Em média, aumento de produtividade implicou em redução de 19,4% no volume total de água consumida
O aumento da produtividade agrícola tem impactos positivos na pegada hídrica de bovinos em sistema de confinamento. Foi o que mostrou pesquisa no Estado de São Paulo coordenada pela Embrapa Pecuária Sudeste, SP, que utilizou informações climáticas e produtivas de 17 fazendas de animais da raça Nelore. O objetivo foi determinar a pegada hídrica dos confinamentos de bovinos e avaliar como o manejo nutricional impacta os valores da pegada.
O conceito surgiu na Universidade Twente, na Holanda, em meados de 2001, e visa mensurar o volume de água consumido durante o sistema de produção. No caso da pecuária de corte, por exemplo, é calculada a água utilizada desde a produção dos insumos para alimentação do gado até a do processamento da carne antes de chegar ao supermercado.
Em média, o aumento da produtividade significou uma redução de 19,4% no valor da pegada. Por outro lado, a menor quantidade de toneladas de grãos por hectare resultou em um aumento médio de 26,4% do valor da pegada.
Se os grãos utilizados pelas 17 fazendas tivessem aumento de 25% na produtividade agrícola, resultaria numa redução de 20% da superfície agrícola necessária. Por sua vez, uma redução de 25% na produtividade resultaria em 33% mais área à produção de ração.
Além do manejo, outros fatores interferiram no valor final da pegada hídrica, como condições climáticas, desempenho animal e produtividade da cultura agrícola utilizada. De acordo com o pesquisador da Embrapa Julio Palhares, o trabalho apresenta avaliações do confinamento brasileiro utilizando dados específicos de cada fazenda, o que não existe atualmente na literatura científica.
Há uma crescente tensão entre a produção pecuária e a utilização dos recursos naturais. E confinamentos podem provocar impactos ambientais negativos nos recursos hídricos, no ar e no solo. Apesar de o Brasil ser o segundo maior produtor e exportador de carne do mundo, ainda é pequena a produção em confinamento, porém, os especialistas preveem tendência de aumento desse tipo de criação.
Realidade brasileira – O gado brasileiro é criado em confinamento principalmente durante a estação seca, quando a disponibilidade de pastagens diminui. Segundo a Associação Nacional de Pecuária Intensiva (Assocon), em 2017 o número de animais confinados deve ultrapassar quatro milhões de cabeças. Um cenário diferente de 2015 e 2016, quando houve recuo na produção de bovinos nesse sistema. A queda aconteceu, principalmente, devido à redução do consumo doméstico e ao alto custo de produção.
Resultados – Para o cálculo, foi considerada a somatória da pegada azul − água usada na dessedentação, no processamento dos alimentos da ração e embutida no produto − e da pegada verde, com base nos dados locais de cada fazenda, que registram a precipitação diária, produtividade da cultura vegetal e sua evapotranspiração.
A pegada hídrica apresentou média de 5.718 litros por quilo de carne, e uma grande variação, de 1.935 a 9.673 litros/kg. A pegada azul representou 15% desse valor, e a verde, 85%. “Esses valores não devem ser comparados com a média global para produção de um quilo de carne, que é de 15,4 mil litros de água. Ela foi calculada para semiconfinamento e considerou toda a cadeia produtiva, desde a produção de insumos até a oferta do produto ao consumidor”, destaca Palhares.
As maiores eficiências no uso da água foram observadas nas fazendas que utilizaram alimentos com elevada produtividade agrícola, da ordem de toneladas por hectare (t/ha). Os menores valores, 1.935 e 3.871 litros por quilo de carne, estão relacionados a percentagens elevadas de volumoso (cana picada, bagaço de cana ou silagem de milho) nas dietas.
As fazendas com maiores quantidades de concentrado na dieta apresentaram altos valores de pegada, ou seja, demandaram mais água por quilo de carne produzido, já que a água verde é a maior contribuinte para a pegada total. Os alimentos concentrados são fontes de energia e proteína para os animais, mas pobres em fibras, diferentemente do volumoso, que tem alto teor de fibra.
Nos casos em que a propriedade usou 90% da dieta com concentrado, a pegada hídrica variou de 6.685 a 9.673 litros por quilo de carne. Já a redução de concentrado para 80% representou uma variação de 4.628 a 5.236 litros.
Por exemplo, as fazendas 4 e 5 utilizaram bagaço de cana e apresentaram os mesmos ganho de peso diário (1,5 kg dia-1), pesos inicial e final dos animais e período de confinamento (90 dias). No entanto, a fazenda 4 usou 80% de concentrado na dieta e a fazenda 5 utilizou 90%. A pegada da propriedade 4 foi de 4.628 e a 5, de 7.103 litros por quilo de carne, ou seja, usou 53,5% mais água.
Segundo Julio Palhares, o aumento da quantidade de concentrado na dieta resulta em pegadas mais elevadas. A decisão sobre utilizar mais ou menos concentrado depende de muitos fatores. Aspectos como o desempenho dos animais, as condições econômicas e gestão das fazendas devem ser considerados. “É importante destacar que avaliamos somente a pegada hídrica. Mas a quantidade de concentrado afeta outros indicadores, como a pegada de carbono e as de nitrogênio e fósforo”, pondera Palhares.
A utilização de subprodutos na alimentação animal pode reduzir os valores da água, bem como pegadas ecológicas ou de carbono, já que apenas parte da água consumida pelo produto principal é alocada ao subproduto.
A pesquisa identificou que em fazendas com utilização de subproduto (bagaço de cana) e 80% de concentrado (fazendas 4 e 6), os valores da pegada foram menores, mesmo comparados a fazendas com inclusão de 60% a 70% de concentrado.
As diferenças locais de evapotranspiração e rendimentos da cultura agrícola também influenciam os valores das pegadas. Maior evapotranspiração resulta em maior uso da água, indicando que, dependendo da região, a pegada hídrica total muda significativamente. A produtividade agrícola dos alimentos também desempenha papel fundamental, isto é, maior produtividade resultará em menor pegada hídrica. Isso demonstra que a eficiência hídrica de uma proteína animal é dependente da eficiência hídrica na agricultura, pois todos os aspectos produtivos estão interligados. Independentemente do fato de o pecuarista produzir ou não a alimentação do gado em sua propriedade, o desempenho hídrico dos insumos produtivos deve ser considerado no cálculo da pegada hídrica.
Se a fazenda estiver localizada em uma região de baixa precipitação, o que impede a produção de grãos, a importação de alimento é uma estratégia a ser utilizada. Outra estratégia é utilização de subprodutos agrícolas, disponíveis na região, que terão pegadas menores dependendo do valor nutricional e o impacto da dieta no desempenho animal.
Consumo animal – O consumo médio de água por animal por dia foi de 37,8 litros para uma ingestão de matéria seca de 10 kg por dia. A temperatura máxima nas fazendas variou de 25 a 31,3°C e precipitação de 2,7 a 4,8 mm ao dia. As fazendas com temperaturas mais elevadas apresentaram maior consumo de água, 39,6 litros por animal ao dia. Nas propriedades com temperaturas menores, o consumo foi 34,9. A quantidade de água consumida pelo animal é determinada pelo tipo de dieta, condições zootécnicas dos animais e conforto térmico do sistema de produção.
“A fazenda 5, que mostrou a maior temperatura máxima, poderia implementar práticas e tecnologias para dar mais conforto térmico. Se a temperatura fosse reduzida em 2°C, o consumo de água por animal ao dia seria de 38,2 litros, uma diferença de 1,4 litros ao dia”, explica Palhares, ressaltando que as estratégias devem ser adaptadas às condições locais e a combinação de gerências e tecnologias será necessária para alcançar melhorias significativas.