Futura instalação de fábrica de malte nos Campos Gerais reforça opção pelo cereal de inverno. Rentabilidade da cultura vem superando a do trigo nas lavouras paranaenses
No ano que vem, o produtor Edenilson Luiz Martincoski, de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, pretende dedicar metade da área com cevada na propriedade de 300 hectares. Atualmente, ele destina 20% das lavouras de inverno para o cereal. Há cinco anos trabalhando com o grão da cerveja, Martincoski está animado com a futura instalação de uma maltaria na região, fruto de um investimento conjunto de seis cooperativas (Bom Jesus, na Lapa; Capal, em Arapoti; Castrolanda, de Castro; Coopagrícola, de Ponta Grossa; Frísia, em Carambeí; e Agrária, de Guarapuava) que deve ampliar a demanda do grão na região. “A expectativa é grande”, revela.
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Em todos os anos em que cultivou o cereal, Martincoski obteve bom padrão de qualidade dos grãos, o que garantiu lucro com a comercialização da produção. “Quando se planta cevada, a intenção é fazer 100% da produção que possam ir para a maltaria. Se você consegue uma boa germinação, vai obter reembolso maior pela qualidade do grão”, explica.
Até então sua produção era encaminhada para a maltaria da Agrária, localizada no distrito de Entre Rios, em Guarapuava, que atualmente responde por toda demanda de cevada no Estado. A produção é destinada à fabricação de malte cervejeiro, fornecido para todas as cervejarias do Brasil. “Desde o pequeno cervejeiro até grandes empresas como Ambev e Heineken”, afirma o gerente comercial da cooperativa, Jeferson Caus. Com produção de 360 mil toneladas de malte por ano, trata-se da maior maltaria da América Latina, que atende cerca de 30% da demanda da indústria de cerveja no Brasil.
Com investimentos de R$ 1,5 bilhão, a nova fábrica de malte, que deverá ser instalada até 2023 na região dos Campos Gerais, deve mudar o mapa da cevada no Paraná (veja o gráfico na página 8). Hoje a produção se concentra na região Central, ao redor da maltaria da Agrária. A expectativa com o novo empreendimento é produzir 240 mil toneladas de malte por ano e gerar 1 mil empregos diretos e indiretos.
Fomento
Para dar conta deste volume, será necessário fomentar a produção de matéria-prima na região. Segundo Caus, existem diversas estratégias para esti mular o plantio da cevada para abastecer a nova fábrica de malte. “É uma série de fatores, além do preço. Hoje já fomentamos a produção nos Campos Gerais. Vamos ter que dobrar, mas é um número pequeno em relação ao potencial de área”, avalia.
Para ser utilizada na fabricação de malte a cevada deve atender a uma série de requisitos de qualidade. No caso da Agrária são levados em conta dez critérios, como tamanho do grão, percentual de proteína, presença de micotoxinas, poder de germinação, entre outros.
A remuneração também tem que ser interessante para estimular o produtor a atender esses padrões e – mais do que isso – para levá-lo a escolher o grão como opção de inverno, em detrimento do trigo. Geralmente, a cotação da cevada é definida levando em consideração o preço do produto na Argentina e também o do trigo na Bolsa de Chicago.
“A cevada nacional não pode ficar mais cara que a cevada importada. A paridade é um dos critérios na precificação”, explica Caus.
De acordo com o gerente comercial da Agrária, o volume adicional de malte que passará a ser produzido no Paraná não deve derrubar o preço do produto. “Hoje o mercado brasileiro de malte é de 1,7 milhão de toneladas. Se produzirmos [juntas a maltaria da Agrária e a nova] 600 mil toneladas, poderiam vir mais quatro maltarias iguais que não abasteceria o mercado. A gente concorre com produto importado”, afirma Caus.
Escolha de inverno
A ampliação do mercado para a cevada do Paraná deve mudar o mapa das lavouras de inverno. Hoje, o trigo é a principal cultura, o que faz do Paraná o maior produtor nacional. Para efeito de comparação, na última safra paranaense de trigo ocupou 1,1 milhão de hectares, enquanto a cevada apenas 67 mil hectares. Por outro lado, a evolução da área destinada ao cereal da cerveja vem crescendo a olhos vistos no Estado.
“A produção de cevada vem ganhando espaço, especialmente a partir de 2016. Dentre os principais polos cervejeiros do Estado, a região Centro- -Oriental se destaca, passando de 22 mil toneladas em 2009 para 56 mil toneladas em 2019”, destaca Ana Paula Kowalski, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
No caso do produtor Guilherme Frederico de Geus Filho, de Tibagi, o trigo e a cevada convivem juntos há mais de dez anos em um sistema de rotação de culturas que inclui também a aveia. “Ano a ano estamos tentando aumentar a área de cevada. Agora vamos ter mais segurança para plantar”, avalia o cooperado da Frísia.
A expectativa das cooperativas envolvidas no novo empreendimento é chegar a 100 mil hectares de cevada por ano nos Campos Gerais. Para que o cereal encontre ambiente favorável, uma das frentes do projeto é a pesquisa de variedades adaptadas para as condições de clima da região, missão que cabe à Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (Fapa) e à Fundação ABC, órgão de pesquisa agropecuária ligado às cooperativas Frísia, Castrolanda e Capal.
De acordo com Geus Filho, o valor recebido pela cevada e pelo trigo na cooperativa é muito parecido. “Mas se você tem um ágio de qualidade, a cevada fica com preço bem melhor”, observa. Apesar do cereal da cerveja ter um custo de produção superior ao do pão, ele remunera os produtores acima do custo operacional há pelo menos quatro safras, de acordo com dados do Programa Campo Futuro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Segundo o levantamento, nas últimas sete temporadas a receita bruta da cevada ficou muito acima da do trigo. Além disso, segundo o produtor de Tibagi, a produtividade também seria maior na cevada. “O teto produtivo é maior. Produz mais que trigo, tranquilamente, de 10% a 15%”, avalia.
Opção agronômica
Outras vantagens da cevada dizem respeito ao seu comportamento agronômico. Segundo o pesquisador da Embrapa Trigo, Aloísio Vilarinho, a cultura é mais rústica que outras de inverno em termos de necessidade hídrica. “No ano passado quando teve estiagem, não chegou a comprometer a produção. E a qualidade foi lá em cima”, aponta.
Segundo o especialista, uma preocupação que deve estar no horizonte dos produtores é o cuidado com o solo, uma vez que a cevada não tolera solos ácidos. “A cultura está sujeita a doenças fúngicas como o oídio e doenças foliares. Também tem que estar atento em relação à giberela, que acontece no final do ciclo, e pode inviabilizar o grão tanto para a alimentação animal quanto humana [fabricação de cerveja]”, sentencia Vilarinho.
Segundo o produtor Edenilson Martincoski, de Ponta Grossa, o cereal também produz uma ótima palhada que mais tarde se converte em matéria orgânica, protegendo e enriquecendo o solo. “Para ter lucro com a cevada tem que se planejar, contratar um bom agrônomo, fazer tudo direitinho”, finaliza.
Da cevada ao malte
Para transformar a cevada em malte, costuma-se dizer que o grão precisa “estar vivo”, isto é, precisa ter poder de germinação para que o processo tenha sucesso. Uma vez segregadas as diferentes variedades de cevada (para produção de malte não pode haver mistura varietal), os grãos são levados para um tanque e molhados de forma que comecem a germinar. Essa fase explica a importância de um índice de pelo menos 95% de germinação exigido.
Em um ambiente de temperatura controlada, os grãos começam a brotar. Neste processo, cada grão processa as enzimas que vão converter o amido em açúcares, que mais tarde se transformarão no álcool presente na cerveja.
Depois de brotar, os grãos são levados para uma estufa com temperaturas que podem chegar a 80ºC, para secagem e torra. De acordo com a variedade escolhida e com o tipo de torra, é possível produzir diferentes tipos de malte, como o Pale Ale, Munique e Vienna. No Paraná, a maltaria existente na região de Guarapuava tem como carro-chefe o malte tipo Pilsen.
Por Sistema FAEP/SENAR-PR
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