Campanha reúne agricultores e grandes nomes da moda para reverter a queda no consumo de fibra natural no Brasil
A indústria têxtil brasileira nunca consumiu tão poucos fios de algodão como agora. No ano passado, 780.000 toneladas de fibras naturais foram utilizadas para fazer roupas, segundo uma pesquisa feita pela consultoria Markestrat, de São Paulo. É o menor consumo em quase uma década. Em 2008, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) contabilizou que foi usado 1 milhão de toneladas de algodão no setor. E a culpa pela queda recai sobre ele, o poliéster, fabricado com fibras sintéticas feitas a partir de petróleo, consequentemente, com preço mais baixo nos últimos dez anos, e que usa tecnologia de última geração para ficar muito parecido com o fio natural. “Fica quase parecido, jamais igual ou com a mesma qualidade, o mesmo caimento”, diz Arlindo Moura, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
Para tentar reverter a situação, a Abrapa lançou, durante a São Paulo Fashion Week, no final do ano passado, a campanha “Sou de algodão” junto com os estilistas Alexandre Herchcovitch e Martha Medeiros, nomes que ditam as tendências de moda no país.
A meta é conscientizar diversos públicos sobre os benefícios do fio de algodão e incentivar sua utilização na confecção de roupas, principalmente femininas e esportivas, segmentos mais atingidos pela entrada do poliéster. “Acreditamos que é possível recuperar o consumo de algodão em um ritmo de 1% ao ano em dez anos”, afirma Arlindo.
A pesquisa foi o pontapé para que a Abrapa, junto com o Instituto Brasileiro do Algodão (Iba) e a multinacional Bayer, lançasse a campanha. “Precisávamos de um estudo que nos apontasse onde e o porquê o consumo estava caindo para podermos traçar as estratégias certas, em momentos certos”, explicou Fernando Prudente, diretor de marketing estratégico para algodão da Bayer. “Em um primeiro momento, vamos falar diretamente com quem manda, as mulheres, e posteriormente atingir outros públicos, como os praticantes de esportes.”
Mulheres às compras
Os números apontados no estudo variam de acordo com cada segmento. A produção de roupas para as mulheres, atualmente, utiliza apenas 21% de fios naturais em sua composição (nos anos 1960, esse número era de 60%), enquanto as roupas para os homens usam 64%, as infantis e as linhas domésticas (cama, mesa e banho), 83% cada, e as roupas esportivas, 11%. “Há uma disparidade enorme, mas o ponto crucial é: quem compra as roupas dos homens, das crianças e os itens para a casa? São as mulheres”, diz Fernando. “Por isso, ir até os influenciadores da moda, os estilistas, foi fundamental para conseguirmos atingir diretamente esse público.”
Segundo ele, as consumidoras sabem que as roupas produzidas com algodão natural são melhores e mais saudáveis para quem as usa, mas, na hora de comprarem suas próprias peças, desviam sua atenção e partem para o poliéster. “Elas compram roupas de algodão para as crianças pois sabem que são saudáveis e não causarão algum tipo de reação na saúde delas. Compram camisas de algodão para os homens porque são as mais frescas, com melhor caimento, e compram itens para suas casas feitos de algodão porque sabem que são os produtos mais duráveis e confortáveis. Mas, na hora de comprar suas roupas, falta aquele glamour dos estilistas, a diversidade de peças.”
Nos próximos meses, a campanha entra na segunda fase. Arlindo diz que, como o objetivo é conscientizar todos os setores – dos criadores da moda ao consumidor final –, as ações passam a acontecer em universidades, divulgação para público-alvo em mídias digitais e varejo, e com novas parcerias (lojas de departamentos, por exemplo). “É preciso que essas influenciadoras, as varejistas, que estão nas lojas atendendo aos clientes, tenham conhecimento do que é o algodão para poderem oferecer o produto de forma correta.”
A campanha foi inspirada em uma ação semelhante realizada nos Estados Unidos, nos anos 1980, e que obteve resultados significativos naquele país, revertendo a queda no consumo de algodão perante a fibra sintética.
A redução no consumo de algodão é sentida em todos os países consumidores, mas, sobretudo, nos países em desenvolvimento, exceto Bangladesh e Vietnã, onde aumentou 16% e 10%, respectivamente. Na indústria da moda, os fios naturais representam 30% do consumo, enquanto o poliéster abocanha 85% desse mercado. A queda no Brasil ocorreu, principalmente, nos últimos três anos. Dados da Abit mostram que, em 2013, a indústria têxtil consumiu 1,458 milhão de fibras totais (algodão, poliéster, poliamida e acrílico) e o algodão representou 60%. Em 2015, esse índice foi de 54,6%.
Fonte: Globo Rural