Algo esta muito errado, ou a mídia e os governantes estão se esquecendo de mais de 100 milhões de habitantes neste momento de pandemia mundial. Você não leu errado, estamos falando de 49% da população brasileira que vive no interior do Brasil e não está sob os holofotes da imprensa e nem das lideranças políticas deste país.
Leia o artigo até o final e entenda esta situação.
O coronavírus existe, mas ainda não chegou no interior do Brasil
Esta é a avaliação de um produtor rural, não identificado, do município de Alto Alegre, interior de São Paulo, que faz uma análise da situação real do Coronavírus em sua região.
Segundo vídeo que circula nas redes sociais, após percorrer diversas cidades vizinhas ao seu município e falar com parentes que moram mais próximos a capital paulista, existe muita especulação e nenhum caso confirmado até agora. Para o produtor, bater panelas durante o pronunciamento do presidente “não resolve a situação” e por isso ele faz um alerta, “Vocês vão bater panelas sim, daqui 15 dias quando vocês perderem todos os seus empregos, porque seus patrões não vão guentar pagar vocês parados“. Ele ainda faz referência a diversos empresários que tem despesas com aluguel e ainda precisam arcar com o pagamento de salários, na visão dele se tiverem que optar, é claro que irão escolher mandar embora os funcionários.
“Na hora que cessar o dinheiro de vocês, como é que vocês vão comprar aquilo que esta na prateleira do mercado? Vocês vão ter na prateleira, mas não ter como comprar. Aí vocês vão bater na panela!“, adverte o produtor rural.
Mato Grosso, o grande estado do agro
Os números divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde, ontem (27), conforme nota informativo 21, do Centro de Operação em Emergência em Saúde Pública (COE COVID-19), apresentam bem esta realidade do interior do Brasil. Com dimensões continentais, muitas áreas nativas e pouco mais de 3 milhões de habitantes em todo o estado, Mato Grosso até o momento confirmou apenas 11 casos de coronavírus e 1 hospitalização decorrente do COVID-19. E estes casos confirmados se concentram na capital Cuiabá (08), em Várzea Grande (02) – município vizinho, e apenas 1 caso em Nova Monte Verde, interior do estado. O que nos chama a atenção também, é que somente 646 casos foram notificados oficialmente. Façam as contas, de 3 milhões, apenas 646 casos notificados. Isso é real ou não? Não sabemos com precisão, por isso levantamos estes questionamentos. Veja abaixo um trecho do informativo:
Um pedaço importante do Brasil esquecido por todos
Muito se fala que o Agro é quem esta segurando a economia do país neste momento de crise (e em outros também), mas em todos os pronunciamentos oficiais e imprensa geral, não conseguimos observar nenhuma menção mais detalhada às cidades interioranas, nem tão pouco ações específicas para este setor. Estamos falando isso, pois praticamente todo o setor agro do Brasil está localizado no interior e não nas capitais. Segundo dados divulgados pelo SEBRAE, podemos ter um entendimento melhor sobre a população do interior do interior do Brasil, incluindo informações demográficas, hábitos de consumo e relação com os pequenos negócios. Vamos à alguns números!
No gráfico abaixo, vamos entender primeiro, quantas pessoas estão sendo excluídas deste panorama do Coronavírus.
Como podemos observar, 49% dos brasileiros moram em cidades do interior, isso mesmo, pasmem, mas estamos falando de mais de 100 milhões de habitantes (População total 210.147.125 – IBGE 2019), e acreditamos que a maioria dos idosos, que fazem parte do grupo de risco, moram em uma destas cidades do interior. E porque se fala apenas dos grandes centros? (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Etc..)
Continuando esta análise, é importante saber que deste universo de praticamente 50% da população brasileira, 3 em cada 4 habitantes do interior moram em áreas urbanas, como mostrado no gráfico abaixo:
Lembra do nosso amigo produtor(vídeo), do início desta matéria? ele nos alertou para a sua preocupação com a possibilidade de fechamento de pequenas empresas e o aumento do números de desempregados em sua região. Pois é, ele está correto, observe o gráfico abaixo:
Todos nós sabemos que, em uma crise financeira no país – como esta que esta se consolidando, as primeiras empresas a fecharem as portas são as de pequeno porte. Observando o gráfico acima, podemos avaliar que 38% dos empregados formais – 6.1 milhões de trabalhadores estão no interior. Isso sem contar os trabalhadores informais. Quer saber o que isso representa em massa salarial, então observe agora o gráfico abaixo:
Agora você entendeu a importância de uma política pública adequada para a população interiorana? Caso as autoridades e a mídia não deem a devida importância ao setor agro e respectivamente às pessoas que moram longe dos grandes centros, teremos uma situação de calamidade financeira muito maior que a da pandemia viral. Espero que até aqui você possa ter um entendimento mínimo para nos ajudar a chamar a atenção para esta parte da população esquecida no tempo. Mas continuemos a análise.
Vejam bem, no gráfico acima, um fator que não pode ser descartado neste momento, diz respeito ao lazer. Ir ao supermercado representa a maior atividade de lazer/consumo, o que isso nos diz? Se analisarmos o perfil das pessoas que moram no interior, todos nós sabemos que a cordialidade e receptividade é uma das características do sertanejo. Idas ao supermercado, pode representar que as famílias ainda mantém a tradição de fazer a comida em casa, reunir os familiares e amigos, entre outros momentos de confraternização. Mas como fazer isso em tempos de pandemia? Não sei, mas acredito que o sertanejo raiz será impactado com outra doença invisível, que pode até ser mais grave que coronavírus, estou me referindo a depressão.
Segundo especialistas, depressão ou transtorno depressivo maior é uma doença comum e séria que afeta negativamente como você se sente, como pensa e como age. Felizmente, também é tratável. A depressão provoca sentimentos de tristeza e/ou perda de interesse em atividades que em momentos anteriores traziam prazer. A sensação persistente de tristeza ou perda de interesse que caracteriza a depressão pode levar a uma variedade de sintomas físicos e comportamentais. Estes podem incluir alterações no sono, apetite, nível de energia, concentração, comportamento diário ou autoestima. A depressão também pode ser associada a pensamentos suicidas.
Caso você ainda não tenha entendido, vou dar um exemplo bastante comum no setor rural. Estive conversando com um gerente de uma grande propriedade em SP, sobre a mudança comportamental do peão de fazenda (trabalhador rural). Em nossa análise, o peão com mais idade já estava sofrendo com tanta mudança trabalhista… hora para descanso obrigatório, começar e parar no horário regulamentar, não trabalhar em dias de folga, uso de EPIs, entre outras medidas urbanas que foram incorporadas ao campo. Somente com as questões trabalhistas, eles já estavam observando um aumento no quadro de depressão destes trabalhadores, principalmente os mais idosos. Agora com a necessidade de máscaras, álcool gel, higienização a todo momento para estas pessoas mais simples, o quadro ficará mais estressante. E vale lembrar que é justamente estes trabalhadores que irão sofrer ainda mais com a quarentena impositiva e a possibilidade de perder o emprego.
Para ser mais claro, agora imagina aquele peão raiz (PO), com mais de 60 anos, que nem gosta de ir a cidade, nascido e criado no campo, que é acostumado a acordar às 4h e ir dormir as 19h, que para cerca de 30 minutos, apenas para almoçar e já volta pra labuta. Imagina mandar este homem ficar em casa, “aquartelado”, sem poder trabalhar, ou reunir com seus amigos na roda de viola ao por do sol, sem poder ir a quitanda jogar conversa fora e comprar as suas coisas de casa… Imaginou? pois é, ele corre um sério risco de morrer de desgosto e não de coronavírus, pense nisso.
Como deve ter percebido, iniciamos este artigo fazendo uma pergunta direta e gostaria de concluir perguntando: Afinal, existe Coronavírus no interior do Brasil?
Foto de capa: Pintura Óleo sobre tela – Título: Cozinha caipira, Almeida Júnior – 1895
Por: Vicente Delgado – AGRONEWS BRASIL