, por exemplo, anunciou ontem a suspensão da coleta de leite no Rio Grande do Sul e em outras regiões, até que o transporte rodoviário volte ao normal. “A greve tem prejudicado não apenas a coleta de leite, mas também as atividades da indústria, devido à falta de insumos”, informou a empresa a seus fornecedores de leite. Outras grandes empresas da área, como a Nestlé, enfrentam problemas semelhantes.
Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Lácteos Longa Vida (ABLV), a greve deverá causar a perda de 1% da produção nacional de leite cru, ou entre 200 milhões e 250 milhões de litros.
Em um grupo do WhatsApp, o ministro Blairo Maggi, que voltará hoje ao Brasil após um giro de duas semanas por Turquia, China e França, classificou a situação como “fora de controle”. “A economia brasileira está sendo asfixiada. Todos estamos na iminência de um grave conflito social. Muitos me perguntam o que vai acontecer, qual o final disso tudo. Eu não sei!!!!”, escreveu Maggi.
De acordo com informações enviadas por representantes do setor ao Ministério da Agricultura, a greve gerou o bloqueio do tráfego em pelo menos 50 rodovias cruciais para o escoamento de produtos agropecuários. Grande parte dos pontos de estrangulamento permanecia com problemas ontem.
O movimento dos caminhoneiros também continua prejudicando centrais de abastecimento de frutas, verduras e legumes de capitais e do interior de diversos Estados.
No entreposto da estatal Ceagesp na capital paulista, o maior do gênero no país, a entrega de produtos que nesta época do ano vêm de outros estados está praticamente interrompida. Faltam mamão, melão e batata, entre muitos outros itens. A situação tende a se agravar nos próximos dias, uma vez que a população teme a falta de alimentos e começa a fazer estoques de alguns gêneros, o que já tem provocado filas em supermercados.
Segundo a Ceagesp, a situação tende a ser agravar também nos entrepostos paulistas de Araçatuba, Marília, Franca, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José dos Campos e São José do Rio Preto. Segundo o Cepea/Esalq, a situação tem feito com que muitos produtores de diversos estados interrompam a colheita de produtos como alface, cebola, maçã, melancia, uva e batata. Os aumentos de preços já superam 100% em muitos casos.
Com a multiplicação dos problemas, a bancada ruralista passou a defender o fim das paralisações. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) divulgou comunicado no qual diz apoiar o “legítimo” movimento dos caminhoneiros, mas manifestou “grande preocupação” com o bloqueio do transporte de cargas vivas, remédios, combustíveis e alimentos.
“Não se pode perder o foco e deixar que uma manifestação com início ordeiro, pacífico e organizado incentive o caos e o abastecimento generalizado dos cidadãos”, informou a FPA em comunicado.
Cerca de dez deputados ruralistas estiveram em várias reuniões nos últimos dias no Palácio do Planalto e manifestaram apoio, sobretudo, à principal reivindicação dos caminhoneiros, que é a alíquota zero para os tributos Cide e Pis/Cofins sobre o óleo diesel. Mas muitos integrantes da bancada ruralistas são empresários do setor e também passaram a ter seus negócios prejudicados.
Um deles é o deputado federal Adilson Sachetti (PRB-MT), que mantém com familiares uma granja de suínos em Itiquira, no sul mato-grossense.
“Criamos 2.000 matrizes de suínos, mas não estamos embarcando para as indústrias porque os frigoríficos estão todos fechados. Como o farelo de soja não chega, se a greve continuar só consigo alimentar os animais por mais uma semana”, disse. “Os caminhoneiros têm de avaliar os ganhos que já tiveram e reavaliar as paralisações”.
Fonte: Valor Econômico