Em vigor desde janeiro, a reforma tributária dos Estados Unidos trará poucos benefícios palpáveis para empresas brasileiras com forte atuação direta em território americano, como é o caso de JBS e Marfrig.
Ainda que as subsidiárias dessas empresas instaladas nos EUA também sejam beneficiadas pelas mudanças, sobretudo o corte da alíquota do imposto de renda corporativo federal de 35% para 21%, o efeito positivo tende a ser “neutralizado” pelos impostos que incidem sobre suas controladoras no Brasil.
Tributaristas consultados pelo Valor alertam que, além de pagar no Brasil o que eventualmente economizam nos EUA, as companhias brasileiras em geral estão em desvantagem em relação às rivais americanas naquele mercado. No segmento de carnes em particular, as principais concorrentes de JBS e Marfrig – que obtêm cerca de 50% ou mais de suas receitas nos EUA – são as locais Tyson, Cargill e Sanderson Farms.
Segundo o advogado Ramon Castilho, sócio da área tributária do escritório Cescon Barrieu, essa desigualdade decorre do modelo de tributação em bases universais adotado pelo Brasil – os EUA trocaram o modelo universal pelo territorial. Na prática, o Brasil cobra 34% sobre os lucros da empresa, inclusive os obtidos com operações no exterior. Assim, o valor pago nos EUA poderá ser abatido como crédito tributário, mas ainda restará uma diferença a ser quitada. Os brasileiros só não pagariam mais à Receita Federal se houvesse um acordo que evitasse bi-tributação entre EUA e Brasil.
Nesse cenário, os acionistas no Brasil de empresas que pretendem abrir o capital nos EUA podem não ser beneficiados. Marfrig e JBS têm planos de listar subsidiárias por lá – Keystone e JBS Foods International, respectivamente -, mas como suas economias naquele mercado seriam anuladas no Brasil, apenas os acionistas das subsidiárias seriam beneficiadas.
Além disso, alguns dos incentivos criados pela reforma tributária dos EUA não serão aproveitados na integralidade pelos brasileiros, diz Fernando Giacobo, sócio da PwC. Um desses incentivos é a possibilidade de a empresa abater 100% das despesas com a compra de um ativo produtivo nos EUA no momento da aquisição, o que é positivo para o fluxo de caixa.
Se uma subsidiária de uma companhia brasileira fizer uma aquisição nos EUA, ela terá o benefício. O problema, mais uma vez, é que isso não será levado em consideração no Brasil, e o imposto de 34% será cobrado sobre o resultado integral, não sobre a base de cálculo americana reduzida por ocasião da aquisição. Um efeito semelhante acontecerá com o benefício tributário que a reforma americana criou para investimentos em pesquisa e desenvolvimento, acrescenta Giacobo.
Mas a perda de competitividade não é imediata. Há atenuantes. Até 2022, as companhias dos setores de bebidas, alimentos, construção, infraestrutura e indústria em geral têm direito a um crédito presumido de 9% na tributação dos lucros no exterior. Esse crédito atenua a diferença entre o imposto agora cobrado pelos EUA e a alíquota do imposto brasileiro. Grupos como JBS, Marfrig têm direito a esse crédito.
Apesar disso, os especialistas ressaltam que o benefício é provisório e, em tempos de restrição fiscal, estender esse crédito presumido pode ser mais complicado.
O tributarista Paulo Vaz, sócio do escritório Vaz Buranello Shingaki e Oioli Advogados, também diz que, mesmo com o crédito presumido, ainda haverá imposto a ser pago no Brasil, ao contrário do que ocorria antes, quando a alíquota americana era de 35%. Considerando também o imposto de renda dos Estados americanos, a alíquota dos EUA chega a 26%, segundo Vaz. Nesse cenário, e já descontando o crédito presumido de 9%, ainda restaria 3% para a Receita brasileira cobrar, calcula Vaz.
De acordo com Giacobo, da PwC, o crédito presumido que existe hoje nem sempre é aproveitado. Segundo ele, como o crédito não é cumulativo, ele é desperdiçado no caso de uma companhia que tem prejuízos fiscais. “Minha percepção é que a minoria do mercado de fato tem conseguido fazer uso do crédito presumido”, diz o tributarista.
Nesse contexto, a alternativa para as empresas do Brasil é continuar a se valer de redes de tratados de não bitributação. O ideal é que a subsidiária de um grupo brasileiro no exterior esteja vinculada a um país que tenha, ao mesmo tempo, tratados para evitar a dupla tributação com os EUA e com o Brasil. Holanda e Luxemburgo estão nessa lista, segundo Giacobo.
Não por coincidência, a JBS fez uma reorganização societária em 2015 e os negócios nos EUA passaram ao controle de uma holding em Luxemburgo. O objetivo com essas estruturas é pagar uma alíquota líquida menor que os 34% cobrados.
Mas os tributaristas advertem que é cada vez mais difícil utilizar essas redes de tratados. Se não tiver atividades inerentes ao negócio em países como a Holanda, por exemplo, a companhia poderá acabar na mira do Fisco do Brasil e do exterior (Assessoria de Comunicação, 21/3/18).
Fonte: Brasilagro