Prever comportamentos futuros sobre a economia e o Covid-19, bem como as variáveis econômicas com o cenário atual é uma tarefa quase impossível. No entanto, o exercício pode ser feito, na medida do possível, tendo em conta as informações disponíveis e a aplicação dos conceitos de análise econômica.
Perspectivas econômicas
Quanto as perspectivas de inflação, o cenário da economia e o Covid-19 no curto prazo é claramente deflacionário, e por maus motivos. A redução da atividade econômica, que até um mês atrás ainda se previa um crescimento do PIB de 2,17%, agora já se prevê, até com algum otimismo, uma queda de 0,48%. O consenso para o segundo trimestre é de uma queda de até 3% do PIB trimestral. Com isso, a inflação prevista para este ano já cai, ainda segundo o relatório Focus para 2,94%. Para o ano de 2021 também caem as expectativas para 3,57%.
Ressalta-se que em 23 de março do presente ano, o Banco Central tomou diversas medidas emergenciais, adicionais à redução da Selic em 0,50 pontos percentuais, para 3,75% -, decisão tomada já em 18/03/2010.
Tais medidas emergenciais foram tomadas com o objetivo de aumentar a liquidez monetária para fazer face às consequências da queda esperada do PIB, e a resultante interrupção do fluxo de crédito bancário. O volume estimado do pacote de liquidez monetária, estimado é de R$ 1,2 trilhão. O Bacen avalia que a política monetária deve continuar estimulativa, o que leva os agentes a preverem ainda nova queda da Selic para pelo menos 3,50%.
Diante da necessidade momentânea deste grande aumento da liquidez causada pela pandemia do COVID-19, como era de se esperar, para os próximos anos a expectativa é de significativa alta da Selic, como forma de enxugar o excesso de liquidez monetária, criada neste momento de crise.
Evolução de preços
Quanto a evolução dos preços, embora seja de difícil previsão da economia Covid-19, pode-se comentar algumas tendências. Diferentemente do caso da greve dos caminhoneiros, esta crise deve afetar de forma significativa o setor de serviços pessoais, para os quais talvez nem se tenha condições de coletar preços, uma vez que boa parte dos estabelecimentos deste tipo de atividade foi obrigada a fechar. Por outro lado, quanto aos produtos perecíveis, as dificuldades quando da greve dos caminhoneiros estavam em fazer os produtos chegar aos centros de comercialização. Agora é a demanda pelo consumidor, principalmente restaurantes, lanchonetes e bares, ou seja, a ponta da cadeia é que está criando dificuldades.
Estes setores são citados porque o seu consumo, geralmente atendido por pequenas e micro empresas, não pode ser diferido como no caso do comércio de outros bens, tais como vestuário, eletrodomésticos entre outros, uma vez que o não-consumo é definitivo, e a perda sofrida pelo produtor, portanto, também definitiva. Assim, o subgrupo de “alimentação e bebidas em domicílio” e o de serviços pessoais, neste cenário deve ser afetado de forma expressiva.
Quanto ao restante do grupo “alimentação e bebidas”, no subgrupo “em domicílio”, os impactos devem ser menores. O temor inicial de desabastecimento, inclusive com corrida aos supermercados no início do processo de quarentena se deu, muito devido estocagem de produtos para evitar a ida frequente às compras, e não como até mesmo divulgado pelas redes sociais, em vista de perspectiva de desabastecimento. Até o momento, e se não ocorrer problemas na logística de transportes, deve haver apenas altas dos produtos agrícolas, localizadas e não generalizadas. A boa safra agrícola 2019/20, que vem se configurando, pode ser considerado um fator de tranquilidade no abastecimento.
Transportes
No caso do grupo transportes, uma conjunção de fatores faz com que os preços do grupo, principalmente combustíveis, tenha cenário baixista. Embora o dólar seja um fator de pressão altista direta nos preços internos do petróleo e derivados, a queda do preço do petróleo em função da redução da atividade econômica, e sobretudo com o desentendimento na reunião da OPEP, entre a Arábia Saudita e a Rússia, sobre a redução das quotas de produção, em meio a redução do consumo mundial, levou a uma “queda de braço”, e dos preços que saíram de cerca de US$ 60,00, para quase US$ 20,00. Também, como consequência da crise sanitária, os itens transportes, em particular o interestadual e aéreo, devem ter forte pressão baixista.
Assim, embora o último Relatório Focus ainda estime uma inflação de 0,11%, para março, 0,20% para abril e 0,17% para maio, muitos analistas já projetam deflação para estes meses. Mesmo assim, como já mencionado anteriormente, para este ano a projeção ainda é de uma inflação de 2,94%, mesmo com o significativo aumento da liquidez, devido ao fraco desempenho econômico esperado.
Por último, deve-se mencionar o impacto do pacote fiscal das medidas já tomadas de apoio às empresas e à manutenção do emprego para recuperar a economia frente ao Covid-19. Com a decretação do estado de calamidade pública, e a consequente suspensão do contingenciamento dos recursos orçamentários, a meta fiscal que era de 1,68% do PIB, isto é, R$ 127,5 bilhões para o ano de 2020, é estimado agora pelo Ministério da Economia, em um em 5,55% do PIB, ou seja, um déficit de R$ 419,2 bilhões. Só as medidas para atender a população mais vulnerável e para preservar os empregos terão um impacto de R$ 224,6 bilhões no resultado primário, o equivalente a 2,97% do PIB.
Ajuste fiscal na Economia e o Covid-19
Embora estas medidas emergenciais alterem momentaneamente a rota do ajuste fiscal, deve-se considerar que os gastos adicionais seriam de uma única vez, feitos de forma não recorrente, e que são gastos essenciais para manter a estrutura produtiva, na medida do possível, intacta.
Como a crise é sanitária e não econômica (Economia e o Covid-19), e com prazo de conclusão dos efeitos mais deletérios do processo viral previsto para alguns meses, é fundamental que a retomada das atividades econômicas, quando viabilizada pelas condições sanitárias, seja a mais rápido possível, mantendo-se tanto quanto possível a estrutura produtiva atualmente existente, ou seja, sem fechamento de empresas e com o máximo de preservação do emprego.
Ademais, a ampliação da atual rede de proteção social para os trabalhadores autônomos atua no sentido de manter a renda e a demanda por parte deste setor, fazendo com que atravesse de forma menos traumática este processo. Esta é uma condição essencial para que o impacto sobre o ajuste fiscal, também pelo lado das receitas, não seja prejudicado, quando da esperada futura normalização da situação sanitária e, portanto, também da econômica.
Por: Renato Antonio Henz – Economista da Inteligência, Análise Econômica e Projetos Especiais – CONAB