Em grupos de Facebook e Whatsapp elas trocam informações sobre o setor e se organizam para defender questões em que acreditam.
Elas estão por toda parte. São veterinárias, zootecnistas, engenheiras agrônomas, pecuaristas, agricultoras, todas apaixonadas pela lida no campo. Cada vez mais buscam se juntar e compartilhar experiências. Por meio de grupos no Facebook e Whatsapp, se organizam e ganham confiança de que podem e devem ocupar seu espaço. De acordo com o último senso agropecuário do IBGE, de 2006, elas, as mulheres brasileiras, dirigem em torno de 656 mil propriedades rurais no Brasil, 13% de um total de pouco mais de 5 milhões.
Érika Bannwart, de Pirajuí, SP, faz parte dessas estatísticas. “Há 25 anos me dedico à fazenda que está na minha família desde 1929”, conta. Tendo trabalhado com ovinos e gado de corte, hoje a proprietária da Fazenda Engenho mantém foco na cria, com cruzamento industrial. “Nosso objetivo é produzir um bezerro de qualidade, adotar novas tecnologias. Nos grupos de que participo já cheguei a influenciar outros produtores a aderirem à IATF”, diz.
Participante ativa do Grupo Pecuária Brasil (GPB) no Telegram, ela resolveu criar há um ano o GPB Rosa no Whatsapp. Ao todo, participam do grupo 16 mulheres de Bauru, SP, e região, que trocam informações quase que diariamente. “O que nos fortaleceu foi que fizemos amizade, e temos liberdade para perguntar o que for”, afirma Érika. No grupo do Whatsapp elas trocam ideias, se atualizam, cotam preço de vacina, de protocolo de inseminação, indicam funcionários e já chegaram até a fechar negócios entre si. Diferente do homem, Érika acredita que a mulher está mais aberta a compartilhar o que sabe e dividir seus problemas.
Da vontade de se ajudar e promover atividades juntas nasceu também a página ‘Mulheres do Gir’, no Facebook. Criada em 2008 pela nordestina Camila Almeida, a página conta hoje com 882 curtidas e foi um pontapé para que o grupo começasse a organizar leilões. Ao todo, foram cinco edições, que pararam de acontecer quando a Feileite deixou São Paulo.
Mas nem por isso a discussão esfriou, e depois do Face as Mulheres do Gir formaram um grupo menor, de 40 pessoas, no Whatsapp. A maioria delas é de São Paulo e Minas Gerais, mas segundo Camila ainda compõem o grupo representantes do Sul do país, Rio de Janeiro, Bahia e Mato Grosso. “A gente troca mensagens sobre tudo: política, gado, eventos, viagens, família”, diz. A iniciativa virou sinônimo de integração. “As feiras passaram a ser nosso ambiente de encontro, e muitos maridos que não levavam as esposas para exposições começaram a levar”.
Assunto para mais de metro – Nas rodas de conversa e nos chats, um dos assuntos preferido delas na pecuária é o bem-estar animal. “Na minha fazenda, por exemplo, essa é uma questão que a gente discute. Deixamos as vacas soltas no pasto, não temos animais em baias e não usamos hormônios. Também não levamos vacas em lactação para exposição porque isso muda a rotina delas, causa estresse. Optamos por mostrar catálogos, fotos e vídeos”, conta Camila.
Na propriedade de Érika não é diferente: “Tirei as esporas dos peões e estou incentivando os empregados a tocarem o gado com uma bandeira, não existe necessidade de gritar com os animais”, diz a produtora.
Outras práticas também geram incômodo: “Nos torneios leiteiros a gente vê que para entrar na pista as vacas ficam de peito cheio às vezes até 24 horas, e imagine o quanto isso dói”, afirma Camila – que administra junto com o marido um pequeno laticínio, além da propriedade da família em Caçapava, SP. Para ela, é indispensável zelar pela saúde dos animais e qualidade dos seus produtos. “Hoje em dia, temos até chefes de cozinha fazendo pratos com os nossos queijos, leite, carne”, comenta.
De olho na ponta da cadeia, outro assunto que as mulheres têm discutido é a sustentabilidade da produção. Na região de Luís Eduardo Magalhães, BA, Neuza Muterle Brezolin conta que está se formando um grupo feminino com foco na relação do agronegócio com o meio-ambiente. “Queremos mostrar para as pessoas que o agro não é um bicho de sete cabeças que vai devorar o mundo. Até porque, temos regras rígidas que precisamos seguir”, diz.
O objetivo do grupo, que deve se comunicar pelo Whatsapp, é divulgar informações no sentido contrário a esse pensamento. A iniciativa conta com a participação de agricultoras e pecuaristas. “A maioria vem de berço agrícola e não necessariamente tem formação na área, mas tem sim uma história relacionada ao campo desde a infância”, conta Neuza; o que se repete em grande parte do país.
Sucessão familiar – Nos arredores de Rio Verde, a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo) já atentou para esse histórico das mulheres e oferece dentro do seu programa de formação, só para elas, um módulo sobre sucessão familiar. A turma do ano passado teve 40 participantes, que depois do curso se reuniram em um grupo no Whatsapp.
Siomara Martins, coordenadora de cursos para cooperados e cooperadas da Comigo, vê as mulheres assumindo, cada vez mais, posições de liderança. “Durante o curso que oferecemos para elas trabalhamos módulos sobre sucessão familiar, cooperativismo, empreendedorismo, protagonismo feminino e mulher como agente de transformação e desenvolvimento, porque a ideia é essa, que elas se sintam capazes”, afirma.
Márcia Raquel Gomes Andrade é uma das participantes do curso deste ano e conta o impacto que as conversas em grupo tiveram para ela e as produtoras que conheceu: “Esse curso foi muito, muito importante para a gente. Foi uma descoberta do que a cooperativa pode nos oferecer e a certeza de que o modelo das famílias de antigamente mudou”, diz.
No passado, segundo Márcia, era comum que o homem trabalhasse na fazenda e a mulher cuidasse da casa e dos filhos, mantendo certo distanciamento do negócio. “Agora não é mais assim. Entre eu e meu esposo, quem sai mais para fazer os cursos sou eu e quem cuida da burocracia, do escritório, sou eu também”, afirma. No grupo do Whatsapp, Márcia e as demais cooperadas trocam indicações de eventos, buscam conhecimento e aproveitam para fortalecer suas relações. “Minha visão mudou bastante depois disso, tive minha auto-estima melhorada e agora vejo a mulher como uma agente de transformação”, conta.
Longa jornada – Também por meio de cursos presenciais, e de um site e uma página no Facebook com 1.665 curtidas, a zootecnista Lilian Jacinto tenta levar mais informação para as mulheres do campo. Seu projeto, chamado Pecuária de Salto Alto, foi criado este ano, quando Lilian, então professora de cursos de ciências agrárias da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), sentiu a necessidade de produzir conteúdos voltados ao público feminino.
“Eu via que as meninas lotavam cada vez mais as minhas salas de aula, chegando a ser 50% ou até 60% do total de alunos, mas que faltava material focado especificamente nelas”, afirma. A realização em 2016 do 1° Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio foi um primeiro passo, lembra a zootecnista. Da criação do Pecuária de Salto Alto para cá, Lilian postou em suas redes conteúdo sobre mulheres que, para ela, são referência no agro, falou de iniciativas que fomentam a criação de lideranças e ofereceu, somente para o público feminino, cursos focados no manejo de bezerros e novilhas e morfologia de Gir e Girolando.
Natural de Ituiutaba, MG, ela brinca que foi treinada desde criança para ser juíza de vaca, como o pai, mas que mesmo tendo vivência na fazenda e sendo formada na área, sabe o peso que tem o preconceito entre as mulheres do agro. “Esse é um tema muito presente para algumas de nós e que eu vejo entre as minhas alunas. Elas não sabem o que vão encontrar pela frente, se alguém vai colocar em dúvida o trabalho delas, e eu acho importante falar disso”, diz.
Outra questão é o assédio: “Muitas delas me perguntam o que fazer, como agir, mas é difícil tratar desse assunto, porque você não sabe qual vai ser a reação do outro lado. O fato é que o assédio existe no meio, e é moral, profissional, psicológico e até sexual”, afirma. E para superar esses temas, Lilian acredita que eles precisam ser debatidos.
Hoje, no Facebook, duas grandes comunidades femininas do agro são o grupo fechado ‘Mulheres do Agronegócio’, com 976 membros, fundado há sete anos por Maria Cristina Bertelli, do Terraviva, e o ‘Agro Mulheres’, com 529 participantes, criado há uma semana por Flavia Roppa, da Revista Pork. Ambas as iniciativas visam apresentar as mulheres de diversas áreas do setor e promover a troca de informações. De acordo com Flavia Roppa, as postagens no novo grupo devem contar com assuntos variados, indo da pecuária à agricultura, além de abranger questões sobre o mercado de trabalho.
Fonte: DBO