A liderança do Brasil em áreas protegidas
Nenhum país dedica mais território à proteção da vegetação nativa e da biodiversidade do que o Brasil. Quinta nação do mundo em extensão territorial, o Brasil é o primeiro em áreas protegidas, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)[2].
Internacionalmente, consideram-se áreas protegidas dois grandes tipos de territórios com funções relevantes na proteção do meio ambiente: as unidades de conservação e as terras de uso tradicional ou indígena.
Unidades de conservação
A definição das unidades de conservação da natureza varia bastante entre os países e inclui diversas categorias de proteção. Os parques naturais da Europa, por exemplo, são análogos às áreas de proteção ambiental (APAs) do Brasil, onde a presença humana e as atividades econômicas são possíveis.
As áreas protegidas no Brasil tiveram um progresso enorme desde a promulgação da Constituição Federal em 1988. Até então existiam 248 unidades de conservação da natureza (UCs). Elas ocupavam uma área de 19.859.861 ha ou 2,3 % do Brasil. Em 30 anos, esse número foi multiplicado por oito. Hoje são 1.871 UCs, incluindo as Áreas de Proteção Ambiental (APAs). As UCs ocupam 154.433.280 ha, o equivalente a 18% do país (Fig. 1).
Terras indígenas
As terras indígenas (TIs), até a Constituição de 1988, eram 60 e ocupavam uma área de 16.172.575 hectares ou 1,9% do Brasil. Em 30 anos multiplicaram-se por 10. Hoje são 600 terras indígenas ocupando uma área total de 117.956.054 ha, o equivalente a 14% do Brasil (Fig. 2).
Figura 2 – Repartição Territorial das Terras Indígenas no Brasil
Áreas protegidas
Juntas, unidades de conservação da natureza e terras indígenas constituem as chamadas áreas protegidas do Brasil, incluindo as Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Descontadas as sobreposições existentes entre essas duas grandes categorias, elas reúnem 2.471 áreas, num total de 257.257.508 ha ou 2.572.575 km². As áreas protegidas representam 30,2% do território nacional, definidas pelo poder público (Fig. 3).
Figura 3 – Repartição Territorial das Áreas Protegidas no Brasil
Áreas protegidas no Brasil e no mundo
O Brasil ocupa 7% das terras continentais (sem incluir a Antártida). Suas áreas protegidas representam mais de 14% de todas as existentes no planeta (18 milhões de km2) e mais da metade do total destinado à proteção na América Latina e Caribe.
E quanto os outros grandes países do mundo como Rússia, China e EUA protegem de seus territórios? Os dados da UNEP atestam: a média de áreas protegidas em países com mais de 2,5 milhões de km2 é de 10,9% contra 30,2% no Brasil (Fig.4). O Brasil protege três vezes mais o seu território.
Figura 4 – Porcentagem de Áreas Protegidas em países com mais de 2,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão territorial
ÁREAS PROTEGIDAS TERRESTRES DOS 9 PAÍSES COM MAIS DE 2,5 M km2 EM PORCENTAGEM (IUCN, 2016)
As áreas protegidas desses outros países, em grande parte, são desertos desabitados (China, Austrália, EUA, etc.) ou ainda regiões polares, subárticas ou de montanhas inaptas para uso agrícola e até para a ocupação humana (Alasca, Sibéria, Andes, Ártico etc.) (Fig. 5).
No Brasil, praticamente sem exceções, as áreas protegidas reúnem terras com florestas e potencial produtivo, inclusive mineral. A dificuldade na manutenção de sua integridade, em algumas situações, é grande face às demandas sociais e econômicas existentes, sobretudo no Nordeste e na Amazônia (Fig. 8).
Figura 5 – Repartição mundial das áreas protegidas em países com mais de 2,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão territorial
As áreas protegidas do Brasil equivalem à área total de 15 países da União Europeia (2.480.778 km2). Corresponde ainda a 54% da área total da União Europeia. Se as áreas protegidas do Brasil fossem colocadas sobre a Europa, recobririam integralmente os territórios da Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslovênia, Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Reino Unido (Fig. 6).
Figura 6: Área de 15 países da União Europeia, equivalente à superfície total das áreas legalmente protegidas no Brasil
Conforme afirma o Protected Planet Reportda UNEP de 2016, o Brasil detém e mantém “a maior rede nacional de áreas protegidas do mundo”[3]. E mesmo assim, paradoxalmente, o Brasil é alvo de críticas internacionais quanto à proteção ambiental em seu território.
Quem mais protege, mais preserva
Diante desse amplo quadro ambiental protetivo, poder-se-ia esperar que, no restante do Brasil, as terras agrícolas pudessem ser utilizadas sem maiores restrições. Como ocorre na Europa, Ásia e Estados Unidos, por exemplo. Mas não.
Por determinação da legislação ambiental, todo produtor rural brasileiro deve ser um ambientalista. Ele deve preservar a vegetação nativa em 20% da área de seu imóvel na região da Mata Atlântica e da Caatinga. Esse número sobe para até 35% no caso dos Cerrados e atinge 80% na Amazônia (Fig. 7). Sem direito a nenhuma forma de compensação financeira ou de remuneração por isso. É a chamada “reserva legal”, uma exigência da legislação ambiental[4]sem paralelo em todo o mundo.
Figura 7. Mapa das porcentagens de exigência de Reserva Legal por Bioma
A liderança da agricultura brasileira em áreas preservadas
Resultada da política ambiental, em todo o Brasil, duas realidades espaciais coexistem nos imóveis rurais: as áreas não exploradas e as exploradas. Nas áreas não exploradas, a vegetação nativa é mantida em diversos graus de preservação pelos agricultores.
Até 2014, os únicos números sobre áreas destinadas à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais eram os provenientes do Censo Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas estimativas eram declaratórias e não tinham base cartográfica. Algumas questões permaneciam em aberto, sem respostas precisas, tais como:
- Qual a área de vegetação preservada no interior dos imóveis rurais?
- Quanto da área agrícola do Brasil está destinado à preservação ambiental?
- Seria possível mapear e quantificar esse fenômeno nos imóveis rurais, municípios, microrregiões, estados, regiões e país?
A possibilidade do conhecimento atualizado das áreas efetivamente preservadas pelos produtores nos imóveis rurais teve um avanço significativo com o advento do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Cadastro Ambiental Rural
O CAR é um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, e constituiu um relevante instrumento de planejamento agrícola, ambiental e econômico. Até o início de janeiro de 2017, mais de 3,92 milhões de imóveis rurais, totalizando 399.233.861 hectares, estavam inseridos no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), gerenciado pelo Serviço Florestal Brasileiro.
Cada produtor rural, ao cadastrar seu imóvel, preenche uma série de fichas e mapeia o uso e a ocupação das terras em seu imóvel, com base em imagem de satélite de alta resolução (5 m). Um exemplo de cadastramento rural no CAR pode ser observado na Figura 8.
Figura 8. Exemplo do cadastro ambiental rural de imóveis rurais no Estado de São Paulo, com os limites das propriedades e as áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa em verde
Além de dados alfanuméricos, o CAR reúne informações em base cartográfica, como o perímetro do imóvel e, no seu interior, o mapeamento de áreas ocupadas, de preservação permanente (APP), reserva legal, servidões, construções, de interesse social, de utilidade pública, etc. São 18 categorias de uso e ocupação das terras geocodificadas em cada imóvel.
Integração dos dados do CAR
A Embrapa Territorial [5] integrou ao seu Sistema de Inteligência Territorial Estratégica todos os dados geocodificados disponíveis do Cadastro Ambiental Rural no SICAR em janeiro de 2017. Com esse enorme banco de dados numéricos e cartográficos, pela primeira vez, abriu-se a perspectiva de qualificar e quantificar as áreas de vegetação preservadas nos imóveis rurais com base em mapas unificados, delimitados e verificados sobre imagens de satélite de alta resolução espacial.
Preservação rural: principais resultados
Em janeiro de 2017, os dados do CAR dos imóveis rurais Mato Grosso do Sul e do Espírito Santo ainda não haviam migrado para o SICAR. O valor apresentado das áreas de vegetação preservada, nos imóveis aqui apresentados, segue subestimado pela ausência dos dados desses dois estados e pela falta de cadastramento de muitos imóveis rurais no Nordeste.
A unificação cartográfica homogênea das áreas de vegetação preservadas no interior dos imóveis rurais e cadastradas no SICAR no Brasil até janeiro de 2017 pode ser observada na Figura 9.
Figura 9. Brasil. Área Mapeada de Vegetação Preservada nos Imóveis Rurais do SICAR, ainda sem os estados do Espírito Santo e do Mato Grosso do Sul
O detalhamento das áreas preservadas mapeadas e medidas em cada microrregião e em cada um dos 25 estados também está disponível para consulta em tabelas específicas, estado por estado, no site do projeto “Agricultura e Preservação Ambiental – uma primeira análise do Cadastro Ambiental Rural” [6].
Os resultados obtidos mostram uma participação muito significativa da agricultura na preservação ambiental. Em janeiro de 2017, 176.806.937 hectares estavam destinados à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais ou 20,5% do território nacional. O total das áreas destinadas à preservação da vegetação nativa representava 47,7% da área total dos imóveis cadastrados.
Uma agricultura preservacionista
Qual agricultura no mundo dedica tanta área de seu território (20,5%) à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais? Qual país exige uma contribuição dessa magnitude (48% da área dos imóveis não é explorada) de seus produtores rurais?
O Brasil é e será cada vez mais reconhecido como potência agrícola e ambiental. O total das áreas destinadas à preservação e proteção da vegetação nativa em unidades de conservação e terras indígenas (2.471 unidades e territórios), terras devolutas e imóveis rurais representam hoje 563.736.030 hectares ou 66,3% do território nacional (Fig 10).
Figura 10. Áreas protegidas em unidades de conservação, terras indígenas, áreas militares, áreas destinadas à preservação da vegetação nativa e áreas não cadastradas.
Os dados organizados pela Embrapa Territorial indicam que a área das lavouras (7,8% do território nacional) representa, apenas e praticamente, um terço do que já está destinado à preservação nos imóveis rurais. Somadas às áreas de florestas plantadas, chega-se a 9% (Fig. 11).
Figura 11. Atribuição, uso e ocupação das terras no Brasil em porcentagem
A dimensão geográfica dos 563.736.030 hectares ou dos 5.637.360 km² destinados hoje no Brasil à proteção, à preservação e à conservação da vegetação nativa representa uma área maior do que a superfície total dos 28 países da União Europeia. E ainda caberia um adicional de 3,6 Noruegas nesse total (Fig. 12).
Figura 12. Área destinada à proteção e à preservação da vegetação nativa no Brasil corresponde à área territorial de toda a União Europeia mais 3,6 Noruegas
A disponibilidade de áreas para expansão da produção agropecuária ainda é superior a 60 milhões de hectares. A Embrapa Territorial tem identificado e qualificado áreas com potencial para expansão de lavouras em todo o país. São principalmente pastagens extensivas, passíveis de serem convertidas em lavouras e florestas plantadas, além de áreas passíveis de serem abertas no interior dos imóveis com parcelas significativas de vegetação nativa excedente, respeitada a legislação ambiental. Essa expansão ocorre na região conhecida como MATOPIBA[7]e também é observada em pastagens no Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil, com o sistema de produção conhecido como Integração Lavoura Pecuária (ILP).
Por Evaristo E. de Miranda – [1] Doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa Territorial
[2] IUCN. Disponível em: https://wdpa.s3.amazonaws.com/Protected_Planet_Reports/2445%20Global%20Protected%20Planet%202016_WEB.pdf
[3] UNEP. Disponível em: https://www.protectedplanet.net/c/protected-planet-report-2016
[4] Código Florestal Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012, Art. 3o Inciso III. Reserva legal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm.
[5] www.cnpm.embrapa.br
[6] https://www.cnpm.embrapa.br/projetos/car/
[7] Extensão geográfica que recobre parcialmente os territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O MATOPINA reúne 337 municípios e uma área total de 73.173.485 ha.