Com maior reserva de água doce do planeta, Brasil ainda não explora potencial de crescimento no setor
Dentro de sete meses, 20 milhões de filhotes de peixe pesando 30 gramas menos que um pãozinho francês serão transferidos para gaiolas de aço flutuantes no rio Paraná.
Seis meses depois, com quase 1 kg, serão o primeiro lote do maior investimento feito no país em aquicultura (produção em cativeiro).
O projeto, que será anunciado nos próximos dias, começará com 25 mil toneladas por ano, mas prevê quadruplicar a produção até 2020.
Se o cronograma for seguido, o Brasil chegará perto de dobrar sua produção atual, de 150 mil toneladas anuais.
Os US$ 51 milhões investidos na primeira etapa são 100% capital próprio da Tilabras, parceria entre uma das maiores produtoras de tilápia do mundo, a americana Reagal Springs, e a brasileira Axial, holding que atua no setor por meio da Mar & Terra.
Num terreno equivalente a um terço do parque Ibirapuera, comprado na última semana em Selvíria (MS), nas margens do rio, será construído também um frigorífico.
Nos próximos 15 dias, a empresa pedirá à União concessão para explorar uma superfície fluvial cem vezes maior, pelo período de 20 anos, renováveis por mais 20.
MILAGRE DE JESUS
É com a tilápia, espécie originária do rio Nilo e apontada como o peixe que Jesus multiplicou perto do mar da Galileia, que o governo brasileiro pretende expandir sua presença no mercado global.
“É um divisor de águas tanto em relação à escala do empreendimento quanto à estatura da empresa. Certamente vai chamar a atenção de competidores internacionais”, diz o ministro da Pesca, Helder Barbalho.
O governo federal procurou sete Estados para tentar destravar o licenciamento ambiental da atividade: as empresas precisam provar que não vão poluir as águas com excesso de ração, dejetos e animais mortos.
Outra preocupação é impedir que a resistente tilápia, presente em quase todo o país, se espalhe pela Amazônia, onde o cultivo é proibido.
ATRÁS DE BOI E FRANGO
Mesmo sem essa região, o potencial do Brasil é enorme, na avaliação de Sylvio Santoro Filho, diretor de projeto da Tilabras. Estão no país as maiores reservas de água doce do mundo, o clima quente favorece a engorda dos peixes e o consumo global cresce.
A empresa planeja exportar 70% de seus peixes em 2020, principalmente para os EUA, maiores consumidores.
O fato de que o brasileiro come poucos pescados –a média é inferior a 10 kg de pescado por pessoa por ano, abaixo dos 12 kg recomendados pela OMS e metade da média global (19 kg)– é visto como oportunidade de expansão pela nova empresa.
Mato Grosso do Sul foi escolhido por ser grande produtor de grãos, outro ponto forte do Brasil. Soja é insumo da ração, o principal item da planilha de custos da empresa, chegando a 70%. A Tilabras produzirá sua própria ração quando estiver criando 50 mil toneladas de tilápia, ponto que viabiliza a fábrica.
A expectativa é que o país, hoje líder na exportação de carne bovina e de frango, galgue posições também no setor de pescados. “Saímos de pequenos produtores nacionais e passamos a multinacionais. Abriram-se as comportas para que empresas da mesma grandeza enxerguem o Brasil como oportunidade sensacional”, diz Barbalho.
Santoro admite o risco de novos competidores, mas defende que a Tilabras tem o trunfo do pioneirismo. “Até se instalarem, já teremos ampliado e conquistado o mercado interno, fator importante de viabilidade econômica.”