Com áudios e vídeos sobre cotação da arroba e temas técnicos e de manejo, mais de mil pecuaristas e consultores trocam mensagens frenéticas em grupos de Whatsapp.
As plataformas para troca de mensagens, áudios e vídeos pelo celular chegaram à pecuária e estão mudando a forma de relacionamento entre criadores, técnicos, consultores e demais integrantes da cadeia produtiva. Basta que o pecuarista tenha um celular do tipo smartphone, com conexão à internet, para baixar os aplicativos – entre os mais conhecidos estão o whatsapp e o telegram – e passar a se comunicar em tempo real.
A facilidade de acesso e o manuseio, aliado à rapidez e privacidade – só participa quem é convidado – fazem dessas ferramentas o ambiente perfeito para a troca de informações estratégicas, que são compartilhadas em grupos de conversas de interesse comum.
“Desta vez a gente consegue unir a classe”, brinca o pecuarista Oswaldo Furlan Filho, que iniciou um grupo para troca de mensagens instantâneas com cinco amigos há dois anos, e hoje já reúne mais de 230 pessoas – destes, pelo menos 200 são criadores que, juntos, representam um rebanho de aproximadamente 1 milhão de cabeças. Os demais são técnicos, consultores ou especialistas em assuntos relacionados à pecuária de corte. Ele afirma que não esperava que a iniciativa ganhasse tal magnitude, mas está muito entusiasmado. “Antes, a distância e a comunicação escassa dificultavam a estruturação de uma agenda comum. Mas agora tratamos de qualquer assunto num piscar de olhos”, diz o criador, que administra o GPB (Grupo Pecuária Brasil) com mãos de ferro: não são admitidos piadas, termos ofensivos ou assuntos paralelos. “O foco é o mercado e a gestão da pecuária de corte”, diz.
O proprietário do confinamento Chaparral, Sérgio Przepiorka, em Rancharia, noroeste de São Paulo, entrou no grupo em janeiro de 2016. “Tenho mais de 30 anos de pecuária e acho que agora encontramos uma ferramenta para revolucionar o mercado”, diz, ao lembrar que nunca foi comum um pecuarista ajudar o outro, por medo da concorrência ou pressão do frigorífico. O criador Honorato Rodrigues da Cunha, de Pompeia, oeste de São Paulo, também entrou recentemente no GPB. Ele acredita que esta é uma oportunidade importante para a mudança de postura do produtor. “Os frigoríficos são muito organizados e estamos nas mãos deles há anos. Com as informações que circulam no grupo, a relação com a indústria vai mudar”, acredita.
O GPB tem membros de todo o Brasil, mas a maioria está nos arredores de Bauru, município da região central de São Paulo. A proximidade geográfica permite a troca de dados estratégicos e até a negociação de produtos entre os criadores. Para manter este mesmo perfil, foram criados outros cinco grupos através do GPB, todos com as mesmas regras e sob a supervisão de Furlan: Abrapec, Turma da @, Boi do Norte, Grupo do Norte e Agrobrazil. Somados, os grupos reúnem mais de 650 pessoas.
Força e credibilidade
Com a troca frenética de informações – que vão desde a comunicação do valor da arroba na venda para determinado frigorífico até vídeos mostrando estratégias para o manejo do pasto ou do rebanho -, os participantes conseguem aprimorar os ganhos na propriedade, seja por meio de compras coletivas de insumos, com preços melhores, prazos estendidos e a possibilidade de uso do crédito do ICMS como moeda ou com a venda de bovinos em grupo. “Agora quem pode mais chora menos”, diz Hugo Santana Neto, que desde janeiro de 2016 administra os grupos Boi do Norte e Boi do Norte 1, que têm mais de 170 membros de Rondônia e do Acre, donos de um rebanho de aproximadamente 600.000 cabeças. Para ele, o acesso à informação é a ferramenta mais interessante nestas plataformas. “Quando um criador consegue um valor melhor pela arroba, já comunica os demais. Assim, o pecuarista que tem boi na escala pode negociar o preço da arroba com a indústria ou mandar para a planta que paga melhor”, diz.
Em Rondônia, onde o diferencial de base (em relação à praça de São Paulo) está acima de R$ 30, a ferramenta tem ajudado os criadores a buscar outros caminhos para vender seus animais. A mesma estratégia é usada com o rendimento de carcaça. “Consideramos parceiras as indústrias frigoríficas nas quais percebemos que o rendimento de carcaça está mais próximo de nossa expectativa”, continua Santana Neto. Aquelas plantas em que não há confiança sobre a veracidade da balança vão para o fim da fila e correm o risco de não conseguir animais para completar a escala.
O criador Miguel Paulo, que coordena a Turma da @, atualmente com 117 participantes, com rebanho estimado em 800.000 cabeças, em Goiás, salienta a força que os pecuaristas ganharam depois da união por intermédio dos aplicativos. “Antes, a gente entregava o boi para o frigorífico e perguntava quanto ele pagaria. Agora nós é que dizemos quanto queremos receber”, afirma.
Transparência
Cientes dos valores recebidos pela arroba na região, os criadores agora têm base para questionar o indicador boi gordo do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP). “Quando o indicador destoa fortemente, temos condições para pressionar”, explica Caio Junqueira, sócio da corretora Cross, de Presidente Prudente, SP, e membro do GPB e da Agrobrazil. Ele explica que o indicador sempre foi alvo de muitas críticas entre os criadores, que alegam que os valores ali apontados não retratam a realidade. Nesse sentido, o agente de mercado está coordenando a formação de uma lista de assinaturas para solicitar o acesso às informações coletadas pelo Cepea e organiza uma comissão que vai propor mudanças na metodologia do indicador. “Não duvidamos da idoneidade do Cepea, mas acreditamos que o modelo adotado permite manipulações por parte dos frigoríficos”, diz. Segundo essa suspeita, os frigoríficos teriam como “escolher”, entre os valores pagos no dia, aquele de menor monta, repassando a informação ao Cepea, omitindo, assim, os maiores valores pagos pela arroba do boi.
Ao mesmo tempo, Junqueira conseguiu demonstrar a seus pares que é importante integrar a base de dados do Cepea. “Poucos se dispunham a informar os valores de suas vendas.” Com muita conversa e esclarecimento nos aplicativos, houve um aumento de 5 para 45 pecuaristas que informam o preço das vendas para a entidade.
A formação de indicadores de preços também está no foco dos debates do BeefRadar, grupo formado por 150 pessoas, todos líderes em sua área de atuação “A relação entre pecuaristas e frigoríficos sempre foi polêmica e estamos formando um grupo de trabalho especialmente para estudar os indicadores de preços do boi gordo no Brasil”, afirma o médico veterinário Rodrigo Albuquerque, administrador do grupo, que é composto por criadores, executivos de frigoríficos, traders, varejo e indústria de insumos, representantes de laboratórios de qualidade de carne, universidades, associações de classe e um bom time de analistas de mercado.A primeira reunião física do grupo será realizada em maio deste ano durante o Confinar 2016, em Campo Grande, MS.
Segundo Albuquerque, o propósito do fórum é criar um ambiente capaz de reunir todos os elos da cadeia. “Com a plataforma temos uma porta aberta para a produção da carne bovina de qualidade”, entende Albuquerque, informando que o ingresso de novos integrantes está condicionado à avaliação de uma comissão do grupo. “Somente aqueles com perfil de seriedade e liderança são admitidos”, informa.
Novos conhecimentos
Mas nem só de boi gordo e carne vivem os grupos formados por pecuaristas. Em Goiânia, por exemplo, o grupo Agropecuária Goiânia, tem dado prioridade às práticas de integração entre a lavoura e pecuária, graças às características dos 103 integrantes: pecuaristas, agricultores, técnicos e consultores das regiões do Vale do Araguaia, São Patrício, Jataí, em Goiás, e de Rondônia, Minas Gerais e Mato Grosso. “Trocamos dados sobre agricultura e pecuária, o que tem ajudado muitos criadores a adotarem a integração do pasto com a lavoura de grãos”, explica o pecuarista Manoel Vaz, que criou o grupo há três anos. Os integrantes trocam vídeos, fotos e resultados alcançados nas propriedades após a adoção da Integração Lavoura- Pecuária e tratam de temas como o uso de defensivos, novas variedades de grãos e seus resultados e até sobre índices pluviométricos. “São dados que nos ajudam na organização de nossas atividades com menor risco de errar”, comenta.
Formado para a troca de experiência sobre a qualidade e os cuidados para a recuperação e preservação dos pastos, o GPS, Grupo Pastagem Sustentável, administrado pelo engenheiro agrônomo Wagner Pires, especialista da área, agrega mais de 150 pessoas de todo o Brasil. São pesquisadores, zootecnistas, veterinários, estudantes e criadores, interessados em dicas e orientações sobre o manejo das pastagens. “Há muitas dúvidas sobre as variedades de gramíneas e suas características, bem como muitas trocas de ideias e soluções úteis para muitos membros do grupo”, diz Pires, que acrescenta que o produtor assimilou muito bem o uso dos aplicativos, “que devem ser vistos como uma forma de fomentar o entendimento sobre a atividade”.
Eventualmente, o consultor promove pequenas palestras para o grupo, com a postagem de slides e explicações sobre os dados apresentados. “Também realizo enquetes e provoco discussões para saber quais são as reais necessidades do homem no campo”, completa. Pires assegura que o bate-papo virtual não substitui a presença do técnico no campo. “Pelo contrário, por meio desta aproximação, mostramos como é importante a assistência técnica de qualidade para garantir o vigor do pasto”, diz.
Fonte: DBO 426