Nova raça de vacas sustentáveis ainda não tem nome, mas projeto combina a capacidade de produção de leite, com a resistência ao calor, seca e doenças típicas de animais nativos de países tropicas, gerando vacas capazes de produzir até 20 vezes mais leite do que as raças locais
Como sabemos, o gado leiteiro é uma importante fonte de alimentos e renda para muitas populações nos trópicos, mas enfrenta diversos desafios para aumentar sua produtividade e sustentabilidade. Entre eles, estão as condições climáticas adversas, as doenças, os recursos limitados e a baixa qualidade genética dos animais. Para superar esses obstáculos, é necessário desenvolver programas de melhoramento genético que levem em conta as características e necessidades locais, bem como as potencialidades de diferentes grupos genéticos.
Projeto inovador
Em uma iniciativa inovadora, cientistas da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos USA, estão prestes a transformar a realidade dos agricultores de subsistência na Tanzânia com vacas sustentáveis capazes de produzir até 20 vezes mais leite do que as raças locais. O projeto, publicado na revista Animal Frontiers, combina a capacidade de produção de leite de raças Holstein e Jerseys com a resistência ao calor, seca e doenças do Gyr, uma raça de gado nativa comum em países tropicais.
O líder do projeto, Matt Wheeler, professor no Departamento de Ciências Animais da Faculdade de Ciências Agrícolas, do Consumidor e Ambientais (ACES), de Illinois, está entusiasmado com os resultados e enaltece o trabalho dos criadores brasileiros: “Girolandos de alto rendimento são comuns no Brasil, mas, devido a doenças endêmicas lá, esses animais não podem ser exportados para a maioria dos países. Queríamos desenvolver um rebanho de alta saúde nos EUA para exportar sua genética para qualquer lugar do mundo.”, ressalta o pesquisador.
![Cientistas desenvolvem nova raça de vacas sustentáveis 2 Cientistas desenvolvem nova raça de vacas sustentáveis](https://agronews.tv.br/wp-content/uploads/2023/11/vacas-sustentaveis-tanzania.jpg)
O papel dos cruzamentos entre taurinos e zebuínos
Uma das estratégias mais utilizadas para melhorar o gado leiteiro nos trópicos é o cruzamento entre raças taurinas (Bos taurus) e zebuínas (Bos indicus). As raças taurinas são originárias de regiões temperadas e possuem alta produção de leite, mas são sensíveis ao calor e às doenças tropicais. As raças zebuínas são originárias de regiões tropicais e possuem maior resistência ao calor e às doenças, mas produzem menos leite. O cruzamento entre esses dois grupos visa combinar as vantagens de ambos e gerar animais mais adaptados e produtivos nos trópicos.
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Um exemplo de sucesso desse tipo de cruzamento é a raça Girolando, que é o resultado do cruzamento entre a raça Gir (zebuína) e a raça Holandesa (taurina). Essa raça é a mais utilizada na produção de leite no Brasil, pois apresenta boa produção de leite, boa fertilidade, boa conformação e boa adaptação ao clima tropical.
Neste sentido, podemos destacar o domínio tecnológico na criação das raças Gir Leiteiro e Girolando, que é realizado pela Agropecuária GV5, uma das maiores referencias entre os produtores no Brasil. O plantel GV5 abriga matrizes premiadas de alta qualidade. O alto investimento nas mais avançadas aplicações genéticas aliado a criteriosos métodos de criação proporcionam um gado cada vez mais produtivo, dócil, fértil e bem adaptado às condições climáticas da região Centro-Oeste, que possui um clima altamente exigente.
![Cientistas desenvolvem nova raça de vacas sustentáveis 4 Getúlio Vilela - Agropecuária GV5](https://agronews.tv.br/wp-content/uploads/2023/11/Getulio-Vilela.jpg)
Um nova raça de vacas sustentáveis
Após criar os primeiros bezerros nos EUA, o pesquisador Wheeler planeja implantar 100 embriões em duas localidades na Tanzânia este mês. Os bezerros resultantes serão inseminados por gerações sucessivas para criar gado “sintético puro” com genética cinco-oitavos Holstein ou Jersey e três-oitavos Gyr. Ao contrário dos Girolandos, os sintéticos puros ainda não têm um nome oficial.
Esses sintéticos puros são valiosos, pois, uma vez estabelecida a genética cinco-oitavos/três-oitavos, ela se mantém constante. A equipe visa manter a resistência a doenças e pragas vinculada à produção de leite, o que pode ser desafiador nos países em desenvolvimento até atingirem a geração pura sintética de vacas sustentáveis.
Table 1.: Raça compostas que foram desenvolvidos anteriormente pelo cruzamento das raças B. indicus e B. taurus
Composite breed | B. indicus founder breed | B. taurus founder breed |
---|---|---|
Girolando | Gir (also spelled Gyr) | Holstein Friesian |
Australian Friesian Sahiwal (AFS) | Sahiwal | Holstein Friesian |
Brazilian Milking Hybrid (BMH) | Gir and Guzerat | Holstein Friesian |
Jamaica Hope | Sahiwal | Holstein Friesian and Jersey |
Australian Milking Zebu (AMZ) | Sahiwal, Red Sindhi | Jersey |
Sunandini | Nondescript zebu cattle | Holstein Friesian, Jersey, and Brown Swiss |
Mambi de Cuba & Siboney de Cuba | Cuban zebu | Holstein Friesian |
Capacitação dos produtores locais
Além do desenvolvimento genético das vacas sustentáveis, a equipe está comprometida com a capacitação local. Eles já ministraram um curso online sobre tecnologia de reprodução assistida em bovinos, com participantes da Tanzânia. Wheeler destaca a importância de considerar a cultura local: “Tivemos que começar do zero com Jerseys, mais adequados às preferências dos pastores Maasai. Será válido se forem melhor aceitos.“
![Cientistas desenvolvem nova raça de vacas sustentáveis 5 Cientistas desenvolvem nova raça de vacas sustentáveis](https://agronews.tv.br/wp-content/uploads/2023/11/Matthew-Wheeler-ACES.webp)
Embora o projeto de produção de vacas sustentáveis esteja nos estágios iniciais, representa um avanço em direção à agricultura animal realmente mais sustentáveis e resiliente ao clima. Wheeler sugere que a tecnologia também pode ser usada para proteger o gado dos EUA e do mundo contra os impactos das mudanças climáticas. A introdução de genética tropical em animais de alta produção nos EUA poderia ajudar a enfrentar o calor, a seca e as doenças de maneira mais eficaz. Wheeler conclui: “As pessoas geralmente não pensam tão à frente, mas prevejo que olharão para trás e perceberão que ter genética tropical antes teria sido uma boa ideia.”
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Exemplos de programas de melhoramento genético
Existem vários programas de melhoramento genético do gado leiteiro nos trópicos, que utilizam diferentes combinações das ferramentas biotecnológicas mencionadas. Alguns exemplos são:
- O Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ), que é um programa brasileiro que visa melhorar as raças zebuínas para a produção de leite e carne. Esse programa utiliza a inseminação artificial, a transferência de embriões, a fertilização in vitro e a genômica.
- O Programa de Melhoramento Genético de Girolando (PMGG), que é um programa brasileiro que visa melhorar a raça Girolando para a produção de leite. Esse programa utiliza a inseminação artificial, a transferência de embriões, a fertilização in vitro, a clonagem e a genômica.
- O Programa de Melhoramento Genético de Gado Leiteiro Tropical (TropiDairy), que é um programa internacional que visa desenvolver novas raças de gado leiteiro adaptadas aos trópicos, a partir do cruzamento entre raças taurinas e zebuínas. Esse programa utiliza a inseminação artificial, a transferência de embriões, a fertilização in vitro, a edição gênica e a genômica.
Enfim, como podemos perceber, o melhoramento genético do gado leiteiro nos trópicos é uma atividade essencial para aumentar a produção de alimentos e a renda dos produtores, bem como para promover a sustentabilidade ambiental e social. Para isso, é necessário utilizar as ferramentas biotecnológicas disponíveis, de forma estratégica e responsável, respeitando as características e necessidades locais, e explorando as potencialidades de diferentes grupos genéticos.
O estudo sobre as vacas sustentáveis, intitulado: “Desenvolvimento de Gado Leiteiro Melhorado Geneticamente Adaptado a Regiões Tropicais“, foi publicado na Animal Frontiers [DOI:10.1093/af/vfad050]. Os autores incluem Paula Marchioretto, Chanaka Rabel, Crystal Allen, Moses Ole-Neselle e Matthew B. Wheeler. O trabalho foi parcialmente financiado pelo Projeto Multiespécies W-4171 do USDA, pelo Escritório de Programas Internacionais da ACES, pelo Centro Nacional de Recursos da Universidade de Illinois em Estudos Africanos e pela Fundação Ross (Acordo nº 635148).
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